Braga Netto insufla politização no Exército

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O general da reserva Walter Braga Netto, 66, sempre foi discreto, se mantinha longe de holofotes e demonstrava desconforto diante das câmeras, por vezes devolvendo respostas ríspidas a perguntas de jornalistas.

Em março, quando trocou a Casa Civil do governo Jair Bolsonaro pelo Ministério da Defesa, mudou de postura e aproximou a pasta da política.

Além de acompanhar atividades extraoficiais do presidente, passou a fazer discursos a militantes. O general, que em abril do ano passado chegou a mandar uma jornalista estudar após ela perguntar sobre a demora no pagamento do auxílio emergencial, agora concede entrevista a uma youtuber de 11 anos.

O novo comportamento surpreendeu ex-ministros de governos anteriores que conviveram com ele e, nos bastidores, tem despertado uma divergência geracional sobre como integrantes das Forças Armadas enxergam a proximidade entre militares e política, tema que voltou a ganhar destaque por causa da participação de Eduardo Pazuello, um general da ativa, em um ato político ao lado de Bolsonaro.

Em uma manhã de sábado, cinco dias após ser anunciado ministro da Defesa, Braga Netto foi tomar sopa com o presidente em Itapoã, no Distrito Federal.

General da turma de 1978 da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), ele tem sido visto em outros compromissos de Bolsonaro aos fins de semana, fora da agenda oficial.

Coordenador-geral de Defesa de Área da Olimpíada de 2016 e interventor federal no Rio de Janeiro em 2018, Braga Netto participou de almoço em um centro de tradições gaúchas em 15 de maio, pouco antes de subir em um carro de som ao lado do presidente para discursar.

“As Forças Armadas estão para proteger os senhores, para proteger que os senhores possam produzir com tranquilidade. A liberdade é o nosso bem maior”, afirmou diante de uma plateia de produtores rurais e caminhoneiros que se aglomeraram na Esplanada dos Ministérios em um ato de apoio a Bolsonaro.

A fala agradou ao chefe do Executivo, que explicitou seu contentamento três dias depois, em uma cerimônia no Palácio do Planalto.

“Quem podia imaginar […] que, um dia, perante um público de milhares de pessoas, um ministro da Defesa pudesse usar o microfone por alguns momentos? Ele é um ser humano igualzinho a cada um de nós. Tem uma responsabilidade enorme, um ministério que está presente nos quatro cantos do Brasil”, disse Bolsonaro.​

Antes disso, Braga Netto já havia discursado para civis uma outra vez, no domingo anterior, diante do Palácio da Alvorada.

“Estejam certos [de] que as Forças Armadas estão prontas a defender a Constituição e operar sempre dentro do que está previsto nas quatro linhas estabelecidas naquele campo”, disse o ministro em 9 de maio para uma plateia de motociclistas bolsonaristas.​

O tom das manifestações se assemelha àquele que Bolsonaro passou a adotar depois de reiteradas declarações que deixavam no ar a possibilidade de uma ruptura institucional.

Um oficial que trabalha com Bolsonaro diz que, entre os militares mais jovens, a proximidade do ministro da Defesa com a política gera desconforto.

Sob a condição de anonimato, ele afirma que as gerações mais novas, que não viveram o período da ditadura militar (1964-1985), não se identificam com aquele período e temem que essa postura mais política do ministro da Defesa traga de volta o desgaste provocado à imagem das Forças Armadas pelo regime de exceção.

Um general que também está no governo, porém, tem outra percepção. Para ele, que também impôs o anonimato como condição para falar com a Folha, o cargo de ministro da Defesa é político, e o comportamento do atual ocupante do posto não deve apavorar ninguém, pois está dentro dos limites.

Para este militar, que hoje está na reserva, Braga Netto chama para si o discurso político para preservar os comandantes das Forças Armadas depois da crise de março. Um outro militar vê que, diante da maneira como chegou ao posto, o general precisa se legitimar e, por isso, passou a aparecer mais.

A assessoria de Braga Netto foi procurada pela Folha durante três dias, mas não se manifestou sobre esta reportagem.

Militares e políticos próximos a Bolsonaro foram unânimes em descartar qualquer intenção política do general.

​Quando aceitou o cargo de ministro da Defesa, Braga Netto aceitou também o jogo de Bolsonaro com um valor caro aos militares: a hierarquia. É o que observam generais próximos ao ministro.

Bolsonaro queria se ver livre do então comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. Apesar das diferenças de estilo, os dois se consideravam amigos.

Pujol deu vazão à política de cloroquina do presidente na pandemia, com produção de 3,2 milhões de comprimidos pelo Exército, e avalizou um general da ativa, Pazuello, no comando do Ministério da Saúde. Foi insuficiente para Bolsonaro, que esperava um alinhamento mais automático e explícito.

O presidente, então, decidiu fazer mudanças, mas usou uma via indireta. Demitiu o general Fernando Azevedo e Silva do cargo de ministro da Defesa e indicou Braga Netto para a função.​

Com isso, embaralhou a hierarquia que existia, e que é levada em conta nas cúpulas militares, inclusive em relação ao ministro da Defesa —cargo que era ocupado por civis até o começo de 2018.

Antes, Azevedo era o mais antigo, da turma de 1976, e Pujol da turma seguinte, a de 1977.

Como ministro da Defesa, Braga Netto, da turma de 1980, passou a ser mais “moderno” que o comandante do Exército —uma quebra de hierarquia, na visão de militares que chegaram aos postos mais altos da carreira.

A troca do ministro da Defesa ocorreu em 29 de março. No dia seguinte, os comandantes das três Forças manifestaram a intenção de entregar os cargos e também acabaram demitidos por Bolsonaro.

O atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, é da turma de 1980. Braga Netto, portanto, é mais antigo.

Recém-empossado no cargo, o ministro conduziu diretamente a escolha dos novos comandantes, sem se opor à troca dos comandos, um episódio que se configurou na maior crise militar desde 1977.

​O ministro tem um alinhamento automático a Bolsonaro. Braga Netto submergiu, por exemplo, no episódio da transgressão disciplinar de Pazuello, enquanto integrantes do Alto Comando do Exército avaliaram como descabida a ida do general da ativa a um ato político e esperam uma punição.

Folha