Má gestão da pandemia está afetando a economia
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Durante todo o século XX, o Brasil esteve entre os países de melhor desempenho econômico de todo o planeta, apesar da crônica situação de pobreza de boa parte de sua população. Entre os anos de 1930 e 1980, nenhuma nação — nem Japão, Estados Unidos, Noruega, Finlândia, Taiwan ou Coreia — ultrapassou as marcas brasileiras, que registravam uma expansão média do PIB acima de 6% ao ano. Vem dessa época a alcunha de País do Futuro. Mesmo a chamada década perdida, a dos anos 1980, que jogou um balde de água gelada no otimismo, mais parecia um obstáculo na estrada para o desenvolvimento. E nunca isso soou tão verdadeiro quanto no início do século XXI, quando o economista britânico Jim O’Neill, do banco de investimentos Goldman Sachs, criou o termo BRIC. O acrônimo, cunhado em 2001, caracterizava Brasil, Rússia, Índia e China como as grandes potências emergentes, que sustentariam um crescimento capaz de colocá-las, até 2050, na liderança da economia planetária.
Dentro desse grupo, o Brasil gozava de destaque especial. Afinal, entre as quatro promissoras nações era a mais democrática e com as instituições mais sólidas. Infelizmente, para os brasileiros, esse potencial não tem se cumprido. Reconhece isso o próprio O’Neill, que também foi secretário do Tesouro do Reino Unido e que hoje é presidente do conselho da tradicional instituição de estudos Chatham House, de Londres. “O Brasil e a Rússia foram as grandes decepções dessas duas últimas décadas”, afirmou a VEJA.
Esse desencanto com o país é perceptível em sua recente queda no ranking das maiores economias do mundo. Em 2011, a notícia de que o Brasil havia superado, em dólares, o PIB do Reino Unido segundo as contas da consultoria britânica Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios (CEBR) provocou um frenesi internacional. E a expectativa era superar também a França, o que consolidaria o país como o quinto da lista até 2022. Hoje isso é, claramente, uma utopia. Já nos anos seguintes ao ranking, o Brasil começou a perder posições até mais fortemente que a Rússia, saindo do top 10. Ainda em 2021, pode perder a posição atual, ficando atrás da Austrália, a depender do desempenho durante o ano.
É óbvio que parte importante dessa queda tem relação direta com a perda de valor do real em relação ao dólar. Os economistas lembram que um efeito da rápida e bem-vinda baixa dos juros básicos da economia entre 2015 e 2020, como forma de estimular a economia, pressiona para a desvalorização do real. Com juros menores, os grandes investidores financeiros internacionais preferem apostar seus recursos em ativos de países desenvolvidos, mais sólidos e seguros. No entanto, esse fenômeno sozinho não explica tamanha volatilidade da moeda nacional, tornando comuns variações de 1,5 ponto porcentual por dia nos últimos doze meses. Em um ano, o real já se desvalorizou 28% diante do dólar. É o segundo pior desempenho entre as 24 moedas mais negociadas do mundo, atrás apenas do peso argentino.
Desde a eclosão da pandemia do coronavírus, em março do ano passado, as maiores quedas do real foram registradas nos dias seguintes aos anúncios das saídas ruidosas do ministro da Justiça, Sergio Moro, e do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, uma clara demonstração de como a instabilidade política e as intervenções na economia causam danos às finanças do país. “A gente mudou de patamar atualmente. Quando se mede o patrimônio em moeda forte, em dólar ou euro, está claro que todos nós, brasileiros, ficamos mais pobres”, constata Patrick O’Grady, sócio-fundador da gestora de investimentos Vitreo. Para piorar, a alta do dólar estimula a inflação, contamina os preços dos combustíveis — o que por sua vez encarece a produção e a logística —, além da importação de matérias-primas. O índice IGP-M, que engloba preços do agronegócio, da indústria e da construção civil, atingiu impressionantes 29% no acumulado de doze meses até fevereiro.
Seria sinal de miopia, entretanto, indicar que o tombo do Brasil no ranking global de economias tem relação apenas com o câmbio. Os últimos dez anos são um grande destaque negativo para a história econômica brasileira. Apesar de o país ter começado a década de 2010 sofrendo menos que os países desenvolvidos com a crise financeira internacional, o Brasil logo reviveu alguns de seus grandes erros históricos e inventou novos, em especial, nas gestões de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. O resultado foi a mais longa recessão registrada, entre 2014 e 2016, causada pela explosiva piora das condições das contas públicas e seguida de uma recuperação tímida nos anos seguintes. E tudo isso culminando no portentoso desastre da Covid-19, no ano passado. Um drama que se estende por 2021 perante o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro em relação à crise sanitária.
Em números, a queda do PIB per capita entre 2011 e 2020 é a maior em 120 anos de registros. Foi uma perda de 5,5%, com uma média anual de 0,6% negativo, a mesma da “década perdida” dos anos 1980. “A última década foi pior ainda, a ponto de termos de encontrar um novo adjetivo para defini-la, pois já usamos o termo ‘perdida’, porque nunca imaginamos ter outra no mesmo estilo”, diz Claudio Considera, economista do Instituto Brasileiro de Economia, o FGV-Ibre, e ex-chefe de contas nacionais do IBGE. Nesse sentido, a duração da recessão de 2014 e a Covid-19 foram determinantes nesse cenário. Até mesmo a histórica capacidade do Brasil de se recuperar rapidamente de recessões virou passado. A situação ganhou contornos dramáticos entre os mais pobres. Um estudo recente mostra que a renda de 71% de famílias que vivem em favelas caiu para menos da metade com a pandemia e 82% dependem de doações para se alimentar, segundo o Instituto Data Favelas. Parte dessa urgência deve ser atacada com a volta do auxílio emergencial, proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, promulgada nesta semana e que custará 44 bilhões de reais aos já combalidos cofres públicos.
No mundo contemporâneo — sem imigrações massivas, grandes navegações e colonialismos —, um país só enriquece se consegue ampliar a produtividade de sua economia, ou seja, produzir mais com os mesmos recursos. E a produtividade brasileira vem ficando para trás em relação ao resto do mundo desde a década de 80. Os fatores para isso são muitos. José Scheinkman, professor da Universidade Columbia, professor emérito em Princeton e um dos mais respeitados economistas brasileiros, enumera alguns dos mais importantes. Tome fôlego: pouco investimento, baixa educação da mão de obra, sistema tributário caótico, economia fechada e pouco integrada com o resto do mundo, insegurança jurídica, governo pesado e que investe mal. “Além dessas questões, que não são culpa de um governo específico, foram criados novos problemas pelo atual governo, como a piora da imagem do país com a gestão e o discurso contra o meio ambiente e a Amazônia”, avalia. “Para finalizar, houve um erro absurdo na questão de vacinas, para um país que tinha um sistema robusto de imunização.”
Tais questões produzem um impacto enorme em quem pensa em investir no Brasil, seja em ativos financeiros, seja em capital produtivo. Nos últimos tempos, têm sofrido mais o setor automotivo e empresas varejistas, altamente dependentes de renda per capita. No caso das indústrias automobilísticas, o Brasil foi deixado de lado como um polo para a produção dos carros do futuro, movidos a energia elétrica e autônomos, o que pode comprometer todo esse setor por aqui no período de uma década. Apenas com o recente desmonte da fábrica da Ford em Camaçari (BA) serão perdidos 7 500 empregos diretos e em trinta fornecedores de autopeças. “Nenhuma empresa fica no país porque gosta dele. Se não ganhar dinheiro e não tiver perspectivas de futuro, não vai ficar”, diz o consultor Flavio Padovan, ex-diretor da Ford e ex-vice-presidente da Volkswagen. Especializada em fusões e aquisições, a consultoria Alvarez & Marsal elenca uma lista de trinta empresas globais que fizeram desinvestimentos no país desde 2016. Entre as últimas delas, estão negócios tão diferentes quanto Mercedes-Benz, Sony, Nike, Roche, Walmart e Forever 21.
A tendência de fuga dos investimentos não é definitiva, mas um importante sinalizador de que mudanças são urgentes e absolutamente necessárias. “Precisamos trabalhar num cenário estável para que a percepção do mundo inteiro mude e, a partir daí, a gente possa ter um patamar sólido de crescimento”, defende João Paulo Carvalho, sócio-diretor da Alvarez & Marsal. “Se houver a sorte de pegarmos uma liquidez mundial relevante e o mundo inteiro voltar a investir no país, se fizermos a nossa reforma orçamentária deixando claro como será conduzido o gasto público, a tendência é que nós perpetuemos esse crescimento.” Evidentemente, o Brasil ainda mantém atrativos, entre eles o colossal mercado consumidor de 210 milhões de habitantes, a sexta maior população do mundo. O gigante americano de bens de consumo P&G renovou recentemente suas apostas ao investir o equivalente a 200 milhões de reais num centro de inovação em Louveira (SP). “A situação não está fácil. Exige que a gente trabalhe mais próximo de clientes e fornecedores, exige inovação, mas estamos aqui para ficar”, diz Juliana Azevedo, CEO da P&G Brasil.
No setor financeiro, a decisão entre ficar e sair do país é totalmente imediatista. No fim de 2020, a B3, a bolsa de valores brasileira, assistiu à volta dos investidores internacionais, embalados pela grande disponibilidade de recursos internacionais decorrentes dos generosos incentivos para combater a pandemia. Tudo mudou quando Bolsonaro atabalhoadamente fez a intervenção na Petrobras. “Demorou um ano e meio para voltarmos a ter um fluxo positivo e, quando estava se acelerando, houve a reversão depois da atitude do presidente”, reclama Ricardo Lacerda, sócio-fundador do banco de investimentos BR Partners. Isso muda o próprio perfil dos aportes feitos aqui. “Sobrou o capital de risco, que está interessado no Brasil, mas é um dinheiro pior e mais volátil”, explica Roberto Lee, CEO da corretora americana Avenue Securities.
Um retorno ao cenário brilhantemente promissor da era do país do futuro e dos BRIC hoje seria fantasioso, mas o país tem condições para deixar os piores dias para trás. Basta seguir a cartilha de reformas defendida pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem como objetivo destravar as amarras e atrair investimentos. Mas os intervencionismos e a cegueira diante da gravidade dos problemas que enfrentamos também precisam ficar no passado.
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