Datafolha revela discriminação e assédio contra advogadas negras

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Foto: Reprodução

Nos escritórios de advocacia, fóruns e departamentos jurídicos de empresas, todos sabem que atos de assédio e discriminação configuram crimes. Portanto, em tese, esses ambientes deveriam ter as melhores condições para o acolhimento, o apoio e o recebimento das denúncias das vítimas.

Porém pesquisa do Datafolha mostra dados alarmantes no sentido contrário.

Um terço das mulheres advogadas do país diz já ter sofrido assédio sexual ligado a seus locais de trabalho, por parte de colegas, chefes, clientes ou outros.

O levantamento também revela que cerca de um quarto das advogadas e advogados negros diz ter passado por situação de discriminação racial nos ambientes profissionais em que atua, especialmente no sistema de Justiça.

Quanto ao tema da discriminação de gênero, a pesquisa mostrou ainda que 35% das mulheres afirmam ter passado por essa situação.

Quase um quarto da advocacia negra já sofreu discriminação racial em ambientes de trabalho

35% das advogadas sofreram discriminação de gênero em ambientes de trabalho

Nos questionamentos do Datafolha sobre esses temas, as respostas podiam ser múltiplas, o que permitiu verificar que as agressões partem de vários tipos de autores.

No grupo das mulheres advogadas, 18% afirmaram já ter sofrido assédio sexual cometido por clientes. Indagadas se já foram vítimas desse tipo de crime praticados por colegas de escritório ou do local de trabalho, 17% das entrevistadas responderam positivamente.

Chefes assediaram 16% das advogadas ouvidas pelo Datafolha. O delito foi cometido nos fóruns ou outros ambientes da Justiça, segundo 8% das profissionais do direito.

Esta é a sexta de uma série de reportagens da Folha para apresentar e discutir os dados da pesquisa. O trabalho do Datafolha foi encomendado no âmbito da FolhaJus, iniciativa do jornal voltada para os assuntos do mundo jurídico, e teve apoio da empresa Digesto e da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs). ​

A margem de erro da pesquisa é de seis pontos percentuais para mais ou para menos. Realizado por telefone entre os dias 26 de fevereiro e 8 de março, o levantamento do Datafolha ouviu 303 advogados, das cinco regiões do país.

Os resultados foram ponderados por sexo, idade e região, conforme os dados do quadro da advocacia da OAB Nacional. Do total da amostra, 62% dos entrevistados se autodeclararam brancos, 37% negros e 2% amarelos.

A advogada Taísa Steter, 31, de Goiás, afirma ter sofrido assédio sexual no primeiro escritório em que trabalhou como advogada contratada.

Em uma ocasião, diz, seu chefe chegou a dizer que ela estava “gostosa demais”. Também disse que ela e suas colegas eram “galinhas do poleiro dele”. Taísa conta que, quando precisavam ir à sala do chefe, evitavam ir sozinhas.

“Comigo, uma certa vez, ele disse que eu estava gostosa demais e que eu estava desconcentrando as pessoas do escritório”, lembra ela. “A questão do assédio em si fica muito difícil de detectar, porque parece que esses homens são especialistas em deixar a situação sutil.”

“Na hora de a gente ir para uma audiência, quando entrava no elevador, por exemplo, ele colocava a mão na minha cintura. E eu ficava imóvel, eu não sabia o que fazer”, conta. “Eu sempre tentei ao máximo ser sutil, na forma com que eu saía da situação, porque eu precisava daquele trabalho.”

“Imagina, no início da carreira, se a gente denuncia o dono do escritório? Primeiro que ninguém vai acreditar”, diz. “A gente sabia que se a gente denunciasse ia ser difícil de comprovar a situação e nenhum escritório iria contratar a gente depois.”

Além disso, Taísa conta que ele pedia para que as advogadas do escritório usassem roupas justas quando tivessem audiências ou precisassem falar com algum juiz e que agissem de maneira sensual com clientes.

“Ele sempre falava que as mulheres conseguiam coisas pela astúcia corporal e não pela inteligência em si.”

Entre os entrevistados negros, incluindo homens e mulheres, 17% declararam já ter sofrido discriminação racial dentro de fóruns, 11% relataram já terem sido discriminados por clientes, 8% por parte de chefes e 6% por colegas de escritório ou do local de trabalho.

A advogada Lazara Carvalho, 38, que atua em São Paulo, já passou por diferentes situações de discriminação racial em órgãos do Judiciário.

Parte deles são recorrentes, como quando é a única advogada —depois de uma sequência de pessoas passarem sem ter que fazer o mesmo— a ter que apresentar a carteira da OAB para ingressar no Fórum em horário restrito a advogados.

Já em outros casos, a discriminação é mais explícita, como ocorreu em uma Vara de Família no Fórum João Mendes. “O juiz se direcionou para mim e falou: ‘Doutora, como é que a senhora faz a audiência com esse cabelo?'”

“Eu tenho que provar minha competência para ser ouvida, tenho que me provar antes, e isso é muito cansativo, muito desgastante e muito violento no dia a dia.”

Foi em uma audiência trabalhista, em que todos os outros presentes eram brancos, que Lazara passou pela situação que considerou mais constrangedora e sobre a qual abriu uma reclamação no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Ela ouviu da juíza, com o dedo apontado para ela, que não poderia mais fazer perguntas.

“Ao invés de simplesmente indeferir, ela colocou o dedo em riste e me proibiu de falar”, conta. “Eu tenho o hábito de assistir à audiência anterior para entender a dinâmica do juiz, e ela foi muito cortês nas duas audiências anteriores. Para mim foi muito chocante o que aconteceu”, relembra.

Além do forte abalo emocional, há consequências profissionais. Um de seus clientes, por exemplo, disse que a considerava excelente, mas perguntou se ela permitiria que, na audiência, ele fosse representado por um advogado homem e que ela ficasse à frente das petições.

“Toda vez que a gente sofre algum tipo de discriminação na frente do nosso cliente, nosso cliente fica super inseguro em relação ao profissional que ele escolheu.”

Lazara considera que os casos de discriminação racial no Judiciário são subdimensionados.

“Tem muitas pessoas que passaram por isso diversas vezes e nem manifestam. É uma violência que é revitalizada quando você conta para alguém, a pessoa diz que é bobagem, que é uma coisa menor ou que é coisa da sua cabeça.”

Os recortes do Datafolha quanto ao tema da discriminação de gênero mostram que as mulheres advogadas foram vítimas desse ato nas seguintes situações: 22% por parte de clientes, 20% no fórum ou outro ambiente da Justiça, 17% de colegas de escritório ou do local de trabalho e 13% dos chefes.

A advogada Flávia Pinto Ribeiro, 35, do Rio de Janeiro, conta que passou por situações de discriminação em sua primeira experiência em um grande escritório de advocacia, onde sentiu um tratamento diferenciado por parte de um colega.

“Ele me passava as instruções do trabalho de uma forma, assim, muito arrogante. Ele me corrigia na frente dos outros”, conta.

Quando ele foi demitido e Flávia passou a interagir com outras pessoas para dar continuidade a tarefas dele, descobriu que ele não tinha carteira da OAB, mas dizia para os demais que ela era estagiária dele.

“Ele ficou ali como um assistente jurídico e me tratando para os outros, falando para os outros, que eu, advogada, era estagiária dele.”

“Eu acho que ele não podia admitir que uma mulher negra, que acabou de chegar, ocupasse um cargo acima dele. Eu não consigo ver outra denominação para esse tipo de tratamento senão o racismo e o machismo.”

“Eu entrei no escritório depois de ser vice-presidente da OAB Mulher, depois de ser vice-presidente da Comissão da Verdade da Escravidão Negra. Eu precisei estar em um lugar, assim, alto, para chegar nesse lugar como advogada júnior, imagine.”

“Eu tenho mais de dez anos de formada, não era nem para eu estar como advogada júnior. Então eu chego como advogada júnior e ainda tenho que passar por esse tipo de coisa.”

Ela considera fundamental que os escritórios criem canais de denúncia para que casos de discriminação e assédio sejam encaminhados.

Um dos episódios que marcaram a experiência da advogada de São Paulo Caroline Moraes, 31, com o Judiciário ocorreu em uma ação movida por ela, depois de se deparar com uma foto sua de biquíni em um processo relativo a um caso no qual atuava como advogada.

“Eu não conseguia mais abrir o processo porque eu sabia que a minha foto estava ali daquele jeito.”

A foto em questão foi utilizada por uma das partes para demonstrar que ela e o testamenteiro do caso eram sócios e que tinham um relacionamento.

“Ele excedeu o direito dele, ele não precisava daquilo para provar o que ele queria.” Ela argumenta que o simples cadastro da OAB em que constam como sócios já teria bastado. Além disso, a defesa havia incluído diferentes fotos, sendo desnecessária a inclusão daquela imagem em específico.

No entanto, ao buscar o Judiciário para que a foto fosse removida do processo e que não fosse mais utilizada pela outra parte, além de pedir uma pedido de retratação e indenização, ela se sentiu ainda pior, pois lembra que, ao despachar com o juiz que decidiria sobre a ação, chegou a ouvir que “o que é bonito é para se mostrar”.

“Agora, eu até consigo falar sem chorar, mas demorou para isso acontecer”, conta. Em tom de deboche, ela diz que ele ainda questionou: “Deixa eu te perguntar uma coisa, a doutora é modelo também?”.

Na primeira decisão, o juiz julgou o pedido improcedente por completo, apesar de ter escrito que a divulgação da imagem no caso era ”ilícita, porque não autorizada”. Ele ainda destacou que a reação de Caroline às fotos caracterizava “apenas quadro de suscetibilidade exacerbada”.

Entretanto, depois de um advogado homem argumentar com o juiz que a decisão era omissa, ele proibiu que a foto voltasse a ser usada e, revendo parte de sua decisão anterior, determinou uma retratação.

Na avaliação de Caroline, não há respaldo para debater este tipo de episódio. “Essa é a sensação que eu tenho. Ou se minimiza, ou se abafa.”

Folha de S. Paulo

 

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