Bolsonaro diz que “imunidade de rebanho” é mais eficaz que vacina

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Foto: Reprodução

Contrariando as medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia na avaliação de especialistas da área de saúde, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira, dia 17, através de uma transmissão ao vivo em suas redes sociais, que a infecção da Covid-19 pode ser mais eficaz do que a vacinação contra a doença.

— Eu já me considero, me considero não — eu estou vacinado, entre aspas — disse Bolsonaro. — Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou o vírus para valer. Então quem contraiu o vírus, isso não se discute, está imunizado.

A declaração, entretanto, não condiz com as recomendações das autoridades em Saúde ao redor do mundo. Em outubro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já ressaltava que a imunidade de rebanho, que é permitir a livre circulação do coronavírus entre as pessoas como forma de estimular uma “imunidade coletiva”, não deve ser tratada como “uma opção”.

Renato Mendes Coutinho, professor na Matemática Aplicada da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do Observatório Covid-19 BR, define “imunidade de rebanho” como um termo genérico que significa a ideia de “uma grande proporção da população não ser suscetível à infecção”, de maneira que “o vírus não consegue mais se espalhar, levando ao fim da doença”.

— Isso é até desejável se estivéssemos falando em atingir essa imunidade de rebanho por meio da vacinação de toda a população com vacinas capazes de proteger contra a infecção (é exatamente o que fazemos, por exemplo, com vacinas de sarampo) — avaliou o professor. — No sentido que Bolsonaro usa, de deixar a epidemia se espalhar, isso é catastrófico.

Coutinho classifica o “altíssimo custo em vidas humanas” como o principal problema da estratégia da imunidade de rebanho.

— Para chegarmos a um ponto em que a epidemia parasse, precisaríamos infectar praticamente toda a população, o que levaria a algo da ordem de 1 milhão de mortos (talvez até mais se a epidemia fosse tão rápida que esgotasse a capacidade de atendimento hospitalar).

Ao GLOBO, o pesquisador da Universidade de Vermont Vitor Mori, também membro do Observatório Covid-19 BR, explicou que o risco de a infecção pelo coronavírus gerar um caso grave, com necessidade de hospitalização e eventual morte, é expressivo e ainda é uma realidade no Brasil. Segundo Mori, um contexto de imunidade de rebanho pressiona o sistema de saúde.

— (Com as UTIs lotadas), é muito mais difícil para os médicos darem o melhor atendimento possível. Isso acaba provocando situações preocupantes, como a falta de oxigênio em Manaus (em janeiro deste ano) — afirmou Mori.

Além disso, Coutinho ressaltou que a infecção natural pelo SARS-CoV-2 não é garantia de proteção contra reinfecção.

— Uma análise que fizemos a partir de modelo e dados de sorologia do grupo do Cadde mostraram que cerca de 30% dos casos da “onda do fim do ano” (de dezembro a fim de janeiro) em Manaus foram reinfecções — lembrou. — Esse dado mostra que a infecção natural protege menos contra o vírus do que as vacinas e, é claro, ainda introduz o risco de hospitalização e óbito.

Mori comentou ainda outra questão que preocupa médicos e pacientes: o surgimento de sequelas em pessoas que se recuperaram da doença.

— Há pessoas que ficam com dificuldades por meses depois de se recuperar da Covid-19. A gente está vendo muitas pessoas com sequelas e a gente não sabe se elas serão permanentes. Também tem o risco de aparecerem sintomas a longo prazo. O ideial seria evitar se contaminar — acrescentou.

Mori chamou atenção ainda para a transmissão das variantes do coronavírus e para as possibilidades de reinfecção.

— Quando mais o vírus circular, maior a chance de haver variantes — destacou. — A teoria da imunidade de rebanho é falha porque a gente não vê nenhum país que tenha controlado a pandemia dessa forma — completou, citando países como Coreia do Sul, por suas medidas não farmacológicas de evitar a transmissão, e Israel, por ter adotado a vacinação em massa.

Outro tema apresentado na live de Bolsonaro foi a retirada da obrigatoriedade do uso de máscaras no país, que ele defende, mesmo que a maior parte da população ainda não tenha sido imunizada contra o coronavírus.

— Enquanto eu for presidente, enquanto tiver o líder do parlamento também — afirmou ele, indicando o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) sentado a seu lado, e prosseguiu: — nós vamos lutar para que o cidadão de bem tenha armas e seja desobrigado a usar máscara com o parecer do Ministério da Saúde nesse sentido.

Quanto ao uso de máscaras, o pesquisador brasileiro na Universidade de Vermont elencou como um dos três principais fatores para enfrentar a pandemia, junto com ambientes ventilados e distanciamento físico.

— O uso de máscara é fundamental. A infecção é pela inalação de partículas. Quanto mais ajustada estiver ao rosto, melhor será para se proteger — concluiu.

O Globo