Projeto de Bolsonaro de tirar crianças da escola avança
Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados
Com as atenções do Congresso voltadas para a CPI da Covid, deputados da base do governo tem conseguido fazer passar na Câmara dos Deputados projetos da agenda bolsonarista que ficaram parados nos dois primeiros anos deste governo. Depois da flexibilização das regras para o licenciamento ambiental, agora é o homeschooling, o ensino domiciliar, que está prestes a ser votado.
O projeto de lei que libera a modalidade será votado nesta terça-feira em regime de urgência na Comissão de Constituição e Justiça. Ele já recebeu parecer favorável da relatora Greyce Dias (Avante-MG).Se aprovado, vai direto para o plenário, sem passar pela comissão de Educação.
A manobra que permitiu tirar da gaveta o texto que estava havia dois anos parado foi executada pela presidente da CCJ, Bia Kicis (PSL-DF). De autoria da própria Bia e suas colegas de partido Chris Tonietto (PSL-RJ) e Caroline de Toni (PSL-SC), o projeto tramitava junto com outro, sobre o mesmo tema, que pelo teor tinha que ser analisado na Comissão de Educação.
Mas Kicis fez algo incomum e desvinculou um texto do outro, para que a tramitação da proposta dependesse apenas da CCJ e chegasse mais rápido ao plenário, driblando a resistência da bancada da educação.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal julgou que o ensino domiciliar não é permitido no país – mas entendeu que a prática não é inconstitucional. Isso significa que, se for regulamentada por novas leis aprovadas no Congresso, ela pode ser realizada.
O texto das bolsonaristas altera apenas um artigo do Código Penal – o 246, que classifica como crime de abandono intelectual passível de prisão deixar de prover educação aos filhos em idade escolar. Por isso, Bia Kicis argumentou que sua análise deveria ser exclusivamente jurídica e separou os projetos que tratam do mesmo assunto.
A deputada diz que seu texto apenas descriminaliza o ensino domiciliar. “Muitos pais que fazem o homeschooling são alvos de perseguição. Há notícias de ações criminais movidas por agentes políticos e o Ministério Público por motivos ideológicos.”
Na prática, porém, o que o projeto faz é liberar o ensino doméstico. E, para as entidades do setor, o faz da pior forma, sem regulamentá-lo. “Ele cria um problema gigantesco, porque não estabelece mecanismos de monitoramento e fiscalização do Estado. As famílias nem precisarão seguir a base nacional curricular. Se uma família decidir ensinar o criacionismo no lugar da teoria da evolução, ela poderá” diz Lucas Hoogerbrugge, líder de relações governamentais da ONG Todos pela Educação.
“Além disso, um dos papeis do Estado é proteger as crianças da própria família se for o caso. Por isso existem os conselhos tutelares e uma série de equipamentos de proteção social às crianças. Pode acontecer das famílias não oferecer educação nem domiciliar e nem escolar, ou seja, o abandono intelectual”, segue Hoogerbrugge.
Antes de a proposta de Bia Kicis ser separada das outras, o texto conjunto recomendava que o ensino domiciliar fosse vinculado a instituições de ensino que fariam supervisões periódicas do aprendizado dos estudantes através de tutores. Seria uma forma de afastar a hipótese de abandono intelectual, porque caracterizaria uma orientação formal.
A proposta vinha sendo defendida nos bastidores pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Mas Kicis atropelou essa articulação e passou seu projeto na frente.
O empenho das deputadas pelo homeschooling tem a ver com uma ideia muito forte entre os bolsonaristas de que as famílias devem ter a “primazia na educação das crianças”. É uma reação ao que chamam de “doutrinação de estudantes nas escolas”. O ensino doméstico também é defendido pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, e a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, representantes dos setores evangélicos no governo.
Já os especialistas em educação afirmam que essa imersão familiar é justamente um dos pontos fracos do homeschoooling. “No ensino domiciliar, o aluno tem menos acesso à pluralidade no aprendizado e a exposição ao contraditório”, elementos cruciais para a formação do senso crítico, diz Hoogerbrugge.
Outra crítica dos especialistas é o Congresso dar prioridade a esse tema num momento em que alunos e professores de todo o Brasil enfrentam graves desafios causados pela pandemia da Covid-19, em especial pelas interrupções no funcionamento de escolas e as disparidades no acesso às aulas remotas.
“No Congresso há um espaço limitado para o debate de propostas em cada setor. (A discussão do homeschooling) acaba drenando a energia de outros temas fundamentais, como o protocolo seguro de retorno às aulas presenciais e outros projetos que já estão tramitando no Congresso”, afirma o representante do Todos pela Educação.