Cerca de 15% dos brasileiros passam fome
Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles
Há brasileiros com fome. São milhões de pessoas que, com a crise social que vem a reboque da pandemia, viram mirrar uma renda que já não garantia segurança alimentar. São moradores de favelas, população em situação de rua e habitantes de zonas rurais, que mal conseguem comprar um botijão de gás com os auxílios financeiros governamentais (quando chegam) e, para comer, dependem da caridade incerta de ativistas e religiosos. São brasileiros famintos que choram de impotência quando seus filhos vão dormir sem se alimentar.
Sustentando os números que indicam o crescimento do fantasma da fome estão rostos como o de Luiz Roberto Côrrea Silva, de 26 anos. Ele vive com a esposa, Antonia Maria, 20, e uma filha de outro relacionamento, Isabela, de 8, na favela Olaria, zona sul de São Paulo, a maior metrópole do país.
Diante do cenário de desespero que vive, ele contou ao Metrópoles que a opção da família tem sido deixar a filha dormir o máximo possível, para acordar e já almoçar. Quanto ao casal, o caminho é ignorar a barriga roncando e acompanhar a menina na refeição. “Se a Isabela acordar muito cedo, ela vai ficar com fome. É café da manhã ou almoço. Não tem como ser os dois”, relata Luiz. “Vez ou outra, pode acontecer de ter só almoço. Aí a gente inventa alguma coisa para beliscar à tarde, dorme cedo e agradece a Deus esperando o alimento do dia de amanhã.”
A falta de recursos e a fome angustiam esse jovem brasileiro. “O que eu penso é muito pesado pra falar.” Ele chora, respira fundo, e desabafa: “Eu me sinto um inútil, um lixo. Eu não consigo dar pra minha família o que ela precisa. Por mais que eu acorde cedo, corra atrás”.
Com a cesta básica que ganha do Instituto Superação, projeto que atua na comunidade, mais os R$ 150 de auxílio emergencial do governo, somado aos bicos de auxiliar de pedreiro feitos por Luiz, que podem ou não ocorrer, a família tem lutado para manter ao menos duas refeições diárias.
Mais da metade dos brasileiros (59,3%) não se alimentam em quantidade e qualidade ideais, desde o início da pandemia. São 125,6 milhões de pessoas que têm comido o que podem, não o que querem. Os dados, revelados na última semana, são resultado de um levantamento realizado pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, sediado na Universidade Livre de Berlim, com a participação de pesquisadores brasileiros.
A mesma pesquisa indica que, dos 125,6 milhões, pelo menos 31 milhões, ou 15% dos brasileiros, vivem situação de insegurança alimentar grave – o nome acadêmico da fome.
Esse contingente de pessoas sem comer tem crescido, em comparação com levantamentos recentes. Segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), eram 36,7% dos brasileiros que enfrentavam algum grau de insegurança alimentar, entre 2017 e 2018.
É uma diferença de 23 pontos percentuais em relação ao resultado da pesquisa realizada em 2021 pelo grupo Alimento para Justiça. Naquela época, consoante informações do IBGE, eram 10,7 milhões de brasileiros vivendo na insegurança alimentar grave. Três anos depois, o número chega aos 31 milhões de pessoas com fome no país.
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