Pesquisador compara BBB a campanhas eleitorais
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Sucesso de audiência, a 21ª edição do Big Brother Brasil (BBB), que chegou ao fim na noite da última terça-feira após completar 100 dias no ar, tem muitos paralelos com a política, principalmente quando o assunto é comportamento e estratégia digital. É o que tem alertado o cientista político Felipe Nunes, professor da UFMG e fundador da Quaest, empresa de análise e pesquisa voltada para as redes sociais. Em entrevista ao Sonar, o pesquisador avalia que essas similaridades ocorrem num momento em que política cada vez mais assume feição de entretenimento e ressalta que o reality show ensina aos políticos que alianças pragmáticas são fundamentais para a sobrevivência. “Não moralizar as alianças é uma boa estratégia porque amanhã pode ser bom um vínculo que, hoje, você acha que é mal”, alerta.
O que o BBB nos mostra sobre engajamento digital que pode ser visto na política? A política também é entretenimento?
O BBB é um produto de entretenimento que gera conversação digital espontânea, a política também! E tudo isso está amarrado na ideia do consumo. Para gerar consumo de massa, é preciso ter audiência. É assim na política e na indústria do entretenimento. Um estilo musical se torna interessante para a indústria fonográfica, quando as músicas daquele estilo se tornam economicamente atraentes. No nosso tempo, a política assume feição de entretenimento, sim, porque desperta muito interesse. E esse interesse pode ser convertido em lucro. O que gera mais engajamento do que as polêmicas? No BBB, a disputa é boa porque gera engajamento. Na política, idem. Entretenimento é a dinâmica na superfície das relações. O capitalismo entendeu isso há muito tempo, e alimenta as polêmicas. Hoje o engajamento está no digital, as disputas estão no digital, o entretenimento está no digital. Tudo o que estiver no digital, nas redes sociais, vai virar entretenimento, afinal, o lucro está ali. Inclusive a política.
Nesse cenário, quais são as melhores estratégias no programa que são ou podem ser adotadas por quem disputa o jogo político?
Acabou o tempo da unanimidade. Ninguém consegue agradar a todos, muito menos à maioria. A polarização que vivemos acabou com a possibilidade da construção de consensos. O que é possível é construir uma imagem que conte com a adesão dos seus fãs e que essa adesão carregue consigo o engajamento de outros grupos que, em princípio, não eram favoráveis a você, mas também não eram contra. Veja a eliminação do Gil do Vigor: os administradores da Juliette se aliaram ao time da Camilla de Lucas. É um pacto momentâneo, pragmático. Não é uma aliança eterna, ideológica, inquebrável. Sem dúvida há pontos que um público favorável à Julliete não aprova na Camilla de Lucas, em muitos pontos programáticos eles até se aproximam do Gil. Mas na disputa apresentada, a união pragmática mostrou a força do engajamento digital no “Big dos Bigs”. Nisso, não temos nada de tão novo: alianças pragmáticas são fundamentais para a sobrevivência, no BBB ou na política. Talvez a novidade esteja no entendimento de que as separações ou aproximações são, muitas vezes, estratégias para se manter. Não se deve moralizar isso: alianças podem ser vistas como “boas” ou “ruins”, não como “boas” ou “más”. Não moralizar as alianças – isso é uma boa estratégia porque amanhã pode ser bom um vínculo que, hoje, você acha que é “mal”.
Uma marca da audiência do BBB tem sido, como na política, uma certa polarização no entorno dos participantes. Há quem fale até em “milícias digitais” para votar em eliminações. Ela indica um clima que deve se intensificar nos cenários eleitorais?
O termo “milícias digitais” já aponta para uma moralização das alianças. Acho essa visão redutora. Vamos pensar com um exemplo tomado do universo da música pop. Um artista do funk lança uma música com participação de outro, do sertanejo. O movimento é de aproximar dois públicos que, necessariamente, não consomem o mesmo produto. Hoje isso tem um nome chique: “featuring”. Antes eram as “parcerias”. A ideia é “apresentar” (“feat”) um artista para um público que talvez não o conheça tanto. Então, Simone e Simaria “apresentam” a Anitta para o público delas, e vice-versa. Por um momento, públicos distintos estarão consumindo o mesmo produto. No caso, a canção “Loka”. Mas isso não significa que haverá uma identificação entre os fãs delas. Eles podem até brigar porque é isso que muitos fãs fazem. Em algumas eliminações do BBB, eu acho, vemos essa estratégia de “featuring”: uma união momentânea a partir de um interesse comum. As milícias não costumam ser capazes de ver vantagem em algo além de si mesmas. Milícias são fundamentalistas demais para serem pragmáticas, estratégicas. Por isso não vejo problemas em eleitores de candidatos diferentes votarem em candidatos de outros partidos, desde que exista um interesse comum. Não é uma aliança eterna, tampouco um compromisso ideológico forte. É um “feat” partidário-programático: PT de Lula feat. PSOL de Freixo, por exemplo. As milícias políticas não conseguem isso, são endógenas. E na política ficar fechado em si mesmo e isolado geralmente leva ao isolamento ou à paranoia. Em todos os aspectos, seja online ou offline, as milícias não deveriam existir.
No BBB, temos uma disputa entre famosos, que já tinham uma popularidade digital construída, e anônimos. Ao que tudo indica os anônimos têm saído melhor. Assim como no BBB, a política nas redes tem favorecido “outsiders”?
O programa do BBB tem efeito parecido ao de uma campanha política. Tem muito candidato agora fazendo pesquisa olhando para intenção de voto e decidindo seu futuro a partir disso. Um erro! Agora, é hora de fazer pesquisa de potencial eleitoral, não de intenção de voto. Como poderíamos dizer que a Juliette seria favorita antes de começar o programa? A intenção de voto dela seria bem pequena antes; Mas ela já tinha vários atributos potencialmente positivos para colocá-la em vantagem no programa. Era isso que a pesquisa sobre a Juliette mostraria. Claro que com o desenrolar do programa, assim como acontece com as campanhas, a gente vai conhecendo melhor os candidatos e isso nos permite ter intenção de votar neles. O rótulo de “anônimo” desaparece assim que um desconhecido é anunciado e entra no BBB.
Ser “planta” (participante do BBB que foge das polêmicas), pensando na disputa política, é uma boa estratégia?
Essas metáforas são muito escorregadias. A planta está viva, ela se se alimenta, oxigena o ambiente. Construiu-se a imagem de que planta é algo ruim só porque não vemos o movimento dela. Mas plantas não são inertes. Não podemos levar as metáforas tão a sério. Mas para aproveitar a pergunta eu diria que uma boa planta é aquela que exerce bem aquela função: oxigenar o ambiente, ajudar a diluir o que é tóxico. E isso não é nada ruim. Sem isso não só a política, mas a vida seria impossível. E quem souber aproveitar politicamente esse fardo pode até se dar bem. Thelminha foi isso, né?
Outra marca do programa é o “cancelamento”. Há paralelos com a política?
É duro falar isso, mas o cancelamento não é uma questão de “se”, mas de “quando”. Potencialmente todo mundo será cancelado, hoje ou amanhã. Cancelamentos digitais podem ser vistos como uma versão bem radical da ideia do artista norte-americano Andy Warhol segundo a qual todos, um dia, teremos alguns instantes de fama: os 15 minutos de celebridade instantânea. No mundo dos antagonismos sempre estamos errados para alguém. Para a torcida da Carla Diaz o Arthur errou em algum momento; para a torcida do Projota a Lumena errou em algum momento. Mesmo um caso extremo, como o da Karol Conká, é preciso olhar mais ao fundo: o altíssimo índice de rejeição dela deve ser visto em contexto. Ela entrou na disputa com Arthur e Gilberto. Nenhum dos dois naquele momento estava no alvo do público. O resultado dos paredões é sempre um retrato do momento do jogo, de uma comparação, não um retrato da essência de uma pessoa. Eleição também é retrato do momento, da comparação entre candidatos reais, mesmo que os eleitores desejassem ter candidatos ideais, não têm. Eles são obrigados a escolher entre os candidatos em disputa. Por isso o menos pior muitas vezes vence.
Que cuidados se deve ter para evitar o cancelamento?
Na política também há o cancelamento, mas talvez tenha uma diferença: no senso comum toda reputação de político já é parcialmente cancelada. É o senso comum que naturaliza o “nenhum político presta” ou “todo político é pilantra”. Por outro lado, esse cancelamento nunca é universal porque sempre há os eleitores, e no extremo os fãs. Por exemplo, por mais que Lula e Bolsonaro possam ser “cancelados” para determinados conjuntos da sociedade, sempre serão idolatrados por outros. O cancelamento não é algo que um político deveria temer, a menos que isso lhe custe o seu eleitorado. O político nunca deve temer ser cancelado pelos opositores, e sim pelos eleitores. Crítica da oposição é sinal de sucesso, não de fracasso. O que o Lula ou o Bolsonaro jamais poderiam fazer, a ponto de perder até seus fiéis seguidores? É esse cancelamento que importa na política. O outro é inevitável e, em certo sentido, até passageiro.
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