Governos conservadores barram políticas públicas para mulheres
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Blumenau, terceiro maior município de Santa Catarina, tinha uma rede de proteção a mulheres vítimas de violência considerada insuficiente, ao menos até 2018, por não ter a maior parte dos dez instrumentos recomendados pela Lei Maria Penha. O cenário desfavorável, a despeito de a cidade estar entre aquelas com maior índice de desenvolvimento do país, pode ter relação com o perfil do eleitorado blumenauense, de tendência conservadora.
A correlação entre o nível de conservadorismo de eleitores e a pouca, ou nenhuma, presença de instrumentos voltados ao combate da violência doméstica foi identificada por Malu Gatto, professora da University College London, e Victor Araújo, pesquisador na Universidade de Zurique, em estudo a ser publicado pela “Comparative Political Studies”, revista acadêmica da área de ciência política.
Para verificar essa correlação, os cientistas políticos desenvolveram um modelo estatístico que, ao isolar uma determinada variável, indica se o número total dos dez instrumentos sugeridos pela Maria da Penha diminui, aumenta ou fica inalterado. As dez sugestões são para áreas de justiça e proteção, como delegacias especializadas, casas-abrigo e serviços de atendimento a vítimas de violência sexual. A lei federal foi sancionada em 2006.
Além do perfil ideológico do eleitor, os cientistas analisaram, por exemplo, o número de mulheres em prefeituras ou câmaras municipais, número de casos de feminicídio, o percentual de políticos conservadores e o perfil religioso da população. O conservadorismo do eleitorado foi o fator com efeito negativo mais significativo. Quanto maior o índice, menor o número de instrumentos. O estudo não aborda a qualidade da rede de apoio disponível no país, ou nos municípios, nem o impacto dela no número de ocorrências policiais.
O índice de conservadorismo varia de -1 (se nenhum dos eleitores de um certo município é conservador) até 1 (se todos são). Os autores definem como conservador quem vota em partidos identificados à direita, a exemplo de DEM (antigo PFL) e PP. O indicador considera como o eleitor votou para vereadores e deputados federais entre 1994 e 2018.
“O aumento de um ponto na escala de conservadorismo eleitoral está associado a uma média de 0,45 menos instrumentos de política em nível municipal. Em outras palavras, constituintes mais conservadores tendem a adotar menos políticas para combater a violência contra mulher”, diz trecho do artigo assinado pelos pesquisadores.
O estudo analisa a correlação dos dados totais, não de forma municipalizada. Mas exemplos pontuais permitem observar essa lógica. No caso de Blumenau, o conservadorismo ficou em 0,256. Em 2018, ano-base das informações usadas pelos pesquisadores, constava apenas um instrumento no município.
A situação da rede de apoio às mulheres no país foi retirada da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Até 2018, em 70% dos 5.570 municípios brasileiros não havia nenhum instrumento de proteção (casa-abrigo ou centro de atendimento, por exemplo).
Em Blumenau, figuram entre os parlamentares federais mais votados representantes de legendas como DEM, PSDB e MDB. Em 2018, liderou o ranking o PSL, partido pelo qual foram eleitos Jair Bolsonaro e o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés.
Já Niterói (RJ), com cerca de 500 mil habitantes e índice de desenvolvimento semelhante ao de Blumenau, registrou indicador menos conservador (-0,025). Até 2018, havia ao menos oito instrumentos previstos na Lei Maria da Penha.
Entre 1994 e 2010, os niteroienses tinham entre os mais votados para os legislativos municipal e federal siglas como PDT e PT (escolhidas também com frequência para o comando da prefeitura), além do PCdoB e Psol. Em 2014 e 2018, dividiram destaque com representantes do Psol e do PT nomes eleitos pelo PP e PSL.
Malu e Araújo observaram, com base em pesquisas de opinião, que eleitores de viés conservador foram os mais propensos a acreditar que as leis em vigor são o suficiente para proteger as mulheres e que há exagero na cobertura da mídia sobre casos de violência. Percepção que, para os autores, sugere que o conservadorismo tende a reduzir o apoio a medidas de proteção. Os políticos, por sua vez, tendem a dar pouca importância ao tema por entender que, para seu eleitorado, trata-se de uma agenda impopular ou irrelevante.
“Essa lógica perpassa pelas dinâmicas da democracia representativa, que é essa expectativa de que o eleitorado consegue influenciar o processo decisório dos políticos eleitos, justamente porque eles querem refletir as demandas do eleitorado para seguir no poder”, diz Malu Gatto.
Em contrapartida, os pesquisadores identificaram que tende a haver mais dispositivos de proteção onde o setor público tem maior o índice per capita de servidores com ensino superior.
Para os autores do estudo, ao se demonstrar as falhas da rede de proteção nos municípios e as possíveis explicações, abre-se a possibilidade para provocar os agentes públicos e envolver mais pessoas na elaboração de políticas públicas.
“A proteção da mulher precisa estar no nível local. Demonstrar essa falha pode gerar um foco maior nessa demanda. E também é preciso pensar que o eleitorado não é o único ator nesse processo de construção de políticas públicas. Organizações da sociedade civil e mesmo os políticos são importantes nesse processo de elaboração”, afirma Malu.
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