Jornalista é intimado pela polícia do Rio por criticar ação no Jacarezinho
Foto: / Renato Parada/Divulgação
O jornalista Leandro Demori, editor-executivo do site “The Intercept Brasil”, foi intimado a prestar depoimento nesta quinta-feira à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) após ter publicado reportagem sobre a atuação de policiais civis na operação na favela do Jacarezinho. A ação policial deixou 28 mortos, a mais letal da história do Rio de Janeiro. Após pedido de policiais, a Polícia Civil abriu um inquérito para apurar suposto crime de calúnia cometido por Demori. Associações e entidades de jornalismo contestam a investigação e comparam a ação à perseguição dos tempos da ditadura militar.
Na reportagem, publicada no dia 8 de maio, Demori cita evidências sobre a existência de um grupo de matadores na Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil (Core). Segundo o jornalista, os policiais que participaram da operação no Jacarezinho “são conhecidos à boca pequena como facção da Core” e estão envolvidos em outras operações que causaram a morte de 41 pessoas.
O delegado Pablo Dacosta Sartori, titular da DRCI, é um dos autores do pedido de investigação e é uma das testemunhas do inquérito, instaurado pela delegada Daniela dos Santos Rebelo Pinto.
Sartori já determinou investigações contra o youtuber e empresário Felipe Neto, por escrever em suas redes sociais que o presidente Jair Bolsonaro é “genocida”, e os apresentadores do Jornal Nacional, da TV GLOBO, William Bonner e Renata Vasconcellos por noticiarem informações da investigação contra o senador Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas. Todas as investigações foram arquivadas.
“Trata-se de ocorrência realizada por determinação de autoridade policial, com objetivo de apurar o teor de diversas acusações realizadas contra policiais civis do estado do Rio de Janeiro, em especial contra os policiais lotados na Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), uma vez que, após buscas virtuais realizadas pelo setor técnico desta delegacia especializada, foram identificados perfis nas redes sociais, onde há afirmação de que os policiais são criminosos e que fazem parte de uma ‘facção’ que mantém um grupo de assassinos”, diz o inquérito.
A Polícia Civil do Rio diz que o inquérito foi aberto no dia 12 de maio após policiais da Core “se sentirem ofendidos”.
“O inquérito foi aberto no dia 12 de maio após denúncia de policiais da Core, que se sentiram ofendidos pelas postagens dos dois jornalistas. O inquérito tem 30 dias para ser concluído, podendo ser prorrogado caso necessário. Quem assinou a abertura do procedimento foi a delegada Daniela Rebelo, que estava substituindo o titular da DRCI, afastado por licença médica”, diz a nota da Secretaria de Polícia Civil”, diz a nota.
Em editorial publicado em seu site, o “The Intercept Brasil” diz que “não vai se curvar”.
“Em uma inversão total de prioridades éticas e funcionais, a polícia decidiu agir contra o jornalista mensageiro em vez de investigar a grave denúncia feita pelo editor-executivo do Intercept. Em democracias saudáveis, a polícia estaria preocupada com a pilha de mortos que a Core vem deixando em suas operações. No Brasil dos nossos tempos, a polícia quer intimidar e pressionar o mensageiro”, diz o editorial.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) usou as redes sociais para divulgar uma nota de repúdio ao inquérito aberto pelo DRCI e diz que a medida “configura claramente uma tentativa de intimidar e censurar os jornalistas”.
“A reincidência na perseguição a jornalistas comprova que a DRCI está atuando como uma delegacia de repressão política, nos moldes do famigerado DOPS da ditadura militar. Além de carta de protesto ao governador Cláudio Castro,irá buscar instrumento jurídico para, efetivamente, defender o jornalista Leandro Demori deste atentado às liberdades de imprensa e de expressão”.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também criticou a ação da polícia e diz que se trata de uma tentativa de cercear o trabalho da imprensa.
“A Abraji considera a intimação a Leandro Demori uma tentativa de cercear o trabalho da imprensa. Empoderadas pelos ataques desferidos pelo presidente da República e outras autoridades públicas à imprensa e aos jornalistas, as forças policiais se sentem respaldadas para convocar jornalistas a dar explicações como forma de intimidar seu trabalho de informar a população sobre assuntos de interesse público. Apelam de forma rápida para o ataque imediato ao mensageiro, em vez de apurar as graves denúncias e prestar contas à sociedade”, diz a nota.