Inflação vai requerer esfriamento da economia
Foto: Carla Nichiata/Getty Images
A inflação de maio, acima das projeções e muito acima do teto da meta, trouxe uma preocupação adicional para o cenário de retomada. Se antes a alta do índice era interpretada como um problema pontual, e portanto passageiro, agora é vista por alguns economistas como sinalização de que a pressão sobre os preços pode se prolongar por mais tempo.
A nova perspectiva leva em consideração a mudança no componente da inflação. Nos meses anteriores, ela refletiu principalmente a alta no preço de alimentos e combustíveis, especialmente por causa da valorização do dólar e do aumento de exportações de commodities.
Em maio, no entanto, foi a energia elétrica que pressionou o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).As razões para o aumento são climáticas e mais persistentes.
Durante o verão, não choveu o suficiente para encher os reservatórios de importantes usinas hidrelétricas no Sudeste e no Centro Oeste. O período seco nessas regiões começou com pouca água nos reservatórios, o que exige o acionamento de muitas térmicas movidas a gás, diesel e óleo combustível, que custam mais caro e elevam o preço da energia.
Luz mais cara, além de pesar no orçamento das famílias, eleva custos de operação, que as empresas terminam por repassar para os produtos finais. Ou seja, na visão de analistas, uma espécie de efeito ‘bola de neve’ vai atuar sobre os preços nos próximos meses, pressionando de forma persistente a inflação num momento em que o poder de compra já é prejudicado pelo desemprego.
Em maio, a crise hídrica já fez a energia elétrica, na média, registrar alta de 5,37%. O item puxou a alta de 0,83% no IPCA, a maior para este mês em 25 anos.
Com o resultado, a inflação oficial chegou a 8,06% em 12 meses, mais distante do teto da meta deste ano (5,25%). Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (9) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“O preço da energia é fundamental na cadeia industrial, que já sofria com a falta de insumos na pandemia. O próprio setor de serviços, que está debilitado, vai ter pressão adicional com isso. A energia impacta uma série de atividades, inclusive bens finais”, diz o economista Gustavo Inácio de Moraes, professor da PUC-RS.
Conforme o IBGE, o segundo maior impacto na inflação de maio veio da gasolina, que avançou 2,87%. Na pandemia, combustíveis passaram a subir com o efeito do dólar em alta e a retomada das cotações de petróleo. Os alimentos também ficaram mais caros durante a crise sanitária com o reflexo da moeda americana e a valorização de commodities agrícolas.
“Temos uma inflação associada a custos. Criou-se um problema para a indústria, que tem de comprar insumos mais caros, mas vê a demanda fraca. A inflação é um desafio a mais para a retomada da economia. Com o avanço dos preços, houve necessidade de alta no juro, e temos uma crise hídrica agora”, afirma o economista André Braz, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Para tentar frear o IPCA, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) subiu no começo de maio a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 3,50% ao ano. Na ocasião, o colegiado também sinalizou nova alta na mesma magnitude em junho, para 4,25%. O Copom volta a se reunir na próxima semana.
Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, ressalta que o IPCA em maio veio acima das expectativas do mercado financeiro. Segundo ele, ao reduzir o poder de compra dos consumidores, a inflação em alta pode frear a retomada da economia em 2021, mas não impedir a reação da atividade.
“A inflação pode mitigar, mas não minar a retomada”, afirma.