Gabinete do ódio de Bolsonaro acessou site investigado pela PF
Foto: Sergio Lima
O inquérito dos atos antidemocráticos revelou que o acesso ao perfil do Instagram Bolsonaro News foi ampliado de dentro da Presidência da República à medida que as manifestações que pediam o fechamento de instituições como o STF (Supremo Tribunal Federal) se intensificaram no ano passado.
Então administrada pelo assessor especial da Presidência Tércio Arnaud Tomaz, esse apontado como um dos integrantes do chamado “gabinete do ódio”, a conta é suspeita de publicar conteúdo contra autoridades críticas ao chefe do Executivo e é investigada pela Polícia Federal.
Análise feita pela Folha com base em dados reunidos pela apuração policial mostrou que, após registros esporádicos em janeiro e fevereiro de 2020, o perfil passou a ser acessado de equipamentos conectados à internet do Palácio do Planalto com grande frequência em março, abril e maio.
As datas dos acessos coincidem com o período em que a militância do presidente Jair Bolsonaro amplificou os ataques às instituições, o que levou o procurador-geral da República, Augusto Aras, a pedir a instauração de uma investigação sobre esses movimentos.
Um ano e dois meses depois e após ter reconhecido que o inquérito ajudou a reduzir manifestações antidemocráticas, porém, a PGR pediu, no início de junho, o arquivamento do caso perante ao Supremo.
Uma série de desentendimentos entre a PF e a Procuradoria atrapalhou o avanço das apurações, o que culminou no parecer enviado ao Supremo para encerrar o caso.
Enquanto a polícia destacou a necessidade de aprofundar a busca por mais provas sobre o tema, a Procuradoria fez uma série de críticas ao trabalho da corporação e disse que, em razão dos erros cometidos pelos investigadores, o ideal seria arquivar a apuração contra 11 deputados federais e remeter outros 6 casos à primeira instância.
Agora, cabe ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidir se atende as solicitações da PGR.
Caso a manifestação do órgão de investigação seja seguida pelo STF, o que observaria a jurisprudência atual da corte, o uso de estrutura do governo no incentivo aos atos antidemocráticos, uma das linhas investigadas pela PF, corre o risco de ser abandonada.
O Bolsonaro News também entrou na mira das empresas de redes sociais, que derrubaram 73 contas inautênticas de aliados do chefe do Executivo no Facebook e no Instagram, sob o argumento de que propagavam discurso de ódio.
Antes de ser banido, o perfil Bolsonaro News contava com quase 500 mil seguidores e somava mais de 11 mil publicações.
Relatórios da PF que fazem parte do inquérito mostram que, em todo o primeiro bimestre do ano passado, houve 17 acessos ao perfil a partir da internet da Presidência.
As ocorrências aumentaram e chegaram a 26 em março, principalmente na segunda quinzena do mês, após a realização de uma primeira manifestação em apoio a Bolsonaro.
Em abril, foram contabilizados 41 acessos. No dia 19 daquele mês, houve a manifestação bolsonarista na frente do Quartel-General do Exército, em Brasília. O presidente participou e discursou na caçamba de uma camionete, desencadeando uma crise institucional entre os Poderes.
Dois dias depois, a PGR solicitou a instauração do inquérito, com o objetivo de apurar quem organizou e financiou os protestos realizados em todo o país e que incluíam pedidos de intervenção militar e fechamento do Supremo e do Congresso.
Novas mobilizações ocorreram em maio, novamente com intervenções de Bolsonaro. No dia 3, um domingo, ele desceu a rampa do Planalto para cumprimentar apoiadores que aglomeravam no alambrado na frente da sede do governo.
Os acessos ao Bolsonaro News a partir de computadores conectados à internet da Presidência ficaram ainda mais frequentes, atingindo 57 registros em maio.
Em junho, a rotina de acessos, 30 no total, foi intensa nos 15 primeiros dias. A partir da segunda metade do mês, a movimentação é menos frequente, o que coincide com o momento em que Moraes autorizou o cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão contra bolsonaristas investigados no inquérito dos atos antidemocráticos.
A atuação de perfis como o administrado por Tércio demonstraram, segundo a PF, “convergência com o escopo dos fatos apurados” no inquérito dos atos antidemocráticos.
A polícia identificou que perfis bolsonaristas como o Bolsonaro News também foram acessados de órgãos como a Câmara dos Deputados, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e o Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea, que pertence às Forças Armadas.
No inquérito, a PF citou o relatório da Atlantic Council. A empresa que monitora a atuação de grupos que disseminam fake news nas redes sociais produziu um levantamento para o Facebook no qual apontou a existência de um “movimento online de pessoas associadas para supostamente promover difusão de ideias com potencial de causar instabilidade na ordem política” do Brasil.
Tércio e outros assessores especiais da Presidência são apontados como integrantes do “gabinete do ódio”, que atua sob a tutela do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 02 do chefe do Executivo. A existência do gabinete foi revelada pela Folha em 2019.
No ano passado, deputados da oposição protocolaram no TCU (Tribunal de Contas da União) uma representação para que fosse apurada a atuação de Tércio.
De acordo com os congressistas, “as redes sociais Facebook e Instagram haviam identificado e removido páginas e contas do sr. Tércio que apresentavam publicações com conteúdo falsos e de ataque a adversários políticos do presidente”.
Os ministros enviaram o caso à Presidência por entender que cabe ao Planalto a análise da conduta de Tércio do ponto de vista correicional.
Esse papel compete à Ciset (Secretaria de Controle Interno da Presidência). Em resposta a um pedido de informação, a Secretaria-Geral da Presidência informou que a Ciset analisa, desde o ano passado, o ofício enviado pelo TCU.
A Folha encaminhou um email à própria Presidência sobre o assunto, por envolver um auxiliar direto de Bolsonaro, mas não houve resposta até a conclusão desta reportagem.