Governo tenta evitar punição do Exército a Pazuello
Foto: André Borges/AFP
Militares que integram o governo de Jair Bolsonaro passaram a enxergar uma possibilidade de o general Eduardo Pazuello não ser punido pelo Exército, a partir de uma interpretação do regulamento disciplinar da Força: a manifestação do ex-ministro da Saúde no último domingo (23) não teria sido sobre assunto de natureza político-partidária, o que livraria de punição o general da ativa.
Na defesa formulada, como resposta ao procedimento aberto pelo Exército, Pazuello adotou a mesma linha, segundo interlocutores do ex-ministro. O ato do qual participou não teria sido político-partidário, segundo ele. O prazo para a apresentação da defesa se encerrou nesta quinta-feira (27).
Bolsonaro, em sua live semanal desta quinta, adotou o mesmo tom. Disse que o ato com motociclistas no Rio de Janeiro não teve viés político pelo fato de ele não estar filiado a nenhuma legenda. Ele prevê ato semelhante em Porto Alegre ou Belo Horizonte em junho.
“É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e apoio ao presidente”, afirmou Bolsonaro.
O presidente viajou a São Gabriel da Cachoeira (AM) para a inauguração de uma ponte. Também estiveram no Amazonas o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. A expectativa entre os militares é que a viagem servisse para um alinhamento sobre o destino do caso de Pazuello.
A tese de que não teria ocorrido uma transgressão disciplinar pode não encontrar respaldo junto ao comandante do Exército. Após o episódio, em conversas com colegas de farda e de patente, Oliveira manifestou incômodo, inconformismo e insatisfação com o gesto de Pazuello.
O fato de o comandante ter entregue o formulário para que o ex-ministro escreva sua defesa já foi um gesto que denota a gravidade do episódio e que assim foi compreendido pelo comandante, segundo generais que conversaram com ele nos dias posteriores à manifestação de domingo.
Esses generais temem uma cisão irreversível entre o comandante e o presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas. O temor é de que, diante de uma punição, Bolsonaro decida contestar o ato administrativo, o que elevaria a crise a outro patamar.
Integrantes do Alto Comando do Exército consideraram descabida a participação de Pazuello na manifestação política no Rio, dizem ver com clareza a ocorrência de transgressão disciplinar e pressionam tanto pela punição quanto pela transferência do ex-ministro para a reserva.
Essa transferência, porém, deveria partir de Pazuello, que já manifestou nas conversas com generais do Alto Comando não ter intenção de deixar a ativa. Ele teme a CPI da Covid no Senado.
O ex-ministro foi reconvocado para depor na comissão. Como general da ativa, Pazuello entende que consegue enfrentar melhor a pressão dos senadores de oposição e independentes, que são maioria no colegiado.
No fim da manhã de domingo, Pazuello subiu sorridente ao carro de som onde estava Bolsonaro. Pouco antes houve um passeio de moto com apoiadores, do Parque Olímpico ao aterro do Flamengo. O percurso teve 40 quilômetros. Ao fim, houve discurso aos apoiadores.
O “gordo”, como Bolsonaro se referiu a Pazuello, retirou a máscara assim que chegou ao topo do palanque. E fez um discurso curto aos apoiadores.
“Fala, galera”, disse o general. “Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera.”
O decreto de 2002 que institui o regulamento disciplinar do Exército prevê como transgressão disciplinar a manifestação política por militar da ativa.
Trata-se da transgressão de número 57: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”.
O Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980, veda “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.
Um processo formal foi instaurado para apurar a transgressão disciplinar por Pazuello. A punição pode ser uma advertência, repreensão, prisão ou exclusão dos quadros, de acordo com a gravidade e os atenuantes do caso, previstos em lei.
A decisão sobre punição é do comandante da Força. Se ele não agir, também pode ser enquadrado como transgressor, conforme o regulamento.
O propósito do regulamento disciplinar, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há “acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”, como consta no decreto.
Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências.
Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello.
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou nesta quinta que eventual punição de Pazuello tem por objetivo “evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças Armadas”.
“A regra tem que ser aplicada para evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças. Assim como tem gente que é simpática ao governo, tem gente que não é.”
Segundo Mourão, “cada um tem que permanecer dentro da linha que as Forças Armadas têm que adotar. “As Forças Armadas são apartidárias, não têm partido. O partido das Forças Armadas é o Brasil”, completou Mourão, que é general da reserva do Exército.
O vice-presidente afirmou que o Exército vai seguir os trâmites do regulamento. “Se o comandante chegar à conclusão de que tem que aplicar punição ao Pazuello, ele vai aplicar.”
Não é a primeira vez que Mourão critica o comportamento do ex-ministro. Na segunda-feira (24), ele defendeu a punição do general, mas disse que Pazuello poderia pedir transferência para a reserva para atenuar o problema.
“É provável que seja [punido], é uma questão interna do Exército. Ele também pode pedir transferência para a reserva e aí atenuar o problema.”
Na live nesta quinta, Bolsonaro falava sobre imigrantes venezuelanos e mencionou Pazuello, que comandou a Operação Acolhida.
“Os pobres, já há algum tempo, estão entrando no Brasil a pé, lá em Pacaraima. Lá tivemos a Operação Acolhida, que foi coordenada, no primeiro momento, por quem? Eduardo Pazuello, que havia sido ali o interventor, na área de economia, no estado de Roraima. Um tremendo de um gestor, o Pazuello”, disse o presidente.