Pazuello não consegue blindar Bolsonaro

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Foto: Reprodução/ O Globo

Um desavisado que ouvisse o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello falando de sua gestão ontem na CPI da Covid poderia imaginar que estava noutro país, tão róseas as tintas usadas por ele para pintar o quadro do combate à pandemia. A realidade, sabemos, exibe tons mais soturnos.

Ficou claro que o objetivo de Pazuello era um só: blindar o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo que, para isso, precisasse se expor. Chegou ao absurdo de dizer nunca ter recebido orientação de Bolsonaro na pandemia. Ora, o presidente que recorre ao STF contra medidas de restrição, brada contra o isolamento social, incentiva a cloroquina e chama de “canalha” quem desdenha o “tratamento precoce” nunca orientou o ministro? Acredite quem quiser.

Os senadores não engoliram. Lembraram que Bolsonaro desautorizou Pazuello publicamente no episódio da CoronaVac. “Um manda, o outro obedece”, disse o então ministro. Ontem afirmou que o chefe falava para as redes sociais, não dava ordem. Se não mentiu ontem, então quem mentiu na ocasião foi Bolsonaro, quando disse ter mandado cancelar a compra da vacina.

Pazuello não conseguiu evitar contradições. Afirmou que as negociações para comprar vacinas da Pfizer nunca foram interrompidas, ao contrário do que disseram o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e o ex-CEO da empresa Carlos Murillo. Argumentou que o obstáculo eram as cláusulas “assustadoras” impostas pela farmacêutica e citou pareceres da AGU e da CGU. O senador Eduardo Braga o confrontou com os pareceres, sem obstáculo nenhum à compra da vacina.

Ao falar sobre Manaus, Pazuello disse que só tomou conhecimento da falta de oxigênio em 10 de janeiro. O presidente da CPI, Omar Aziz, afirmou ter recebido informações do governo do Amazonas de que ele fora informado no dia 7. Pazuello continuou negando. Alegou desconhecer negociações para usar avião dos Estados Unidos no transporte de oxigênio. A senadora Eliziane Gama mostrou documentos atestando que o ministério sabia do fato.

Pazuello foi questionado também sobre as denúncias de fraude numa licitação do Ministério da Saúde durante sua gestão. Como mostrou reportagem do “Jornal Nacional”, duas empresas foram contratadas sem licitação por R$ 28 milhões para reformas no Rio. Sócios de uma delas são os mesmos de outra, envolvida num escândalo em contrato com as Forças Armadas. As licitações foram anuladas e estão sob investigação. Pazuello disse ter tomado conhecimento do fato pela imprensa.

O tão aguardado depoimento não trouxe resultados imediatos para a CPI. Pazuello foi bem treinado pelo Planalto e tinha respostas prontas. Apesar de ter obtido habeas corpus para ficar em silêncio, só usou da prerrogativa uma vez, numa pergunta da senadora Eliziane sobre Manaus. Os senadores agora terão trabalho para cotejar as contradições entre suas declarações e as de outros depoentes, para desmontar a tentativa de blindagem de Bolsonaro.

O depoimento continua hoje e ainda poderá trazer novidade. Mas, mesmo que Pazuello não se transforme no homem-bomba da CPI, não terá conseguido desfazer a imagem de uma gestão desastrosa, origem da tragédia que nos conduziu a mais de 440 mil mortos. Indagado sobre o motivo de sua demissão, foi lacônico: “Missão cumprida”. Numa rede social, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta ironizou: “Dia D, Hora H. Omissão cumprida”.

O Globo