Vacinação é menor onde morre mais gente
Foto: João Bezerra
Um estudo da USP (Universidade de São Paulo) aponta que a periferia da cidade de São Paulo concentrou, entre março de 2020 e abril de 2021, a maior parte das internações e mortes por Covid-19 do município. E nessas regiões, entretanto, foi onde ocorreram as menores taxas de vacinação contra a doença.
Segundo os dados, enquanto distritos tais como Jaraguá (zona oeste), Grajaú (zona sul) e Cidade Tiradentes (zona leste), registraram 60 ou mais mortes por Covid-19 em grupos de 10 mil habitantes, em regiões como Itaim Bibi (zona sul), Pinheiros (zona oeste) e Moema (zona sul), as mortes variaram de 10 a 20 por grupos de 10 mil habitantes, ao menos um terço a menos do que os bairros mais pobres da periferia.
Por outro lado, essas regiões mais ricas tiveram índices de imunização igual ou superior a 12,5% dos habitantes, bem acima dos 5% a 7,5% dos habitantes vacinados nos bairros mais distantes. Essa diferença aumenta quando analisado apenas o critério etário, já que em regiões, como Moema, esse índice supera os 20%, enquanto na cidade Tiradentes é inferior a 4%.
Essas são algumas conclusões do estudo “Prioridade na vacinação negligencia a geografia da Covid-19 em São Paulo”, produzido por pesquisadores do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.
Para poder tabular os dados, eles tiveram de recorrer à Lei de Acesso à Informação para que a Prefeitura de São Paulo fornecesse as informações detalhadas sobre internações e mortes. Os dados de vacinação foram extraídos da base pública do Ministério da Saúde.
Segundo os autores, essas desigualdades expõe a decisão da administração municipal –comandada atualmente por Ricardo Nunes (MDB), após a morte do prefeito eleito, Bruno Covas (PSDB)–, em optar por seguir as regras federal e estadual de priorização na fila de vacinação, que colocou as pessoas de mais idade na frente dos demais grupos. E não as mais vulnerários economicamente.
“É um problema bem mais profundo. Na verdade, tecnicamente é justificável você priorizar os grupos etários de faixas de mortalidade maiores. O problema é que, quando se aplica isso no mapa, você tem uma reprodução de desigualdades, que eram justamente o que os governos reconheceram no começo da pandemia”, afirmou um dos autores, Pedro Rezende.
Além de Rezende, o estudo contou com a participação dos pesquisadores do LabCidade: Aluízio Marino e Gisele Brito, além de Raquel Rolnik, docente da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.
Os autores sustentam que mesmo sabendo da situação do contágio nas regiões mais afetadas, não foi adotada nenhuma política de prevenção por território. Isso fez com que várias regiões apresentassem focos ininterruptos de casos por meses. Essa tendência já havia sido detectada em um estudo de setembro do ano passado e foi confirmada agora.
Entre essas regiões que persistem como foco de internações e mortes estão Santa Cecília e República, no centro. Segundo Rezende, como o motivo disso acontecer não é conhecido, pesquisadores vão a campo para tentar entender o motivo pelo qual o contágio nessas regiões permaneceu alto durante toda a pandemia, até agora.
Os autores do estudo também chegaram à conclusão de que a rotina de deslocamento para o trabalho impacta a concentração do coronavírus.
Apesar de algumas categorias de profissionais já terem sido incluídas no cronograma de vacinação, –como no caso de dos que atuam na área de segurança e salvamento, motoristas, metroviários e cobradores de ônibus–, a maior parte das categorias de trabalhadores que atuam nos serviços essenciais que voltaram a funcionar a partir das medidas de flexibilização ainda não estão previstas no cronograma de vacinação.
Na lista estão desde trabalhadores do comércio, entregadores, porteiros, frentistas de postos e várias outras atividades onde não é possível desempenhar o trabalho remoto.
“A estratégia que a gente está apontando é que, ao selecionar a categoria de trabalhadores específicos, você consegue atingir os territórios da periferia que tiveram maior incidência da doença. É vacinar as pessoas que não puderam ficar em casa”, afirma Rezende.
O estudo também faz críticas ao fato de que muitos profissionais da área de saúde continuam sendo imunizados, já que muitos têm a possibilidade de fazer home office e, essa decisão, leva novamente a uma maior concentração de de imunização em médicos e outros profissionais que residem em regiões mais ricas.
A análise dos pesquisadores é a de que os territórios com maior incidência de Covid-19 são regiões que reúnem a maior parte da população negra da cidade. Por outro lado, os territórios onde mais se vacinou concentraram a maior parte da população de brancos e de renda mais alta.
“Os critérios da campanha de vacinação adotados até o momento tornam-se mais um exemplo de como opera o racismo estrutural em nossas cidades”, escrevem os autores.
Os pesquisadores dizem que, às vésperas de uma possível terceira onda do novo coronavírus, é fundamental criar critérios de vacinação eficazes e justos.
Entre essas regiões que persistem como foco de internações e mortes estão Santa Cecília e República, no centro.
Segundo o pesquisador Pedro Rezende, um dos autores do estudo da FAU-USP que aborda como a vacinação priorizou regiões mais ricas e onde morrem menos pessoas, como o motivo de isso acontecer não é conhecido, pesquisadores vão a campo para tentar entender por quê o contágio nessas regiões permaneceu alto durante toda a pandemia.
Os dados do estudo mostram que o índice de mortes é de 50 a 60 por taxa de 10 mil moradores. Já a taxa de imunização fica entre 7,5% a 10%.
“Esse foco ele contrapõe a narrativa que associa diretamente pobre e preto com doença. A gente vê que não é exatamente assim”, afirma.
Resposta
Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que não comentaria o assunto, já que desconhece a metodologia empregada pelos pesquisadores da FAU-USP.
“O órgão esclarece que o PMI [Programa Municipal de Imunização] segue as orientações técnicas do Programa Nacional de Imunizações e do Programa Estadual de Imunizações. De acordo com a Lei 6259/75, Título II, Artigo 3º, cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório”, informa.
Ainda segundo a nota, o objetivo principal da vacinação, neste momento, é a redução da morbidade e mortalidade pela Covid-19, portanto, os grupos de maior risco para agravamento e óbito devem ser priorizados.