Evento bolsonarista estará cheio de chaves-de-cadeia
Foto: Nelson Almeida / AFP
Na falta do CPAC Brasil, a megaconferência conservadora americana trazida ao país em 2019 por Eduardo Bolsonaro cuja continuação é incerta, o Congresso MBC (Movimento Brasil Conservador) caminha para se consolidar como uma espécie de “Meca virtual” dos bolsonaristas.
O evento, com pretensão de ser realizado anualmente desde o ano passado, terá sua segunda edição entre esta sexta-feira e domingo, de forma online. A programação abrange os principais nomes do bolsonarismo: de influenciadores e ativistas a políticos investigados por disseminar notícias falsas e organizar atos antidemocráticos, ministros demitidos do governo e até um deputado em prisão domiciliar, Daniel Silveira (PSL-RJ).
Mais de 40 palestras estão confirmadas, segundo os organizadores, entre elas a do filho 03 do presidente, Eduardo Bolsonaro, dos ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Internacionais), Abraham Weintraub (Educação) e Osmar Terra (Cidadania), dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Filipe Barros (PSL-PR) e Carlos Jordy (PSL-RJ), do blogueiro Allan dos Santos e do escritor Olavo de Carvalho.
Anunciada pelos organizadores em 21 de maio, a presença de Daniel Silveira provocou a curiosidade dos interessados no eventos, que se questionaram, num canal do Telegram exclusivo para cadastrados, se o deputado teria de “tomar cuidado” com o que iria falar.
Isso porque Silveira foi preso em fevereiro após gravar um vídeo ameaçando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e fazendo apologia ao AI-5, o dispositivo mais autoritário da ditadura militar. No mês seguinte, foi transferido para prisão domiciliar. Na semana passada, o ministro da Corte Alexandre de Moraes determinou o pagamento de fiança de R$ 100 mil ao deputado pelos sucessivos descumprimentos no uso da tornozeleira eletrônica, como descarregamento da bateria e rompimento do lacre.
Bia Kicis, Allan dos Santos, Bernardo Küster, Filipe Barros, Gil Diniz (PSL-SP), além de Silviera, são outros palestrantes que constam como investigados pelo inquérito das Fake News, aberto pelo STF em 2020 para apurar disseminaçao de notícias falsas e ataques ao Tribunal.
Assim como na primeira edição, as palestras da versão 2021 do evento devem focar no combate à participação da esquerda na política brasileira. Em uma live com os irmãos Arthur e Abraham Weintraub realizada na segunda-feira para divulgar o congresso, os organizadores definiram o embate entre esquerda e direita como uma “luta espiritual”.
Assuntos do momento na política nacional também devem entrar, como a defesa do voto impresso nas eleições de 2022, obsessão do presidente Bolsonaro, as restrições sanitárias para combater a pandemia e a liberdade de expressão na internet. Bolsonaristas têm reclamado de ações das grandes empresas de tecnologia para derrubar mensagens principalmente com desinformação sobre a Covid-19.
A conferência mais esperada é a de Eduardo Bolsonaro, “showman” dos eventos conservadores. Foi ele, a propósito, que cumpriu o papel de anfitrião do CPAC Brasil. Eduardo costuma usar o espaço para sanar a curiosidade de apoiadores e avaliar o cenário político. No Congresso MBC de 2020, realizado também em junho, o deputado antecipou que seu pai poderia apoiar um nome do centrão para a eleição na Câmara dos Deputados que ocorreria meses depois. Tal como preconizado, Bolsonaro apoiou Arthur Lira (PP-AL) no pleito.
O Congresso MBC ganhou espaço com o hiato do CPAC Brasil desde a sua primeira edição, realizada em outubro de 2019. Adiada em razão da pandemia e pelo rompimento entre Bolsonaro e o PSL, uma vez que o financiamento do evento estreante foi feito pela fundação ligada ao partido de Luciano Bivar, a segunda edição CPAC ainda não tem data. Sua organização deve ser retomada pelo Instituto Conservador-Liberal, think tank criado por Eduardo Bolsonaro e pelo empresário Sérgio Sant’Anna no fim de 2020.
O MBC foi fundado em 2018 pelos militantes conservadores Maurício Costa, Anderson Sandes, Henrique Oliveira e Rodrigo Moller, seguidores de Olavo de Carvalho. O objetivo do grupo é “restaurar o Brasil, defender os pilares da civilização ocidental e combater a dominação cultural imposta pela esquerda”. Além de disponibilizar conteúdo para “capacitar a direita”, seus integrantes já realizaram diversas manifestações de rua em apoio ao presidente Bolsonaro.
O grupo tem 194 mil seguidores no Twitter, rede social em que informou ter pedido 10 mil seguidores na segunda-feira, data em que a plataforma desabilitou contas suspeitas. Ao GLOBO, o Twitter afirmou que se trata de procedimento regular.
Contatado pelo GLOBO, o MBC não respondeu às mensagens.
Ideólogo do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho vaticinava que a direita conservadora “se destruiria” caso elegesse um presidente da República antes de “se desenvolver intelectualmente”. Desde a eleição de Jair Bolsonaro, a maior expressão desse grupo, Olavo não mudou de ideia.
“Você não pode passar de uma vida intelectual superficial para um sucesso político. Essa etapa não é saltável. Se você pegar nossa direita inteira, que está aí no Congresso, e der um livro de Max Horkheimer, eles não conseguem ler”, afirmou o guru em seu canal no YouTube em dezembro de 2019.
Olavo diz acreditar que os conservadores brasileiros deveriam passar décadas estudando antes de tentar tomar o poder. Ele define a eleição de Bolsonaro como uma “ejaculação precoce”.
A pressa para disseminar ideias conservadoras foi captada pelos seguidores de Olavo de Carvalho, e congressos para debater esse tipo de conteúdo se disseminaram nos últimos anos. Além do CPAC e do Congresso MBC, eventos menores, organizados em cidades como Ribeirão Preto, Florianópolis e Guarulhos, e realizados de forma virtual durante a pandemia, pipocaram pelo país.