Quando Bolsonaro fala na TV aumenta a difusão de fake news
Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em rede nacional de TV resultaram em aumento na circulação de notícias falsas relacionadas à pandemia do novo coronavírus nas redes sociais.
O apontamento está em um estudo publicado anteontem pelo Laboratório de Pesquisa em Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais, da UFPel (Universidade Federal de Pelotas).
O relatório observa que apoiadores do governo federal transformaram frases com desinformações do presidente em mensagens para serem compartilhadas em redes sociais.
Um dos casos analisados pelos pesquisadores aconteceu no discurso de 24 de março de 2020, quando Bolsonaro chamou a covid-19 de “gripezinha”, criticou a imprensa e o fechamento de escolas.
Em grupos públicos de WhatsApp, por exemplo, o dia seguinte teve um pico de notícias falsas, com 4.036 compartilhamentos. No dia anterior, eram apenas 410. Isso representou 884% de aumento, segundo dados monitorados pelo estudo através do Monitor do WhatsApp, iniciativa da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Uma das mensagens, reproduzida no estudo, diz que “o país vai quebrar” se as pessoas saudáveis não trabalharem em meio à pandemia.
Alta também foi verificada no pronunciamento de 31 de março de 2020, porém com menos intensidade, já que Bolsonaro mudou o tom e passou a tratar o vírus como “realidade”, mas equiparando vidas a empregos. Nesse caso, o crescimento de circulação de fake news subiu 79%.
Os percentuais ainda podem ser maiores se consideradas outras redes sociais, como Facebook, Twitter e Instagram.
O UOL procurou o Palácio do Planalto para comentar o levantamento, mas não obteve retorno até a última atualização deste texto.
“Esse aumento tem a ver com a militância e o que ele traz em seus discursos, como a questão do tratamento precoce como cura. Isso inflamava muito as mídias sociais e desviava o foco para o sentido de que o Bolsonaro era atacado porque tinha uma solução para o coronavírus, mas que ninguém queria ouvi-lo”. Raquel Recuero, autora do relatório com outros pesquisadores
“É uma desinformação politicamente enquadrada. As pessoas não tratam a pandemia como uma questão de saúde, mas como ideológica e partidarizada. Se uso máscara, automaticamente me alinho a algo, por exemplo”, diz Recuero.
Segundo os pesquisadores, o crescimento da circulação de desinformações está relacionado à estrutura da base do presidente Bolsonaro e à legitimação que autoridades políticas dão às fake news.
Isso ocorre por causa do número de seguidores dos políticos nas redes sociais e da credibilidade que os cargos ocupados por eles dão à informação falsa.
No Twitter, por exemplo, uma fake news publicada e/ou compartilhada por uma autoridade política ou de saúde tinha quase 1,5 vez mais chance de se espalhar do que uma postagem sobre a importância da vacina de outras personalidades (mídia, educadores, veículos apócrifos hiperpartidários etc.).
“Apenas esses atores [políticos], por exemplo, respondem por mais de 47% do total de conteúdo desinformativo que circulou nesse conjunto de dados, dos quais a maioria (91%) era de influenciadores políticos (membros do governo federal e do Legislativo)”, diz o relatório.
O estudo sugere seis estratégias:
Criação urgente de campanhas contra a desinformação que sejam massivas e espalhadas por vários veículos de mídia;
Investimento em letramento digital;
Fomento ao debate amplo e público sobre temas complexos (vacinação, saúde pública em geral, eleições – urnas);
Cobrança de uma atuação mais efetiva das plataformas;
Responsabilização de agentes públicos na propagação e legitimação de desinformação;
Ações dos veículos jornalísticos para evitar que sejam compartilhados como desinformação.
Para Recuero, das soluções propostas pelo estudo, a que traria mais resultados práticos seria a iniciativa de desmentir fake news por autoridades públicas e instituições.
“Autoridades públicas precisam atacar a desinformação no esforço de desmenti-las. Temos muita desinformação circulando e pouco esforço institucional para dizer o contrário”, conclui.