Brasil sai desacreditado de Cúpula do Clima

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Foto: Jim Watson/AFP

Apesar do discurso moderado na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, o Brasil sai do encontro da mesma forma como entrou: em descrédito com a comunidade internacional. Na avaliação de especialistas, o mundo já conhece a postura do governo do presidente Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente e tudo que tem sido feito desde o início da gestão. Assim, promessas não fazem efeito, ainda que sejam melhores do que uma postura de enfrentamento.

O próprio presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deixou claro, em sua fala de encerramento, ontem, que espera mais do que apenas palavras. “Ouvimos notícias encorajadoras anunciadas da Argentina, do Brasil, da África do Sul e da Coreia do Sul. E os compromissos que nós fizemos precisam se tornar realidade”, enfatizou. A distância entre o discurso e a prática ficou clara ainda ontem, quando o presidente cortou, do Orçamento de 2021, quase R$ 240 milhões que iriam para o Ministério do Meio Ambiente.

A redução ocorreu um dia depois de Bolsonaro prometer, na Cúpula, dobrar os recursos para fiscalização ambiental e erradicar o desmatamento ilegal até 2030. Agora, é uma incógnita de onde sairão as verbas.

Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola disse que o governo recuou e apresentou uma posição mais conciliadora, mas que o discurso de Bolsonaro não convence o mundo. “Poderia ter sido pior, mas o nível de desprestígio do Brasil continua sendo altíssimo, só que isso não é algo que vai ser falado publicamente pelos outros países”, explicou.
Vice-diretora da Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Suzana Kahn ressaltou que o país, de fato, perdeu uma oportunidade. De acordo com ela, em meio a discussões sobre liderar uma economia descarbonizada, com os principais atores globais declarando direção nesse sentido, o Brasil fica para trás. “A nossa posição é muito mais favorável, mas a gente não está participando dessa corrida. É uma pena, porque o Brasil tem mais a ganhar com isso, ao contrário do que o nosso governo pensa”, frisou.

De acordo com ela, Bolsonaro chegou a mencionar a questão da bioeconomia em seu discurso, mas sem ações. “Ficou evidente que a gente está deslocado dos interesses mundiais de um novo tipo de economia”, disse. “A gente tem toda a matéria-prima no Brasil para essas alternativas energéticas. Poderia estar atraindo mais investimento, há um interesse muito grande do mundo por isso. Mas estamos isolados e perdemos essa oportunidade”, apontou.

O delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, líder da investigação que culminou em “apreensão histórica” de madeira ilegal na Amazônia e autor da notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ironizou, na quinta-feira, a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que vai erradicar o desmatamento em até 10 anos. “Até 2030 o desmatamento vai acabar…. por falta de floresta”, postou, na quinta-feira, em rede social. Um dia antes, ele havia publicado que é “hora de lutar pela floresta” e “mostrar que a Amazônia importa”. “Não vai passar boiada nenhuma!!!”, registrou.

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro prometer a líderes de 40 países que ia dobrar os repasses públicos para as áreas de fiscalização ambiental, o governo anunciou um corte de R$ 240 milhões no orçamento geral dedicado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Os vetos publicados pelo Planalto afetam programas cruciais que são tocados pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), os dois órgãos federais que cumprem a missão de proteger o meio ambiente.

No Ibama, os vetos somam R$ 19,4 milhões. Justamente as ações de controle e fiscalização ambiental realizadas pelo órgão foram as que mais perderam recursos, com corte de R$ 11,6 milhões.

Em pleno início do período de seca na maior parte do país, quando começam a se alastrar os incêndios, o governo também não poupou as ações de “prevenção e controle de incêndios florestais”, com retirada de R$ 6 milhões dessa área.

No ICMBio, o orçamento previsto para criação, gestão e implementação das unidades de conservação foi reduzido em R$ 7 milhões. Até mesmo o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, tema que pauta a Cúpula que acabou ontem, teve corte de R$ 4,5 milhões.
A maior redução na área ocorreu dentro do programa para melhoria da qualidade ambiental urbana, que é tocado pelo próprio MMA: R$ 203 milhões.

Em 2020, o ICMBio recebeu R$ 249 milhões no ano passado. Para igualar o número, neste ano, precisa de mais R$ 72 milhões, porque, neste momento, conta com apenas R$ 170 milhões disponíveis. No Ibama, o orçamento de 2020 foi de R$ 1,706 bilhão. Para este ano, porém, o que está previsto são R$ 1,650 bilhão, uma redução de R$ 56 milhões.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o governo vai encontrar uma forma de recompor os orçamentos.

O Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União (MPF-TCU) enviou uma representação à presidência da Corte, com pedido para que seja vetado qualquer corte de orçamento destinado à área do meio ambiente. Em sua representação, o subprocurador-geral Lucas Furtado solicita, ainda, que a determinação seja encaminhada à Casa Civil da Presidência da República, até que o tribunal decida sobre o mérito da questão.

Correio Braziliense