Títere de Aras na PGR ataca governadores para agradar Bolsonaro
Apesar de evitar exposição em redes sociais ou entrevistas, ao contrário do que fazem outros integrantes do Ministério Público Federal, uma subprocuradora-geral virou foco dos holofotes ao assumir situações de desgaste entre o comando do órgão e outras autoridades.
Lindôra Araújo é apontada como braço-direito do procurador-geral da República, Augusto Aras, e foi pivô em importantes crises desde que ele foi nomeado ao cargo, em 2019.
Duas situações renderam a Lindôra queixas, pedidos de investigação e acusações de alinhamento com o governo Jair Bolsonaro e de proximidade com o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente.
A primeira foi uma disputa entre a PGR de Aras e a extinta força-tarefa da Lava Jato do Paraná, no ano passado. A segunda quando entrou em conflito com governadores em meio às investigações de suspeitas de desvios de verbas repassadas pelo governo federal para ações de combate à pandemia.
Às vésperas da CPI da Covid no Senado, ela enviou ofícios aos governos com questionamentos sobre suposto mau uso de recursos públicos na pandemia —em linha próxima a críticas feitas por Bolsonaro.
Ao mesmo tempo, Lindôra está à frente de trabalhos considerados de sucesso dentro da gestão Aras, como a Operação Faroeste, que investiga suspeitas de esquema de vendas de decisões judiciais na Bahia, e outras ações contra magistrados no país.
No início de abril, em sessão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) após a morte do ministro aposentado Paulo Medina por Covid, ela disse que a pandemia tem sido politizada e que não é o momento de “dizer quem tem razão e quem não tem” pela situação do país.
Segundo ela, em números relativos, o Brasil naquele momento não era o segundo país do mundo com mais mortes, mas o 47º. “Eu queria que a gente ficasse com pesar e chorasse nossos mortos, mas que não colocássemos o Brasil como o pior país do mundo”, disse Lindôra.
“Pensem que nós estamos em 47º lugar, porque nós somos um país enorme, com 220 milhões de habitantes. [Pensem] que estão politizando o Covid. Gente, o Covid está no mundo inteiro. Parece que é o único país no mundo que tem Covid quando se lê manchete. Parece que só o Brasil tem Covid. Eu estou muito apavorada”, afirmou.
Lindôra foi promovida em 2003 a subprocuradora-geral, último grau da carreira de membro do Ministério Público Federal, e deixou a Procuradoria Regional da República da 2ª Região, no Rio de Janeiro.
Foi diretora da Escola Superior do Ministério Público da União e desde então se destacou por ter assinado em 2008 a denúncia da Operação Navalha, suspeita de desvio de dinheiro em obras públicas que havia levado no ano anterior à queda do então ministro Silas Rondeau (Minas e Energia), no governo Lula.
Em 2012, elaborou o recurso contra a anulação da Operação Satiagraha, que levou à prisão do banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, morto em 2009.
Vista como uma pessoa de posições conservadoras, em 2018, antes de entrar em guerra com a Lava Jato, assinou nota conjunta de integrantes do Ministério Público que apoiavam o ingresso de Sergio Moro no governo Bolsonaro. Também se posicionou contra a possibilidade de cotas para mulheres no Ministério Público.
Na gestão de Aras, que tenta costurar uma indicação ao STF (Supremo Tribunal Federal), Lindôra foi nomeada para coordenar o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, já em meio às ações que acabaram resultando no desmonte das forças-tarefas em todo o país, modelo criticado pelo procurador-geral.
Uma visita de Lindôra ao QG da Lava Jato no ano passado motivou reações por parte de seus integrantes e a abertura de uma sindicância na Corregedoria do Ministério Público Federal.
Os integrantes da força tarefa acusaram a subprocuradora de realizar manobra ilegal para copiar bancos de dados sigilosos de investigações de maneira informal e sem apresentar documentos ou justificativas para isso.
À época, a PGR afirmou que a ida dela foi uma visita de trabalho e tinha respaldo em decisão judicial que determinava o compartilhamento de dados sigilosos para utilização em processos no STF e no STJ.
O episódio, segundo colegas, também contribuiu para que ela desistisse de concorrer a vaga no Conselho Superior do Ministério Público Federal.
Ela também coordena investigações que envolvem pessoas com prerrogativa de foro no STJ, como governadores e desembargadores. Assinou no ano passado denúncia contra o então governador afastado do Rio Wilson Witzel (PSC), que teve impeachment aprovado em abril desde ano.
Ao ser denunciado, Witzel criticou Lindôra, disse que ela estava se especializando em “perseguir governadores, desestabilizar os estados da federação a partir de investigações rasas e apreensões preocupantes” e “tem relação com Flávio Bolsonaro”. Em nota, ela disse à época que sua atuação é pautada por provas.
Foi Lindôra também que fez pedidos de busca e apreensão em ações que investigaram suspeitas que envolvem desvios do governo Helder Barbalho (MDB), no Pará.
É dela, ainda, a investigação e uma denúncia apresentada às vésperas da CPI da Covid contra Wilson Lima (PSC), governador do Amazonas, também sob suspeita de desvio de recursos destinados à pandemia. Todos esses governadores negam ter cometido irregularidades.
Por causa dessas investigações, senadores governistas queriam convidá-la para comparecer à CPI . Em mensagem enviada aos integrantes da comissão, Aras disse que “a medida seria um afronta ao Ministério Público, sem precedentes na história do país”.
Durante a pandemia, tornou-se coordenadora finalística substituta do Giac (grupo de acompanhamento da Covid-19 no Ministério Público). Em março desse ano, Lindôra assinou um ofício distribuído aos governadores em que questionava o uso de recursos destinados aos hospitais de campanha.
No mês seguinte, em outro ofício enviado logo depois de o STF determinar a instalação da CPI, como revelou o Painel, a subprocuradora subiu o tom.
Ela afirmou que a desativação das unidades de saúde teria causado “prejuízo ao erário, não só em relação às vidas com a falta atual de leitos como o decorrente da verba mal utilizada”. Pediu ainda que o ofício de resposta fosse assinado pessoalmente pelos governadores, “pois tal responsabilidade não pode ser atribuída a outros órgãos”.
O documento irritou os governadores do Nordeste, que pediram afastamento do Giac e abertura de um procedimento administrativo disciplinar contra ela no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Para eles, houve abuso de autoridade na ação da procuradora, ao antecipar eventual culpa deles.
Também apontaram aproximação na conduta dela com os discursos de Bolsonaro, que desde antes da CPI tem pedido investigação sobre recursos repassados a governos e prefeituras.
A conduta, disseram no pedido, “sugere suspeição funcional, sobremodo quando suas declarações apresentam perfeito alinhamento, inclusive vernacular, com Exmo. Sr. Presidente das República”.
Para eles, ela “toma parte em polarização federativa de cunho político, desnuda convicções pessoais e trai sua falta de isenção para a condução do procedimento investigativo, devendo ser afastada por motivo de suspeição”.
Folha de SP