Bolsonaro rejeitou comprar várias vacinas no ano passado

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: REUTERS

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, afirmou nesta quinta-feira (27/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação se a instituição não tivesse tido entrave nos contratos com o Ministério da Saúde.

Covas e sua equipe coordenaram os testes e produção da CoronaVac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e testada no Brasil pelo Instituto Butantan. Os testes da vacina no país começaram em julho de 2020 em seis Estados, além do Distrito Federal.

A primeira oferta de vacinas ao Ministério da Saúde, disse Covas, foi feita em julho de 2020. Nesse momento, foram ofertadas 60 milhões de doses que poderiam ser entregues ainda no último trimestre de 2020.

Segundo Covas, não houve uma resposta positiva. O contrato com o Ministério da Saúde foi fechado apenas em janeiro de 2021.

Nesse momento, a oferta dos instituto foi de 100 milhões, mas com um cronograma diferente.

“Os parceiros internacionais (de fornecimento de insumos) já tinham outros compromissos, e o ambiente internacional era de falta de vacinas”, disse Covas à CPI.

Segundo o diretor do Butantan, as dificuldades impostas pelo governo federal nas negociações atrasaram a vacinação de milhões de brasileiros.

Como foram as negociações com o Ministério da Saúde
Segundo o diretor do Instituto Butantan, após a primeira oferta em 30 julho de 2020, 22 dois dias após o fechamento de acordo com a Sinovac. Essa oferta não teve resposta positiva do Ministério da Saúde.

Em agosto, o instituto reforçou a oferta de doses e pediu ajuda financeira do governo para os estudos clínicos que estavam em desenvolvimento e para a criação de uma fábrica de vacinas para covid.

Covas afirmou que não houve nenhuma ajuda financeira do Ministério da Saúde para essas atividades.

Em outubro, houve uma sinalização positiva do Ministério da Saúde, disse Covas. Em 7 de outubro, o instituto então fez uma novas oferta, de 100 milhões de doses, das quais 45 milhões seriam produzidas no Brasil.

“Na sequência houve uma sinalização de que poderíamos evoluir, inclusive com a produção de uma medida provisória”, afirmou Covas. “Tudo estava indo muito bem. Tanto que em 20 de outubro, fui convidado pelo ministro Pazuello para uma cerimônia na qual a vacina seria anunciada”, disse o diretor.

“A partir deste ponto, é notório que houve uma inflexão”, disse Covas. “No outro dia de manhã, quando ainda haveria conversas adicionais, essas conversas adicionais não aconteceram porque o presidente (Jair Bolsonaro) disse que não haveria continuação nesse processo.”

À CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello havia afirmado que as falas do presidente não interferiram nas tratativas.

Essa versão foi contraposta por Covas. Ele disse que havia um documento que era um compromisso para compra, mas depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que “mandou cancelar” o contrato, ainda em outubro, esse compromisso “ficou em suspenso”.

“De fato, eu nunca recebi um ofício dizendo que a intenção de compra não valia mais, mas na prática não houve avanço, as negociações foram interrompidas”, disse. “Enquanto o isso o governo fez diversas tentativas de compra de vacinas internacionais, e não da que estava sendo produzido em solo nacional.”

Segundo o médico, isso não foi motivo para o Butantan interromper o desenvolvimento das vacinas, mas houve algumas dificuldades. “Sem contrato com o ministério, tínhamos incerteza sobre financiamento”, afirmou.

“O Ministério da Saúde é normalmente nosso único cliente e normalmente tudo o que produzimos é parte do PNI (Programa Nacional de Imunização)”, disse Covas.

Segundo Covas, nesse momento houve apoio do governo do Estado de São Paulo e intenção de compra de outros 17 Estados.

“O Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação se não tivéssemos esses entraves”, afirmou.

Segundo o diretor do Butantan, não houve nenhum questionamento formal do ministério da Saúde sobre possíveis dúvidas em relação à vacina.

O contrato com o governo federal só foi assinado em 6 janeiro de 2020, disse Covas, mas com um cronograma diferente.

“Nesse momento, a demanda mundial de vacinas era muito grande”, disse Covas, e os parceiros internacionais já tinham outros compromissos para a oferta de insumos.

Segundo Covas, o governo alterou o contrato três vezes e, apesar da oferta de 100 milhões de doses, o governo fechou contrato para compra de apenas 45 milhões, com opção de compra de mais 55 milhões de doses, que aconteceu só depois.

Segundo Covas, o cronograma final fechado em janeiro pode acabar sendo alterado por causa da escassez de insumos vindos da China.

A entrega das primeiras doses teve um atraso de 12 dias justamente por isso – no atual momento, há demanda por insumos do mundo inteiro e também necessidade de aprovação da exportação dos insumos da Sinovac por parte do governo da China.

“A responsabilidade final pela aprovação da exportação dos insumos é do governo chinês” afirmou Dimas Covas à CPI.

Segundo ele, a atitude conflituosa do governo com os país asiático não ajudou nesse sentido.

Em uma reunião recente com o embaixador da China, disse Covas, o representante “deixou muito claro que essas declarações prejudicavam a relação” e consequentemente a aprovação da exportação desses insumos.

A reunião aconteceu neste ano, após a mudança do ministro das Relações Exteriores. Por pressão do Senado, o ex-ministro Ernesto Araújo foi substituído por Carlos Alberto França.

Segundo Covas, a mudança teve um efeito positivo.

“Do meu ponto de vista, foi a primeira vez que eu tive uma reunião com o embaixador em que eu fui convidado e também a presidente da Fiocruz. Isso mostra uma evolução nesta postura”, disse.

Segundo Covas, em outubro o Instituto Butantan também teve dificuldades com a entrada de voluntários no estudo clínico devido, segundo ele, a uma campanha nas redes sociais que incentivava resistência e desconfiança em relação à vacina.

“Nesse momento, havia um combate muito forte a essa vacina nas redes sociais”, afirmou.

Covas explicou que o Instituto Butantan já havia ido à China em 2019, antes da pandemia, como parte das suas atividades rotineiras de desenvolvimento de vacinas para outras doenças. Nessa viagem, houve inclusive uma visita à farmacêutica Sinovac, que mais tarde viria a desenvolver a Coronavac.

“Quando surgiu em janeiro o relato dos casos de covid-19, o Butantan começou naquele momento mesmo a prospectar vacinas”, disse Covas.

Em abril de 2020, o Butantan fechou um contrato de co-desenvolvimento da Coronavac com a Sinovac.

O senador governista Marcos Rogério exibiu um áudio vazado de uma conversa entre Dimas Covas e o governador de São Paulo, João Doria, em novembro de 2020.

No áudio, Doria batia na mesa e exigia entrega de mais vacinas.

“Eu estou sofrendo ataque do Bolsonaro, bolsominion, bolso sei lá o que. Bando de malucos. Cada vez que tem um problema eu fico exposto na discussão. Cadê a vacina?”, diz Doria no audio.

À CPI, Dimas afirmou que o governador queria um lote adicional de vacinas, além das que já tinham sido acordadas. “O governador estava indignado sim com a impossibilidade de trazer mais vacinas”, afirma Covas.

Na conversa mostrada, Doria também criticava alguém que ele chamou de “um chinês”.

“Esse negócio está virando uma novela. Eu vou pegar esse chinês pelo pescoço”, diz Doria no áudio.

Questionado se “havia algum lobista” na conversa, Covas disse que não e explicou que se tratava do vice-presidente da Sinovac.

Marcos Rogério afirmou que o governador praticava “grosseria” e , o que gerou um pequeno alvoroço na CPI. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), pediu mais respeito e Rogério disse que Aziz deveria “conter sua sanha”.

“Eu estou vendo a indignação do governador em querer vacina, diferente de outros que não querem”, disse Aziz.

Rogério questionou se a atitude de Doria não tinha prejudicado a relação com a China.

“Não, isso era uma conversa privada”, afirmou Covas.

O áudio também foi comentado pelo senador Humberto Costa, do PT, adversário político de João Doria (PSDB).

“Tenho muitas divergências com o governador de São Paulo. Mas não vou criticá-lo. Enquanto ele estava batendo na mesa exigindo vacina, o outro (Bolsonaro) estava oferecendo cloroquina a uma Ema”, disse Costa.

O Globo