Convocado pela CPI, Osmar Terra fazia campanha contra isolamento e vacinas

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Foto: EVARISTO SA / AFP

Apontado como organizador do “gabinete paralelo” de orientação ao presidente Jair Bolsonaro sobre medidas de combate à Covid-19, o ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) deixava claro em suas redes sociais, em setembro de 2020, sua convicção de que o pico da pandemia já havia passado no Brasil. No mesmo período em que organizou a reunião em que médicos defensores da cloroquina sugeriram a criação de um ‘gabinete das sombras’, Terra defendia a retomada plena de atividades, comparava o coronavírus com a H1N1 e classificava a imprensa como “apocalíptica”.

Convocado a depor como testemunha na CPI da Covid, Osmar Terra apareceu ao lado de Bolsonaro na reunião em que o grupo de médicos convencia o presidente de que seria possível tratar a doença de forma alternativa, priorizando a distribuição de medicamentos como a cloroquina e o tratamento precoce, em detrimento da compra de vacinas. Nas redes sociais, o médico sustentava que o “isolamento radical pode aumentar a mortalidade”, citando uma pesquisa até então inexistente e comparando o Brasil com a Suécia, país que relutou contra o isolamento social e acabou enfrentando um aumento exponencial de casos que levou o governo a recuar de sua posição.

“Esse rapaz foi um dos inspiradores do “fique em casa” sem qualquer base científica, exacerbado pela mídia e responsável pela quarentena lockdown mais devastadores e letais da pandemia. Triste!”, publicou o deputado federal para mais de 300 mil seguidores no dia 2 de setembro. Dois dias depois, Terra publicou dois gráficos de internações por doenças respiratórias, sem qualquer indicação de fonte, comemorando que os casos no Rio Grande do Sul eram equivalentes à “curvas das gripes de inverno como havíamos previsto”.

 

No mesmo dia, a Secretaria Estadual de Saúde do estado registrava 2.787 novos casos da Covid-19, alcançava a marca de 3.650 óbitos pela doença e já marcava a taxa de ocupação de leitos de UTI em 77.9%. Segundo Terra, “abril foi o pico da epidemia no conjunto do Brasil”, pouco mais de um mês após o país ultrapassar a marca de 100 mil mortos pelo coronavírus e se encaminhar para o aumento de casos que dobrou o número de óbitos em apenas cinco meses.

“Choro por ti Argentina! Sofrendo a mais longa e inútil quarentena do mundo a Argentina destrói sua economia e não salva vidas. Agora é a recordista em aumento percentual de mortes no planeta!!”, defendeu Terra no Twitter ao compartilhar uma publicação em que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) comemorava a previsão do presidente de que “a situação na Argentina viraria uma calamidade”. Na mesma data da publicação, o país vizinho registrava cerca de 116 mortes por Covid-19 após um longo período de restrição de circulação, enquanto no Brasil morriam seis vezes mais pessoas.

Dois dias após a reunião em que a criação do “gabinete das sombras” foi sugerida ao presidente, Osmar Terra fazia comparações descontextualizadas entre o número de mortes totais em 2019 e 2020 em Porto Alegre. Isso porque ele utilizou dados do Portal da Transparência do Registro Civil, da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, e que não leva em conta dados demográficos, como o nascimento de pessoas, e epidemiológicos, como a redução de outras causas de morte durante o isolamento social. Para combater as medidas de restrição, o deputado afirmou: “descobri que em 2019 morreram mais pessoas do que em 2020 e não se quebrou a economia nem fecharam escolas por isso”.

 

“Voltar às aulas é urgente. Para acalmar pais que estão assustados pela mídia apocalíptica,é importante informar que as crianças e adolescentes têm baixíssimo risco de adoecer e morrer por infecção neste ano (incluindo COVID). É a mesma probabilidade dos anos anteriores”, publicou no Twitter no dia 12 de setembro baseado em dados da European Mortality Monitoring (EuroMomo), plataforma colaborativa que processa dados de mortalidade de países europeus, que já viviam uma realidade epidemiológica completamente distinta do Brasil. Ao responder um questionamento de um seguidor, Terra já antecipava sua resolução: “vacina segura só depois de março e olhe lá”.

 

Em diversas publicações, o deputado federal e médico ataca o isolamento social ao afirmar que a pandemia seria responsável pela “duplicação de famílias na miséria, o aumento sem precedentes no consumo de álcool e drogas ilícitas e o crescimento vertiginoso da população de rua”. O discurso é semelhante ao adotado por Jair Bolsonaro para atacar medidas de restrições impostas por prefeitos e governadores.

“Em 2009, quando coordenei o enfrentamento à Pandemia do H1N1, no RS, reabrimos as escolas no meio da epidemia,porque constatamos que as crianças se contaminavam mais fora do que dentro da escola. E não aumentou contágio.Naquela pandemia crianças eram grupo de risco. Agora não são!”, defendeu Terra no Twitter em 14 de setembro, mesmo dia em que o gabinete do presidente acusou recebimento de uma carta da farmacêutica americana Pfizer, que reiterava propostas de venda de doses da vacina contra Covid-19.

O governo só voltaria a negociar com a Pfizer no dia 9 de novembro, dois meses depois, por intermédio do então secretário de Comunicação da Presidência (Secom) Fábio Wajngarten, segundo relato do próprio à CPI da Covid. Até esta data, 47 e-mails da farmacêutica foram ignorados pelo governo federal, que estimulava a adoção do “tratamento precoce”, ignorava a urgência das medidas não farmacológicas – como o uso de máscaras – e provocava aglomerações por onde o presidente passava.

— Estamos praticamente vencendo a pandemia, o governo fez tudo para que os efeitos negativos da mesma fossem minimizados. Quer seja com auxílio emergencial, que atingiu 65 milhões de pessoas, quer seja auxílio a micro e pequenas empresas, com crédito. Ou seja, investindo também massivamente meios e recursos para que governadores e prefeitos não faltassem na saúde para atender os infectados — afirmou o presidente no dia 11 de setembro de 2020, em evento na Bahia, quando o país já registrava 129.865 mortos por coronavírus e ainda não tinha enfrentado a segunda onda.

O Globo