Epidemiologista diz que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O epidemiologista Pedro Hallal afirmou em depoimento à CPI da Covid que 400 mil mortes em decorrência da Covid-19 poderiam ter sido evitadas caso o Brasil tivesse adotado medidas de controle da pandemia — como vacinação eficiente, isolamento social e estímulo ao uso de máscaras.

O país ultrapassou recentemente a barreira de 500 mil mortes na pandemia do novo coronavírus.

A sessão desta quinta-feira (24) da comissão foi destinada para ouvir especialistas para quantificar o impacto da pandemia e da ausência de medidas no número de brasileiros mortos. Além de Hallal, professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, participou Jurema Werneck, coordenadora do Movimento Alerta e diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.

Ambos apresentaram seus estudos a respeito do impacto da pandemia no Brasil e também projeções de mortes que poderiam ter sido evitadas com a adoção de certas medidas.

Embora não houvesse a perspectiva de gerar informações novas e reveladoras, as oitivas eram consideradas fundamentais pela equipe do relator Renan Calheiros (MDB-AL) para fornecer elementos para a redação do relatório final.

Isso porque os senadores do grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas e independentes, já considera que está caracterizada a omissão do governo Jair Bolsonaro na aquisição de vacinas e na adoção de medidas não farmacológicas.

Esses parlamentares, no entanto, afirmam que é necessário quantificar o impacto dessas omissões no número de mortes, para poder atribuir aos gestores os crimes sanitários e mesmo de homicídio.

Hallal afirmou que, se os números de infectados e mortes no Brasil seguissem o padrão da pandemia em outros países, quatro em cada cinco mortes por Covid-19 não teriam ocorrido.

“Então, é um número composto, são 400 mil vidas que poderiam ter sido salvas por diferentes mecanismos de ação que o Brasil poderia ter adotado”, afirmou.

Os dois especialistas apontaram como medidas que deveriam ter sido adotadas medidas não farmacológicas, como isolamento social, uso de máscaras, além de uma rápida vacinação da população.

Apenas levando em conta a vacinação, Hallal elenca que até 145 mil mortes poderiam ter sido evitadas com uma rápida e eficiente política de vacinação.

“São 95,5 mil mortes especificamente relacionadas à demora na assinatura da Pfizer e da Coronavac. Um outro estudo liderado por outros colegas da USP estimou em 145 mil mortes, mas aí levando em consideração todas as ações diversas que poderiam ter sido feitas em relação à vacinação. Por exemplo, o Brasil ter aderido ao menor percentual ao consórcio da OMS e às outras oportunidades de vacina que infelizmente o Brasil não optou por assinar antes”, disse.

Jurema Werneck, por sua vez, apresentou estudo que indica que 120 mil mortes por Covid-19 poderiam ter sido evitadas, até março deste ano.

“Se tivéssemos agido como era preciso, a gente poderia, ainda no primeiro ano de vida, ainda no primeiro ano de história da pandemia entre nós, nas 52 primeiras semanas epidemiológicas, ter salvo 120 mil vidas”, afirmou.

“E não são números. São pais, mães, irmãos, sobrinhos, tios, vizinhos, são gente que eu não conheço, mas habita este país, como eu. A gente poderia ter salvo pessoas, se uma política efetiva de controle, baseada em ações não farmacológicas, tivesse sido implementada”, completou.

A pesquisadora também mostra uma projeção que houve 305 mil mortes em excesso no período no Brasil, que podem ser por Covid ou por outras causas. No entanto, ela ressalta que esse dado pode estar diretamente ligado com a pandemia, uma vez que pacientes com outras doenças podem ter retarcado ou não ter tido acesso a tratamento.

Ambos atribuíram ao governo federal, em particular ao presidente Jair Bolsonaro, a responsabilidade pela não adoção das medidas adequadas e as consequentes mortes em decorrência da Covid-19.

“Quem disse que vacina transforma a pessoa em jacaré foi o presidente da República, não foi o governo federal. Quem disse que não ia comprar vacina da China foi o Presidente da República”, disse.

“Com relação à pandemia, o presidente consegue estar errado em 100% dos casos”, completou.

Os dois pesquisadores também rebateram a noção de um vírus “democrático”, que teria impactado a população de maneira uniforme, sem distinção de classe social. Acrescentam que as minorias foram a parcela mais atingida pela pandemia.

Jurema Werneck aponta que apenas 14% da população foi testada para a Covid-19, por exemplo, acrescentando que se tratou basicamente de pessoas brancas e moradoras dos grandes centros.

“O vírus procura oportunidade, mas a injustiça, a desigualdade, as iniquidades fizeram diferença”, afirma Jurema Werneck.

Os dois especialistas também criticaram duramente a tese da imunidade de rebanho e a defesa de medicamentos sem comprovação de eficácia.

Hallal disse que a imunidade de rebanho foi inicialmente um equívoco, mas que havia precedentes, como a adoção inicial da estratégia pela Suécia. Depois se tornou uma estratégia “repugnante”.

Sobre os medicamentos, o pesquisador afirmou que, além dos riscos inerentes, a apologia a esses tratamentos são prejudiciais no enfrentamento da pandemia, pois criam uma falsa sensação de insegurança.

“O Brasil fez promoção de tratamentos ineficazes. E sobre esse tema gostaria desde já de manifestar que muito menos que a discussão se um medicamento em específico funciona ou não é a discussão da sensação de segurança que foi passada para a população brasileira: ‘podem pegar o vírus que tem um remédio que vai salvá-los’”, disse”.

O pesquisador afirmou que, para vencer a pandemia e estancar a circulação do vírus, o Brasil precisa urgentemente vacinar 1,5 milhão de pessoas por dia e “fechar por três semanas”, assim como fez o município de Araraquara.

Ao tratar do impacto da pandemia nas minorias, o pesquisador Pedro Hallal afirmou que o governo federal censurou um slide de sua apresentação feita no Palácio do Planalto, que mostrava diferença de contágio pelo coronavírus entre os grupos étnicos, evidenciando a vulnerabilidade dos indígenas.

O pesquisador havia sido contratado por três meses para elaborar um monitoramento epidemiológico da pandemia, ainda na gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta. Pouco tempo depois desse evento no Planalto, o projeto foi encerrado no prazo, sem ser prorrogado.

“Esse slide que apresentava diferença pelos grupos étnicos foi censurado na coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, na qual eu apresentei os resultados dessa pesquisa”, disse.

“Faltando quinze minutos para começar a minha apresentação, no Palácio do Planalto, eu fui informado pela assessoria de comunicação, de que o eslaide tinha sido retirado da apresentação. E logo depois, pouco tempo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid, sem qualquer justificativa técnica”, completou.

Questionado pelo vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) sobre quem teria censurado o slide, o pesquisador disse que seria o então secretário-executivo Élcio Franco, braço-direito do ex-ministro Eduardo Pazuello.

O pesquisador também disse considerar “estranha” a realização de um novo mapeamento epidemiológico, ao custo de R$ 200 milhões.

Folha