ONU acusa Israel por crimes de guerra contra palestinos
Foto: Mahmud Hams – 25.mai.21/AFP
O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou, nesta quinta-feira (27), a abertura de uma investigação internacional sobre possíveis crimes cometidos no conflito de 11 dias entre Israel e o Hamas.
A investigação vai apurar todas as possíveis violações, não apenas em Gaza e na Cisjordânia, mas também em Israel durante o período de hostilidades, e tentará reunir elementos que poderiam ser utilizados no âmbito da abertura de processos judiciais e na identificação de eventuais culpados.
A resolução, apresentada pelo Paquistão, pela Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) e pela delegação palestina no Conselho, foi aprovada por 24 países que integram o órgão, enquanto 9 a rejeitaram e 13 se abstiveram —entre eles, o Brasil.
A representante brasileira no Conselho, a embaixadora Maria Luisa Escorel, havia dito, no entanto, que o país não apoiaria a proposta de abertura de investigação internacional. Mais cedo, ela havia afirmado que a medida não era capaz de contribuir para sustentar a paz e o diálogo entre israelenses e palestinos.
Durante a sessão, convocada em caráter extraordinário horas antes do cessar-fogo que encerrou a atual fase de hostilidades, a alta comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, disse que Israel pode ter cometido crimes de guerra ao bombardear Gaza.
Segundo Bachelet, seu gabinete verificou a morte de 270 palestinos em Gaza, incluindo 68 crianças, e 10 pessoas em Israel, além das centenas de feridos. Em sua avaliação, embora as Forças Armadas israelenses tenham tomado precauções como avisos prévios de ataques aéreos que destruíram prédios inteiros em regiões residenciais, a ofensiva levanta sérias preocupações em relação ao cumprimento dos princípios de distinção e proporcionalidade do direito humanitário internacional.
“Se considerados indiscriminados e desproporcionais em seu impacto sobre civis, tais ataques podem constituir crimes de guerra”, disse ela, acrescentando que a apuração inicial não encontrou evidências de que todos os alvos eram edifícios usados pelo Hamas ou para fins militares, como alega Israel.
Quanto aos foguetes lançados contra o território israelense, a alta comissária afirmou que, devido ao fato de que os projéteis não eram capazes de distinguir entre alvos militares e civis, cada um deles —mais de 4.400, segundo autoridades de Israel, dos quais a maioria foi interceptada pelos sistemas de defesa antimísseis— constituem uma clara violação do direito internacional.
Escorel, a embaixadora brasileira, também expressou “profunda preocupação” com a situação e lamentou a morte de civis. A diplomata ainda celebrou o cessar-fogo como “um passo necessário” para evitar novos episódios de violência e pediu que os dois lados se atenham a respeitar o direito internacional.
Ao atribuir pesos diferentes ao papel desempenhado pelas partes envolvidas no conflito, a representante do Brasil refletiu em sua fala a postura pró-Israel do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). A embaixadora afirmou que o Brasil condena “nos termos mais fortes os lançamentos de foguetes de Gaza contra a população israelense pelo Hamas e por outros grupos militantes”.
Depois, ao mencionar a ação militar de Israel, no entanto, foi mais moderada. Disse que as mortes de civis e os danos causados à infraestrutura do território palestino “são de extrema preocupação” e pediu que as forças israelenses “exercitem cautela máxima enquanto exercem seu direito de autodefesa”.
Segundo a embaixadora, o Brasil “apoia firmemente todos os esforços diplomáticos na direção de um acordo de longo prazo que acomode as legítimas preocupações de ambos os lados”.
Após a aprovação da abertura da investigação, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, reagiu. “A decisão vergonhosa de hoje é mais um exemplo da obsessão anti-Israel do Conselho de Direitos Humanos da ONU”, afirmou em comunicado, acusando o órgão de encobrir uma “organização terrorista genocida” —o Hamas é considerado, por Israel, EUA e União Europeia, uma facção terrorista.
O Ministério das Relações Exteriores de Israel também divulgou comunicado afirmando que o país rejeita abertamente a decisão do conselho, “um órgão com uma maioria a priori anti-Israel, guiado por hipocrisia e absurdo”. “Qualquer decisão que não condene o lançamento de mais de 4.300 foguetes por uma organização terrorista contra civis israelenses e que nem mencione a organização terrorista Hamas, nada mais é do que uma falha moral e uma mácula na comunidade internacional e na ONU.”
A pasta diz ainda que as forças de segurança do país agiram “com os mais altos padrões éticos”.
Os Estados Unidos, aliados mais próximos de Israel, não se inscreveram para tratar das negociações, das quais participaram, entre outros países, China, Rússia, França, Reino Unido, África do Sul e Turquia.
Após a decisão, o governo americano divulgou um comunicado, por meio de sua missão na ONU em Genebra, em que lamenta a decisão do conselho, considerada uma ameaça ao progresso feito na região.
O embaixador do Paquistão na OCI, Khalil Hashmi, condenou a ausência dos americanos, a quem se referiu como “os autoproclamados campeões globais dos direitos humanos”, e os acusou de proteger Israel de ser responsabilizado pela comunidade internacional e de fornecer armas e munições para “crimes de guerra amplamente relatados e crimes de apartheid contra o povo palestino”.
Israel é o único país sujeito a ser um tópico permanente em todas as sessões do órgão, e esta foi uma das razões que levaram o governo dos EUA, durante a Presidência de Donald Trump (2017-2021), a abandonar o Conselho. Com Joe Biden na Casa Branca, Washington retornou ao órgão, mas na posição de observador.
O atual presidente americano optou por uma abordagem mais discreta nas negociações no Oriente Médio, atuando nos bastidores pelo acordo de cessar-fogo, mediado principalmente pelo Egito.
O Hamas começou a disparar foguetes contra Israel no dia 10 em retaliação ao que chamou de abusos dos direitos israelenses contra palestinos em Jerusalém durante o mês do ramadã, sagrado para os muçulmanos. Os ataques ocorreram após uma série de confrontos entre as forças de segurança israelenses e grupos palestinos na mesquita de Al-Aqsa, e de uma decisão judicial em primeira instância que pode expulsar famílias palestinas de um bairro de Jerusalém Oriental alvo de disputas desde que foi anexado por Israel, em 1967. Em resposta, as Forças Armadas israelenses passaram a bombardear Gaza.
A sequência de violência foi a mais grave desde 2014. O último grande confronto durou 51 dias e devastou a Faixa de Gaza, provocando as mortes de pelo menos 2.251 palestinos, a maioria civis, e de 74 israelenses, quase todos soldados.
O conflito atual também serviu de combustível para acirrar as hostilidades internas em cidades israelenses que antes eram vistas como símbolos da convivência entre árabes e judeus. Houve centenas de prisões, e autoridades locais decretaram estados de emergência e toques de recolher. Além disso, houve sinais de revolta contra Israel na população árabe nos vizinhos Líbano e Jordânia, o que aumentou os temores de que o conflito desestabilizasse todo o Oriente Médio —o que não aconteceu.