Bolsonaro tem comparsas suficientes para barrar superpedido de impeachment
Foto: Ueslei Marcelino
Mais robusto do que o esperado há algumas semanas, um superpedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro será apresentado nesta quarta-feira (30) à Câmara dos Deputados por partidos de oposição e desafetos do chefe do Executivo.
As suspeitas de irregularidades nas negociações da vacina Covaxin —e a denúncia de suposta omissão do presidente ao ser avisado sobre o caso— deram fôlego ao discurso da esquerda para tirar Bolsonaro do cargo.
Cerca de 120 pedidos de impeachment serão reunidos em um só, apontando 23 tipos de acusações. Mas ainda faltam votos para que ele prospere na Câmara.
Apesar do ciclo de desgaste político do presidente e da baixa tração nas pesquisas eleitorais de 2022, o centrão permanece disposto a barrar a iniciativa de opositores ao governo. A fissura nessa aliança traz mais riscos para Bolsonaro no projeto de ser reeleito.
O centrão é um consórcio de partidos que se juntou a Bolsonaro quando o Palácio do Planalto passou a liberar cargos de indicação política e pagamento de verbas das emendas ao Orçamento.
Por ora, está mantida a blindagem para que o atual mandato seja concluído. Além disso, com o desgaste provocado pelas denúncias envolvendo a negociação da Covaxin, a avaliação é que esse grupo ganhou ainda mais poder de barganha junto ao Executivo.
A esquerda, por outro lado, conta com o aumento da mobilização nas ruas para pressionar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a abrir o processo de impeachment.
“Temos que nos unir. Esses atos [protestos] vão mostrar que o Brasil pede: Fora, Bolsonaro”, disse o vice-presidente nacional do PT, deputado José Guimarães (CE).
Lira é líder do centrão. Foi eleito com apoio —e esforço— do Planalto. Aliados dele não veem clima político para eventual afastamento de Bolsonaro. A aposta é na retomada da economia, prometida pelo ministro da área, Paulo Guedes.
Bolsonaristas dizem que o superpedido de impeachment é uma tentativa da oposição de atrapalhar o governo, pois não há fatos que sustentem o início de um processo de investigação do presidente.
“É um ato puramente político e em total falta de consonância com o momento que estamos vivendo. Além disso, não há motivo [para abertura do processo]; não há clima nem político, nem popular”, afirmou a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).
A oposição não tem conseguido mostrar muita força na Câmara, onde Bolsonaro e Lira têm acumulado vitórias. O plano do impeachment, para ganhar mais peso político, precisaria ultrapassar os limites da esquerda. Ou seja, ele depende dos independentes —partidos como MDB, PSDB, DEM e Solidariedade.
A maioria desse grupo, porém, tem evitado se posicionar sobre o assunto, que não chegou, por exemplo, às bancadas do MDB e PSDB.
No Solidariedade, sigla que caminha para uma coalizão com o PT em 2022, a visão é que insistir num impeachment agora é perda de tempo. “Eu acho que não tem que ter impeachment. Se for para tirar o Bolsonaro, tiramos na eleição”, disse o presidente da legenda, deputado Paulinho da Força (SP).
Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) afirma que o superpedido conjuga os aspectos de todos os processos já encaminhados à Casa presidida por Lira.
“A gente tem à frente desse processo movimentos sociais, entidades e também partidos de direita e esquerda”, disse. “Há um sentimento conjunto da necessidade dessa unidade e de interromper um ciclo de mortes expresso na figura de Jair Bolsonaro.”
“A denúncia do esquema da Covaxin reforça muito a necessidade de afastar Bolsonaro, não apenas por ser mais um crime de responsabilidade, mas também porque tudo indica que o governo retardou a compra de vacinas em que não havia a possibilidade de desviar dinheiro para comprar outras, em que havia. Ou seja, dezenas de milhares de brasileiros podem ter sido levados à morte por interesses escusos. É o que de mais grave pode haver”, afirmou Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara.
A articulação para unificar todas as acusações de suposto crime de responsabilidade atribuído a Bolsonaro começou ainda em abril. O movimento envolveu a esquerda (PT, PDT, PSB, PC do B, PSOL, entre outras siglas) e ex-aliados do presidente, como os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP), Joice Hasselmann (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP).
O documento a ser apresentado nesta quarta-feira aponta mais de 20 tipos de supostos crimes contra a lei de responsabilidade. É, portanto, uma lista de indícios de infrações que, na avaliação dos autores, sustentam a necessidade de o Congresso abrir uma investigação contra Bolsonaro.
Ameaças ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal), além do apoio e a participação em manifestação antidemocrática, são exemplos de acusações incluídas no superpedido.
Ainda há menção a declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que atribuiu a Bolsonaro uma tentativa de interferência na Polícia Federal para favorecer familiares do presidente.
Omissões e falhas na condução do combate da pandemia da Covid-19 também devem fundamentar a peça, que ganhou impulso com a acusação de que Bolsonaro não teria agido quando informado pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) de supostas irregularidades na compra da vacina Covaxin.
A existência de denúncias de irregularidades em torno da compra da vacina indiana foi revelada pela Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso ao MPF (Ministério Público Federal) do servidor, que é chefe da Divisão de Importação da Saúde.
De abril até o fim de maio, o grupo, que reúne a esquerda e desafetos do governo, não estava tão alinhado. Alguns acreditavam que era melhor trabalhar por um desgaste contínuo de Bolsonaro, em vez de concentrar esforços no impeachment. O argumento é que o presidente pode ganhar capital político num discurso de ser vítima de um golpe.
Ainda existe essa ala da esquerda que resiste ao plano do impeachment. Ela, contudo, diminuiu nos últimos meses. As manifestações de rua contra Bolsonaro em maio e junho animaram opositores ao governo.
O discurso oficial é que, por se tratar de iniciativa supraideológica, o pedido de afastamento de Bolsonaro tende a ganhar força e elevar a pressão para que Lira analise as acusações.
Mas, se o clima na Câmara não mudar, o movimento terá a tarefa de dar sustentação ao mote “fora, Bolsonaro” nas manifestações de rua e prolongar o desgaste do presidente até 2022.
Um dos autores do superpedido, o advogado Mauro Menezes afirmou que a iniciativa envolveu grupos, como cientistas, ambientalistas, indígenas, representantes da comunidade LGBT, sindicalistas.
“São diferentes forças políticas que estão unidas em torno de um propósito comum. Há uma atuação sistemática do presidente de afrontar a Constituição”, segundo Menezes.
O caminho para um processo de impeachment é longo. No caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foram 273 dias.
O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los.
Se o pedido for aceito, a denúncia é encaminhada a uma comissão especial e depois ao plenário da Casa. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para o processo seguir para o Senado.
A próxima etapa seria uma votação para o Senado confirmar ou não a abertura da investigação. Se o processo for aberto na Casa, o presidente da República é afastado até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice.
ENTENDA O SUPERPEDIDO DE IMPEACHMENT
Alguns dos partidos e entidades que assinam o documento
PT
PDT
PSB
PCdoB
PSOL
ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia)
Coalizão Negra por Direitos
Ambientalistas, como Rafael Echeverria Lopes e Enilde Neres Martins
MBL (Movimento Brasil Livre)
Advogado Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República
Ex-aliados de Bolsonaro, como deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP)
Alguns dos crimes mencionados no pedido
Crime contra a existência política da União
Ato: fomento ao conflito com outras nações
Crime contra o livre exercício dos Poderes
Ato: ameaças ao Congresso, STF e interferência na PF
Tentar dissolver ou impedir o funcionamento do Congresso
Ato: declarações do presidente e participação em manifestações antidemocráticas
Ameaça contra algum representante da nação para coagi-lo
Ato: disse que teria que “sair na porrada” com senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), membro da CPI da Covid
Opor-se ao livre exercício do Poder Judiciário
Ato: interferência na PF
Ameaça para constranger juiz
Ato: ataques ao Supremo
Crime contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Usar autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder
Ato: trocas nas Forças Armadas e interferência na PF
Subverter ou tentar subverter a ordem política e social
Ato: ameaça a instituições
Incitar militares a desobedecer a lei ou infração à disciplina
Ato: ir a manifestação a favor da intervenção militar
Violar direitos sociais assegurados na Constituição
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Crime contra a segurança interna do país
Ato: omissões e erros no combate à pandemia
Permitir a infração de lei federal de ordem pública
Ato: promover revolta contra o isolamento social na pandemia
Crime contra a probidade na administração
Ato: gestão da pandemia e ataques ao processo eleitoral
Expedir ordens de forma contrária à Constituição
Ato: trocas nas Forças Armadas
Proceder de modo incompatível com o decoro do cargo
Ato: mentiras para obter vantagem política
Negligenciar a conservação do patrimônio nacional
Ato: gestão financeira na pandemia e atrasos no atendimento das demandas dos estados e municípios na crise de saúde
Crime contra o cumprimento das decisões judiciárias
Ato: não criar um plano de proteção a indígenas na pandemia
Blindar subordinados em caso de delitos
Ato: não pediu investigação de suposta irregularidade na Covaxin
O CAMINHO DO IMPEACHMENT
O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los
O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Jair Bolsonaro. Ele pode decidir sozinho o destino dos pedidos e não tem prazo para fazê-lo
Nos casos encaminhados, o mérito da denúncia deve ser analisado por uma comissão especial e depois pelo plenário da Câmara. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para autorizar o Senado a abrir o processo
Iniciado o processo pelo Senado, o presidente é afastado do cargo até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice. Se for condenado por pelo menos 54 dos 81 senadores, perde o mandato
Os sete presidentes eleitos após a redemocratização do país foram alvo de pedidos de impeachment. Dois foram processados e afastados: Fernando Collor (1992), que renunciou antes da decisão final do Senado, e Dilma Rousseff (2016)
Assinatura
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