Depoimento de Mandetta não surpreende especialistas
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Apesar de o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ter detalhado, na CPI da Covid, questões importantes sobre o enfrentamento da pandemia da covid-19 e compartilhado informações inéditas, especialistas avaliam que, no geral, muito do que foi dito por ele já havia sido observado no país desde o início da crise sanitária.
O ex-ministro afirmou, por exemplo, que a dubiedade entre as recomendações do Ministério da Saúde e as do presidente Jair Bolsonaro confundiu a população. Isso já vinha sendo destacado por cientistas e entidades e profissionais da saúde. Eles apontavam que o chefe do Executivo dá mau exemplo ao não usar máscara de proteção e ao promover aglomerações.
Fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto disse não ter dúvida de que o Brasil teria menos mortes e mais vacinas se o governo tivesse agido da forma adequada. “Eu não tive nenhuma surpresa com o que ele falou. Já tinha observado tudo isso. Não fui surpreendido por nada, e acho que ninguém vai se surpreender”, afirmou. “As coisas são tão óbvias que não precisa de CPI para saber que o que está acontecendo no Brasil é culpa do presidente da República.”
Vecina Neto avaliou que, apesar dos alertas de Mandetta, o ex-ministro errou em dois momentos ao longo de sua gestão: na reestruturação da atenção primária à saúde, “que foi mais uma resposta ao Ministério da Economia para redução de gastos”, e em relação aos testes de coronavírus. “Não houve insistência grande, e a compra dos testes foi meio atabalhoada. Tanto que parte dos testes ficou estacionada no ministério”, enfatizou.
O diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez, ressaltou que especialistas e autoridades sanitárias “têm apontado esse comportamento ruim do governo federal” há tempos. “É uma série de empecilhos, como tratamento precoce, que não tem evidência científica, e essa questão de negar, de maneira sistemática, todas as normas que a OMS (Organização Mundial da Saúde) indica, como uso de máscara, distanciamento social, restrição de circulação de pessoas”, frisou.
Urbaez destacou que “se isso tivesse sido colocado em prática, teríamos evitado, com certeza, uma grande quantidade de mortes”. O médico citou que a história seria completamente diferente, até pelo perfil do Brasil, que tem um Sistema Único de Saúde (SUS) “com experiência no manejo de doenças infecciosas”.
Infectologista do hospital Emílio Ribas, em São Paulo, Jamal Suleiman disse não haver dúvida alguma de que o país teria menos mortes se o governo federal tivesse tomado as medidas corretas no momento certo. Ele disse ser fundamental que a autoridade (o presidente) acolha as ideias e indicações dos seus assessores — no caso, o ministro —, o que não foi feito. “Poderia ser diferente, se a pessoa (presidente) fosse diferente”, afirma, pontuando que, como observador do processo e das ações do Executivo, não se surpreendeu com o que foi dito por Mandetta.
No dia em que o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta fez declarações à CPI da Covid que comprometem o governo federal, o presidente Jair Bolsonaro não dedicou muito tempo ao ex-aliado durante o encontro diário com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada. “Mandetta é aquele do fique em casa e continue sem ar”, afirmou aos simpatizantes. A declaração é uma referência às orientações da pasta sob a gestão Mandetta para que pessoas acometidas pela covid-19 procurassem atendimento médico somente em caso de sintomas graves. À época, a medida foi defendida por especialistas como forma de proteger o sistema público de saúde do colapso.
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