Haddad e Boulos ainda não fizeram acordo sobre governo de SP
Foto: Kleyton Amorim/UOL/Folhapress e Simon Plestenjak/UOL
Enquanto trabalham separadamente para conquistar o Governo de São Paulo nas eleições de 2022, Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) propagam o discurso de busca de unidade da esquerda no estado, o que eleva a apreensão e a expectativa sobre o desenho de uma futura chapa.
Boulos deu início a uma série de agendas eleitorais pelo estado, impulsionado pelo resultado na capital em 2020, quando ficou em segundo lugar na disputa para prefeito. Haddad, por sua vez, constrói um plano de governo e se dedica a reuniões virtuais e a entrevistas para rádios no interior.
Membros do PT e do PSOL concordam que é preciso evitar que os votos do campo progressista se dividam e, para isso, já começam a buscar saídas que levem à união. O esforço é para construir uma aliança ampla, o que inclui também PC do B, PDT e PSB, que tem Márcio França como pré-candidato.
Impulsionados pela pré-candidatura de Lula (PT) ao Planalto e diante de rachas internos entre adversários tucanos e bolsonaristas, setores da esquerda veem uma “oportunidade ímpar”, nas palavras do presidente do PT paulista, Luiz Marinho, para quebrar a hegemonia do PSDB, que governa o estado desde 1995.
Líderes dos partidos progressistas têm mantido intensa agenda de conversas e pontuam que há tempo, a um ano e quatro meses das eleições, para construir uma frente e brigar pela cadeira hoje ocupada pelo tucano João Doria, que tenta se viabilizar como postulante à Presidência.
Parte dos petistas se diz incomodada com o discurso de Boulos de que sua candidatura é irrevogável, o que interditaria o diálogo sobre alianças. Haddad, por outro lado, evita se declarar pré-candidato e tem dito que é cedo para discutir nomes. Tensões à parte, os dois mantêm boa interlocução.
A ideia que circula na direção do PT é oferecer a Boulos —partindo do pressuposto de que ele não se dispõe a concorrer ao Senado ou a vice-governador— apoio para a eleição de 2024 à Prefeitura de São Paulo. A avaliação entre os defensores da costura é a de que o psolista tem chance de ser eleito na capital.
Segundo a coluna Mônica Bergamo, a proposta envolve lançar Boulos a deputado federal em 2022 e, em troca, abrir espaço a indicações do PSOL para o vice e também para o candidato ao Senado na chapa petista de Haddad.
Parlamentares que apoiam Boulos no PSOL reagiram negativamente nesta terça-feira (15) à hipótese, defendendo a manutenção da pré-candidatura. Nas redes sociais, psolistas afirmaram que ele é o postulante da esquerda com maior potencial e pediram que a união dos progressistas se dê em torno dele.
Segundo Marinho, não há debate no PT sobre membros do partido que concorreriam ao Senado no estado justamente porque a vaga é entendida como reservada para a negociação de acordos. O dirigente diz que a meta é replicar a aliança de partidos na candidatura de Lula e que o ideal é a união no primeiro turno.
“O compromisso é dialogar. O melhor é uma única candidatura. A oportunidade está dada. Vamos trabalhar para isso, mas respeitando todos os partidos. Se ninguém entrar armado nessa conversa, dá jogo. De nossa parte, queremos todos juntos”, afirma.
No PSOL, há um debate instalado a respeito de lançar candidatura própria ao Planalto ou apoiar Lula. Boulos é simpático à segunda tese, mas ela ainda será deliberada na sigla. A cisão é vista com preocupação por petistas, dado que o apoio do PSOL a Lula é a chave para a união também nos estados.
Apesar dos percalços, líderes ouvidos pela Folha buscam transparecer um clima de otimismo sobre o avanço das alianças.
“Estamos trabalhando pela unidade das esquerdas, e o nome de Boulos está a serviço desse projeto”, afirma o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros. “Pretendemos construir uma ampla unidade em torno dele, mas só o tempo e o diálogo com outros partidos dirão se conseguiremos”, diz.
“A minha impressão é que nunca antes na história deste país a esquerda de São Paulo esteve numa posição tão boa para disputar o governo”, afirma o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP).
“Temos três bons nomes: Márcio França, Haddad e Boulos. O que nos falta é ter juízo, construir um caminho comum e atrair setores além da esquerda. A boa notícia é que nunca antes tivemos tanto canais de diálogo na esquerda de São Paulo”, segue ele, que já se reuniu com os três postulantes.
Segundo Orlando, o PC do B não deve ter candidato próprio em São Paulo. “A hora é de projeto, e não de personalismo. Os três se dispõem a debater o futuro de São Paulo antes de fixar quem é o nome.”
Conflitos e disputas por espaço, porém, começam a emergir. Caminhando para sua terceira campanha consecutiva, após se candidatar a presidente em 2018 e a prefeito em 2020, Boulos é visto por parte do PT como um político ansioso e intransigente.
Do outro lado, porém, entre os petistas que defendem a legitimidade da pré-candidatura de Boulos está Lula, segundo a Folha apurou. O entendimento é de que o psolista se credenciou com a performance em 2020 e possui força eleitoral.
Marinho também diz ver com bons olhos a movimentação de Boulos, a quem chama de amigo. “É natural, é legítimo, vamos respeitar. É positivo que times da esquerda estejam em campo. Temos todas as condições de estarmos juntos.”
Na defesa da manutenção da candidatura de Haddad, petistas argumentam que a legenda tem mais estrutura e capilaridade do que o PSOL. Ao mesmo tempo, há a preocupação de evitar atritos e não forçar hegemonia. “A minha leitura tranquila é de enxergar no Haddad a principal liderança”, afirma Marinho.
“Claro que esperamos que os demais partidos, incluindo o PT, reconheçam o importante papel que Boulos pode cumprir na disputa ao Governo de São Paulo, mas isso não pode ser imposto, deve ser parte de um processo de convencimento”, diz o presidente do PSOL.
Haddad e Boulos foram empurrados para a disputa ao Palácio dos Bandeirantes após Lula ter as condenações na Lava Jato anuladas e recuperar seus direitos políticos, em março, o que abriu caminho para sua tentativa de retornar à Presidência em 2022.
O petista, porém, não abandonou o núcleo duro da candidatura de Lula e, com a meta principal de derrotar Jair Bolsonaro, se colocou à disposição do partido para construir a aliança em São Paulo e, se for o caso, representá-la.
O ex-prefeito tem mantido conversas com nomes da esquerda de outras siglas e se mostra disposto a abrir mão da candidatura caso haja outra opção mais agregadora. Procurado pela Folha, Haddad não quis dar declarações.
Boulos, que anunciou sua pré-candidatura ao governo em entrevista à Folha em abril, era cotado para ser o presidenciável do PSOL. A informação no entorno do psolista é a de que ele descarta a hipótese de enfrentar nas urnas o ex-presidente, de quem é amigo e aliado.
Boulos fala em tom diplomático sobre a pré-campanha de Haddad. “É legítimo que os partidos busquem apresentar seus projetos e suas candidaturas. Isso faz parte do debate público. Espero que a esquerda como um todo tenha responsabilidade histórica, para que alcancemos uma unidade.”
“Tenho conversado com todos os partidos do campo progressista, inclusive o PT. Trabalho para que a gente consiga uma aliança e uma unidade, porque derrotar a máquina do PSDB no estado é muito difícil.”
Na linha do que sustentam outros esquerdistas, Boulos diz que há “um momento histórico” nos planos local e nacional que favorece coalizões. “Sinto que existe uma disposição de unidade. Temos que colocar interesses pessoais em segundo plano se quisermos virar o jogo no estado”, afirma.
Em outra frente, o desenrolar de alianças no estado está travado pelo impasse da possível candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB).
O tucanato está dividido entre o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que já se declarou candidato e intensificou viagens e acenos a eleitores, e Alckmin, que pode disputar prévias no PSDB ou migrar para outro partido, como DEM, PSD e PSB, para viabilizar seu quinto mandato como governador.
O rumo de Alckmin interfere no jogo da esquerda pela boa relação do tucano com França, que foi seu vice-governador. Há chance de que os dois repitam a dobradinha, mas a hipótese está praticamente descartada caso o ex-governador permaneça no PSDB, partido do qual França se distanciou.
França também está na lista de nomes procurados pelo PT e chegou a participar de uma reunião com Lula, abrindo também a possibilidade de integrar a chapa presidencial. Qualquer arranjo vai depender da orientação nacional do PSB, que é cortejado por petistas e pelo PDT do presidenciável Ciro Gomes.
No estado, o partido de Ciro não dispõe hoje de nome próprio para o Palácio dos Bandeirantes e deve buscar alianças —à exceção do PT, que é alvo de críticas de Ciro, outros partidos de esquerda estão no radar.
“Tudo passa por uma costura que dê palanque ao Ciro no estado”, diz o presidente do PDT na capital paulista, Antonio Neto, que se reuniu recentemente com Boulos e tem dialogado com outros líderes. “Seja candidatura própria ou coligação, nossa prioridade é o projeto nacional de desenvolvimento.”
“Nós não queremos fazer nada [aliança] com esse passado lulopetista nem esse presente genocida de Bolsonaro”, afirma Neto. “Queremos criar um caminho no meio. O Ciro não é de extrema esquerda nem de extrema direita, o Ciro é de extrema necessidade.”