Candidaturas natimortas racham partidos à esquerda e à direita

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Foto: Reprodução

As piadas que exploram a ambivalência da palavra “partido” para descrever o clima em certas legendas andam em voga a um ano e três meses da eleição presidencial de 2022. Siglas da direita à esquerda vivem uma fase de multiplicação de pré-candidaturas e oposição de alas.

No episódio mais recente, o Novo anunciou o lançamento de João Amoêdo, que concorreu ao Planalto em 2018, como o escolhido para entrar na disputa, mas um grupo de filiados discordou e tentou emplacar o deputado federal Tiago Mitraud (MG), escancarando divergências internas.

No PSOL, o deputado federal Glauber Braga (RJ) apresentou sua pré-candidatura com o apoio de correligionários para se contrapor à corrente que descarta postulante próprio do partido em 2022 e defende apoio ao ex-presidente Lula, que se encaminha para ser o candidato do PT.

Em uma fase mais avançada, o racha no PSDB —expressão até batida do noticiário político— será resolvido com prévias, cujos detalhes começaram a ser definidos nesta semana. No quadro atual, o governador de São Paulo, João Doria, que há anos mira a Presidência, tem três adversários.

Presente, em maior ou menor grau, no entorno de praticamente todos os aspirantes ao cargo, a cisão partidária só não atinge o candidato à reeleição. E por uma razão óbvia: Bolsonaro se mantém sem filiação partidária, embora tenha sinalizado sua entrada no Patriota.

No caso do Novo, uma ala se rebelou contra o anúncio, feito no dia 1º, de que Amoêdo havia aceitado o convite feito por 36 dos 40 integrantes da convenção nacional para ser pré-candidato. O empresário e fundador do partido teve mais de 2,6 milhões de votos e ficou em quinto lugar.

Amoêdo, que declarou voto em Bolsonaro no segundo turno, mas agora se diz arrependido (faz oposição ao governo e defende o impeachment), foi fustigado por parlamentares federais da sigla, tidos como alinhados ao presidente e interessados em não romper com o eleitorado bolsonarista.

O motim levou a um impasse interno, exposto em redes sociais e mensagens internas vazadas à imprensa. Mitraud, que declarou não ter a intenção de concorrer, mas também não se opôs à articulação, precisaria de no mínimo 21 assinaturas em apoio a seu nome, o que não ocorreu.

O assunto foi discutido nos últimos dias em reuniões de cúpula do Novo, que, procurado, não se manifestou. Em 2020, um racha no partido culminou na revogação da candidatura de Filipe Sabará a prefeito de São Paulo, depois de elogios dele a Bolsonaro e suspeitas de irregularidades.

“Quando recebi o convite, a minha compreensão era a de que seria para ser o pré-candidato, não participar do processo seletivo com outros nomes”, diz Amoêdo. “O que entendo é que agora eles [dirigentes] estão vendo as etapas para formalizar o fechamento do processo de escolha.”

Envolvido na fabricação de uma terceira via, ele afirma não ter “fixação por ser candidato”, mas defende que o partido tenha representante para sentar à mesa de negociações. “O ruído é maior na largada. E isso é normal especialmente em um ambiente tão confuso quanto o que vivemos sob Bolsonaro”, avalia.

Mitraud afirma que a proposta de pré-candidatura estagnou diante da ausência de apoios suficientes e nega a pecha de bolsonarista atribuída à bancada. Uma das leituras é a de que os deputados teriam receio de perder votos da base de apoio do presidente em suas tentativas de reeleição em 2022.

“Acho que o Novo tem se apresentado como uma opção que continua representando o desejo de parte da população que votou em Bolsonaro em 2018 [em relação à agenda liberal], mas sem ser o Bolsonaro, sem arrastar aqueles problemas todos que ele simboliza”, diz o mineiro.

O ambiente também é de cisão no PSOL. Braga e o grupo de parlamentares que endossou o lançamento de sua pré-candidatura, em maio, distanciaram-se do núcleo do ex-presidenciável Guilherme Boulos, que é expoente da ala majoritária e entusiasta da negociação de uma aliança com Lula.

O líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), que é pré-candidato a governador de São Paulo, defende a união da esquerda nos planos nacional e local.

A briga dos dissidentes é para que o PSOL recuse a aproximação de forças de centro-direita que estão sendo procuradas pelo petista. Pregam ainda que, como faz desde sua fundação, em 2004, o partido apresente um rosto para o pleito presidencial, com um projeto fiel a princípios da esquerda.

“O apoio à nossa pré-candidatura está só aumentando”, diz Braga. Ele tem a seu lado, inclusive, a deputada federal Luiza Erundina (SP), que foi vice na chapa de Boulos à Prefeitura de São Paulo em 2020.

“Se os outros partidos de esquerda tiverem uma candidatura com um programa de esquerda, a nossa pré-candidatura perde força, o que nos leva a abrir diálogo”, analisa o deputado. “Mas, se for uma candidatura para conquistar setores da direita, aí a nossa tese de candidatura própria vai se fortalecer.”

Oficialmente, o PSOL só debaterá os rumos eleitorais em seu congresso geral, marcado para setembro. Boulos não quis comentar o cenário de enfrentamento, mas tem negado que sua posição seja a de adesão automática a Lula. Para ele, tudo dependerá do tipo de acordo que estiver em jogo.

Alinhado a Boulos, o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, afirma que ​a orientação aprovada pelo diretório da sigla é no sentido de “construir a unidade das esquerdas”.

“Isso não significa necessariamente que o PSOL irá compor alguma aliança. Essa questão será debatida democraticamente no congresso nacional, considerando o quadro como um todo e a situação dos partidos de esquerda”, diz o dirigente, que tem sido discreto para não acirrar ainda mais os ânimos.

No tucanato, que vive algo próximo de um plebiscito para ratificar ou não a pré-candidatura de Doria, a divisão é algo histórico. As prévias, em novembro, também devem contar com o governador Eduardo Leite (RS), o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio (AM).

“Partido é para isso, para ter disputa. Lá na frente a gente encontra uma convergência. É assim que se estabelece a democracia”, diz o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo. “Nós não somos ‘unido’, somos ‘partido'”, brinca.

Para o dirigente, os debates internos fortalecerão a base da sigla e terão interferência nula no esforço para romper a dicotomia Bolsonaro-Lula, que envolve agremiações como o próprio PSDB, o DEM e o Novo. “Para ir para o entendimento, precisamos de alguém que personifique o partido”, diz Araújo.

O DEM, que trabalha com o nome do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, também busca uma solução para unificar a legenda, que implodiu após a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados e vem perdendo quadros importantes, em meio a confrontos de caciques.

“No momento certo vai se oficializar a pré-candidatura, de forma organizada. Não tem que ser agora”, contemporiza Mandetta. “Todos os partidos têm as suas peculiaridades e complexidades. É natural que haja pessoas com diferentes visões, mas isso vai se depurando, vai clareando.”

Outro nome do DEM, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), também é mencionado nas listas de presidenciáveis, mas como um projeto do presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, que gostaria de ver o senador disputando a cadeira por sua legenda. Pacheco, até aqui, rechaça a hipótese.

No caso do PDT, que está na corrida presidencial com a pré-campanha de Ciro Gomes, a fratura até agora se apresentou não na forma do lançamento de outra pré-candidatura, mas na discordância com a estratégia do ex-ministro de atacar Lula para acenar ao público mais à direita.

Em entrevista à Folha, o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT-PE) disse que o alvo deveria ser o atual mandatário, em vez do petista. “Ciro não vai conquistar os votos de [eleitores de] Bolsonaro. Ele pode conquistar os votos dos 40% de indecisos, e para isso não precisa atacar Lula.”

Ciro gosta de falar que sua candidatura é uma questão pacificada no PDT. Para o presidente nacional da legenda, Carlos Lupi, as queixas sobre a postura contrária a Lula são isoladas. “É direito de cada um questionar. Mas Ciro faz a crítica substantiva, pontua diferenças programáticas e aponta erros”, diz.

PARTIDOS SE DIVIDEM NAS DEFINIÇÕES SOBRE 2022
Novo Anunciou pré-candidatura de João Amoêdo, mas deputados federais se rebelaram e tentaram emplacar Tiago Mitraud
PSOL Glauber Braga se lançou pré-candidato para fazer frente à possibilidade de a sigla abrir mão de ter candidato próprio e apoiar Lula
PSDB Tem prévias agendadas para novembro, com disputa entre João Doria, Eduardo Leite, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio
DEM Trabalha com a pré-candidatura de Luiz Henrique Mandetta e vê Rodrigo Pacheco ser assediado para sair candidato pelo PSD
PDT Ciro Gomes não enfrenta outra pré-candidatura interna, mas estratégia de criticar Lula desagrada a parte dos correligionários

Folha