Átila Iamarino: “Brasil virou cemitério da Covid”
Foto: Reprodução/ Correio Braziliese
Enquanto escrevo, no dia 6 de abril de 2021, a França passa pela terceira onda de Covid-19. Como reabriram demais desde quando controlavam os casos, o vírus voltou a circular. Seus leitos de UTI para Covid estão completamente lotados: são 5.433 pacientes internados. Dado o estado de calamidade, o país decretou toque de recolher entre as 19h e as 6h e impôs restrições de comércio e circulação para um terço da população por um mês. Não se sabe se será o suficiente para conter o vírus.
Já no Brasil, onde registramos por volta de uma em cada três mortes por Covid no mundo nas últimas semanas, o ministro da Saúde diz que a ordem é evitar o lockdown. O resultado é bem claro. Registramos nesta terça-feira mais de 4.200 mortes pela Covid, um novo recorde.
Só o estado de São Paulo tem mais de 13 mil pacientes internados em leitos de UTI para Covid e mais de mil pacientes precisando de um, mas sem vaga. Corrigindo para a população, São Paulo tem quatro vezes mais pacientes internados em UTI do que a França, mas a quantidade de intensivistas e profissionais de saúde certamente não é proporcional.
Não é à toa que a mortalidade de pacientes com Covid-19 em UTI é tão alta no Brasil. Aumentamos leitos de UTI em hospitais até não caber mais. Cada profissional de saúde brasileiro precisa cuidar de muito mais pacientes do que em outros países. A saúde de quem está na fila por um leito se deteriora muito antes de a vaga abrir. E nossos pacientes ainda são enganados a tomar o “kit Covid”.
Ou seja, o problema não é que faltam leitos. É que sobram pacientes com Covid. Poderíamos aumentar ainda mais os gastos com saúde, importar profissionais de fora do país, transformar hotéis em centros de terapia intensiva e não daremos conta de segurar a Covid com atendimento médico. Vale lembrar que uma vaga de UTI abre quando o paciente morre, o que acontece em 80% dos casos no Brasil, ou “se cura” e sai de lá atrofiado e com sequelas de saúde que não sabemos o quanto vão durar.
Vacinas também não vão resolver nosso problema agora. Elas são fundamentais para salvar milhares de vidas, mas entre cada dose aplicada e o tempo de vacinados desenvolverem imunidade são necessários meses. Isso quer dizer que mesmo se tivéssemos duas doses por brasileiros hoje, uma possibilidade que o país eliminou ao recusar doses em 2020, a vacinação não nos tiraria do atoleiro de mortes em que estamos —quem dirá atingir a imunidade coletiva que o ministro da Economia prometeu para daqui a quatro meses. Na verdade, a vacinação depende de fechamento e controle dos casos para ajudar a conter a Covid.
Depois de mais de um ano na pandemia, o governo federal ainda não aceitou que precisa promover distanciamento social e fechamento para conter os casos. Discutimos se estados e cidades abriram leitos suficientes. Discutimos se vacinas do SUS deveriam ir ou não para iniciativa privada quando nenhuma fabricante aceita vender para compradores particulares. O ministro da Cidadania desinforma a população afirmando que insetos contaminaram quem está em casa com a Covid, enquanto a realidade é que mais de 3.000 brasileiros morrem por dia de Covid e em abril já devemos registrar mais mortes em 2021 do que no ano de 2020 inteiro.
O Brasil não é o atual cemitério da Covid porque os brasileiros querem sair. Pelo mundo todo, os países precisaram decretar lockdown para as pessoas ficarem em casa. Estamos onde estamos porque escolhemos não decretar lockdown nem dar condições financeiras e sociais de as pessoas ficarem em casa. E perderemos milhares de vidas todos os dias até fazermos isso.
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