Inquérito das fake news vai apurar repasses a Roberto Jefferson

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Foto:  Jorge William / Agência O Globo

Alvo de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar possível uso do fundo partidário para produção e disseminação de fake news nas redes sociais, o presidente de honra do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, recebeu repasses do próprio partido no valor de quase R$ 1,3 milhão desde 2017. O político é investigado no âmbito do inquérito das fake news, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que já solicitou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o envio de dados da prestação de contas da legenda dos últimos cinco anos.

Em um levantamento do GLOBO com base em dados disponibilizados pelo TSE, é possível identificar nas despesas cadastradas pelo partido que Jefferson recebeu em média R$ 300 mil por ano para gastos descritos como “serviços técnico-profissionais”. Os valores foram repassados ao político por meio do Recibo de Pagamento Autônomo (RPA), documento legal de pagamento do trabalho autônomo de pessoas físicas, mas não há detalhes sobre o destino das quantias, nem sobre qual serviço foi realizado.

A prestação de contas do Partido Trabalhista Brasileiro ao TSE revela um total de 62 transferências de recursos ao político, 15 vezes por mês entre 2017 e 2020. Neste ano, apenas três gastos do partido com Roberto Jefferson foram cadastrados até então: R$ 23.245,5 pagos nos três primeiros meses do mês para os mesmos “serviços técnico-profissionais”. Ao analisar as informações, estes pagamentos ao ex-deputado se adequam a um padrão: há pelo menos cinco anos este mesmo valor foi transferido mensalmente, sempre nos primeiros sete dias de cada mês.

As investigações sobre a possível atuação de Roberto Jefferson na produção de desinformação avançaram no Supremo após uma provocação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Conselho Federal da instituição enviou a Moraes uma petição em que acusa Robero Jefferson de usar suas redes sociais para divulgar notícias falsas.

“A disseminação de notícias falsas na condição de presidente do PTB, ou seja, sem que se ocupe qualquer cargo eletivo ou mesmo exerça atividade empresarial, revela verdadeiro esquema de financiamento público, pois decorrente das verbas recebidas pela referida agremiação política por meio do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos”, afirmou a OAB.

Jefferson foi um dos protagonistas do escândalo do Mensalão, em 2005, e posteriormente acabou condenado no Supremo por corrupção. Nos últimos anos, ele foi um dos políticos que mais se aproximou do governo Jair Bolsonaro, assim como seu partido.

Na petição enviada ao STF, a OAB anexou diversos exemplos em que Jefferson teria divulgado fake news ou atentado contra o estado democrático. Em um deles, pediu que Jair Bolsonaro demitisse os 11 ministros da Suprema Corte, o que não é de competência do Presidente da República. Em resposta ao pedido, Alexandre de Moraes determinou em abril deste ano o envio das informações de prestação de contas do PTB.

“O Conselho Federal da OAB traz exemplos inúmeros relacionados ao agir do representado, aos quais se somam tantos outros, que extrapolam os limites da liberdade de expressão, prestigiando a desinformação e atacando frontalmente as instituições democráticas e a honorabilidade de seus membros, além de grupos de imprensa”, declarou Moraes na decisão.

Na época, o ministro também oficiou o corregedor geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, e a Procuradoria-Geral Eleitoral para que tomem as providências pertinentes sobre o caso. Como mostrou o jornal “Folha de São Paulo”, o Ministério Público Eleitoral enviou o pedido de informações para o PTB no dia 17 de maio, com prazo de 10 dias para resposta. Passados mais de um mês, o partido não enviou as informações requeridas para a investigação.

O MPE busca entender quais são as atividades específicas que Roberto Jefferson exerce para justificar os valores recebidos de seu partido e destinados à “serviços técnicos de informática e de telecomunicações e internet” em 2016 e 2020. O vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, também pediu a intimação das empresas que prestaram esses serviços.

De acordo com Alexandre de Moraes, os exemplos anexados ao inquérito pela OAB indicam que as condutas do representado transgridem as diretrizes estatutárias do próprio partido e a premissa inerente aos partidos políticos.

“Nesse contexto, além de inserida no objeto deste Inquérito, atuação do representado transborda seus limites ao âmbito eleitoral, tendo em conta a motivada suspeita suscitada pela representante acerca da utilização do milionário fundo partidário, administrado pelo representado, como forma de financiar os ataques ostensivos e reiterados às instituições democráticas e à própria democracia”, concluiu o ministro.

Em seus perfis nas redes sociais, Jefferson chegou a escrever que orava “todos os dias para que Deus quebre as mãos de Barroso, Fachin e Alexandre de Moraes. Deus me permita assistir sua derrota e execração aos olhos do povo brasileiro.” Ele também já foi alvo de mandados de busca e apreensão e teve seus perfis nas redes sociais suspensos por determinação de Moraes.

Ao lado de Jefferson, foram alvos da mesma operação o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, o empresário e dono da Havan, Luciano Hang e a extremista Sara Giromini. Mesmo assim, o ex-deputado federal reagiu às investigações chamando o STF de “Tribunal do Reich”, se referindo ao nazismo, e afirmou que as determinações eram uma forma de “tirania” e “censura”.

Procurado, o PTB afirmou que os repasses a Roberto Jefferson se tratam de remuneração por sua dedicação exclusiva à sigla e, que por decisão do TSE, partidos não são obrigados a comprovar as atividades desempenhadas nas siglas.

Sobre a notificação do MPE, o PTB afirmou que o prazo estabelecido para resposta não era suficiente para cobrir “quatro anos de prestação de contas, ou seja, cerca de mais de dez mil folhas para cada ano, algo humanamente impossível”. A legenda também afirmou que responderá todos os requisitos do Ministério Público Eleitoral.Roberto Jefferson e sua assessoria de imprensa não retornaram os contatos até o momento.

Um dos protagonistas do escândalo do mensalão no governo Lula e ex-aliado de Fernando Collor de Mello, o ex-deputado Roberto Jefferson passou a adotar uma retórica alinhada ao bolsonarismo no último ano.

A guinada acompanhou a aproximação de Bolsonaro a partidos do chamado Centrão. O marco da nova roupagem foi uma live, em abril de 2020, em que Roberto Jefferson atacou o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O vídeo foi compartilhado por Bolsonaro. Desde então, o ex-deputado virou ídolo bolsonarista por postagens de apoio ao presidente e ataques ao STF.

A aproximação foi tanta que Jefferson passou a integrar comitivas presidenciais. Em 2020, seu partido, o PTB, chegou a convidar Bolsonaro para se filiar à legenda.

O Globo