Além de muito maiores, atos contra Bolsonaro apostarão na diversidade
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress/.
Responsáveis pela manifestação nacional contra Jair Bolsonaro (sem partido) marcada para o próximo sábado (19) descartaram mudanças no planejamento dos protestos como resposta ao ato político de motociclistas que teve a presença do presidente, no último sábado (12), em São Paulo.
Puxada por movimentos sociais, centrais sindicais e partidos políticos, a mobilização que pede impeachment, vacinas contra a Covid-19 e auxílio emergencial de R$ 600 manteve o discurso da convocação anterior, de 29 de maio, e rejeitou comparações com as iniciativas bolsonaristas.
Os grupos ligados majoritariamente ao campo da esquerda preparam novas passeatas em meio ao avanço da pandemia que já deixou mais de 488 mil mortos no país. Ao mesmo tempo, a vacinação segue ritmo lento, com menos de 15% da população adulta imunizada com a segunda dose.
A motociata com Bolsonaro no fim de semana reuniu cerca de 12 mil motos, segundo o governo paulista, e foi festejada por entusiastas do presidente como uma demonstração de força e popularidade. Segundo pesquisa Datafolha de maio, ele tem a pior avaliação de seu mandato, com 24% de aprovação.
A oposição, que se organiza para voltar às ruas em passeatas como as que atraíram milhares de pessoas em 210 cidades do Brasil e em 14 países, sustenta o discurso de que não se trata de de uma iniciativa de caráter eleitoral nem de uma competição para ver qual campo reúne as maiores multidões.
Bolsonaro e aliados buscaram tachar os eventos como gesto de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas para 2022. Para se contrapor a essa associação, o petista não se juntou às marchas nem convocou seus seguidores, embora líderes da sigla tenham comparecido.
O diretório nacional do PT aprovou nesta segunda-feira (14) a decisão de participar formalmente da convocação para sábado. A posição do partido é que só a pressão das ruas pode fazer o impeachment andar. Lula disse que avalia gravar um vídeo convidando para os atos, mas isso não está definido.
A expectativa dos organizadores é que os protestos atraiam público maior e mais diverso, depois da entrada de novas forças na mobilização, como as principais centrais sindicais do país e setores de partidos como PDT, PSB e Rede. Além do PT, já estavam engajadas siglas como PSOL e PC do B.
Grupos mais ao centro, como o movimento Acredito, que prega renovação política, também aderiram. Por outro lado, MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua), que tiveram influência em mobilizações de direita contra governos do PT e hoje se opõem a Bolsonaro, são refratários à participação.
A realização está a cargo de frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades do chamado campo progressista. Todo o trabalho ficou centralizado em um fórum batizado de Campanha Nacional Fora, Bolsonaro.
Porta-vozes de organizações minimizaram a motociata e a classificaram como ato eleitoral, mas admitem ser demonstração de que o presidente consegue mobilizar sua base de apoio. Os atos da oposição são descritos como abertos a qualquer cidadão e dissociados de partidos ou políticos específicos.
Detratores de Bolsonaro buscam ainda desestimular as comparações porque, segundo eles, é de interesse dos governistas instalar o clima de briga por um suposto controle das ruas. O presidente já tinha feito passeios de moto com simpatizantes em Brasília e no Rio de Janeiro.
Um grupo de ciclistas em São Paulo promoverá no sábado o evento Ciclistas pela Democracia, que partirá da avenida Paulista. Na divulgação, o passeio é descrito como iniciativa “em defesa da democracia e da civilização contra a barbárie”. Será obrigatório usar máscara.
Danilo Pássaro, do movimento Somos Democracia, afirma que nada muda na organização para sábado após a motociata. “Até porque teve, por parte dos bolsonaristas, a ideia de que foi uma grande motociata, mas, da perspectiva racional, foi um fiasco. A gente sabe que eles esperavam muito mais”, diz.
“Moto chama atenção, e, nesse sentido, Bolsonaro soube criar um fato político”, completa. Para Danilo, que liderou passeatas de oposição com torcidas organizadas em meados de 2020, cabia naquela época uma disputa sobre qual lado entusiasmava mais pessoas, por haver uma divisão na sociedade.
Agora, com a popularidade do presidente em baixa, o agravamento da pandemia e as revelações da CPI da Covid, ele diz que “existe um consenso maior sobre o quão trágico é o governo Bolsonaro”.
Raimundo Bonfim, coordenador da Central de Movimentos Populares, compartilha a avaliação de que a motociata ficou aquém do esperado e diz que os atos do presidente não são comparáveis com os de oposição, em termos de bandeiras e de rigor com as normas sanitárias.
“Não queremos fazer campeonato de quem leva mais gente para a rua. Que pauta o presidente levou para essa atividade? Qual é a reivindicação politica que apresentaram ao Brasil? Nenhuma”, afirma.
“Comparativamente à mobilização do 29 de maio, a motociata foi bem menor”, avalia Josué Rocha, da Frente Povo Sem Medo. “As ruas têm refletido o que as pesquisas já vinham mostrando. Há insatisfação maior com Bolsonaro, mas ele continua sendo capaz de mobilizar sua base.”
Na ótica de Rocha, os protestos da esquerda querem conquistar “a parcela maior da sociedade”, enquanto os atos bolsonaristas são focados na militância pró-Bolsonaro.
Organizadores esperam repetir ou ampliar a adesão vista em 29 de maio. Até esta segunda (14), estavam confirmados 180 atos, muitos em cidades do interior. Parte dos municípios terá mais de uma atividade. Também estão previstas carreatas. Na rodada anterior, todas as 27 capitais tiveram protestos.
Segundo João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força Sindical, os atos se somarão a ações das centrais sindicais com trabalhadores na sexta (18) e tendem a continuar. “A situação se agrava. A vacinação vai aumentar a ação de rua, por isso o boicote de Bolsonaro à vacina é um ato político”, diz.
A avaliação é a de que as marchas que pedem a saída do mandatário e criticam o governo pela atuação na pandemia têm como foco pressionar instituições como o Congresso Nacional para abrir o impeachment, embora, nos bastidores, haja um clima de ceticismo com o desenrolar imediato do processo.
Em uma plenária virtual da campanha Fora, Bolsonaro que chegou a ter 700 participantes simultâneos, na quinta-feira (10), militantes enfatizaram a unidade dos grupos como fator crucial para o resultado do dia 29.
Também houve apelos para que a iniciativa fique distante de bandeiras eleitorais e busque se colocar como movimento popular “de resistência a um governo autoritário”, segundo uma das ativistas que discursaram.
“Não vamos transformar o nosso movimento em palanque para eleições. O que queremos aqui é colocar o Bolsonaro para fora. Depois disso, vamos fazer a disputa do projeto no processo eleitoral”, disse Rogério Nunes, secretário da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).
A decisão de fazer o chamado para o dia 29 encerrou um dilema que ganhou corpo na esquerda nos últimos meses: como convocar protestos de rua em meio às altas taxas de transmissão do vírus da Covid-19 sem incorrer na mesma irresponsabilidade que era denunciada nos atos bolsonaristas.
O racha foi superado diante do diagnóstico, feito por líderes do chamado campo progressista, de que a superação das crises sanitária, econômica, institucional e política é inviável com Bolsonaro no poder. As passeatas acabaram se convertendo no maior protesto contra o governo durante a pandemia.
A ordem geral, mantida agora, é a de respeitar todos os protocolos recomendados por médicos e especialistas para diminuir o risco de contágio. As convocações reforçam a obrigatoriedade do uso de máscara (preferencialmente do tipo PFF2) e o incentivo ao distanciamento social.
A máscara foi usada pela grande maioria dos manifestantes, mas houve registros de aglomeração em vários locais. Segundo a organização, as orientações de higiene serão reforçadas, assim como o pedido para que pessoas mais vulneráveis e com sintomas da doença não compareçam.
Outro risco monitorado é o de pessoas se infiltrarem nos atos para hostilizarem manifestantes ou provocarem tumultos. A hipótese foi mencionada na assembleia de quinta-feira por Alexandre Conceição, membro da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Segundo a assessoria da campanha, normalmente são montadas, nos principais atos, as chamadas brigadas de segurança. Os grupos verificam previamente os locais de concentração e trajetos, além de terem como tarefa auxiliar participantes e acionar autoridades em caso de problemas.
Também há preocupação com a repetição de casos de violência policial como o registrado no Recife, onde duas pessoas perderam a visão de um olho após terem sido atingidas por tiros de bala de borracha que partiram da Polícia Militar de Pernambuco.
Também foram usadas bombas de efeito moral para dispersar a manifestação, que ocorria de forma pacífica e acabou encerrada com correria e feridos. O episódio, que levou à queda do comandante da PM e do secretário de Defesa Social, tem sido visto, no entanto, como um caso isolado.