Médica bolsonarista desmente Mandetta e Anvisa
Foto: Reprodução
A médica imunologista Nise Yamaguchi negou hoje ter sugerido ao governo Jair Bolsonaro (sem partido), no ano passado, mudar a bula da cloroquina/hidroxicloroquina para incluir a covid-19 na lista de doenças para as quais servem esses medicamentos. Ela foi indagada a respeito pelos senadores da CPI da Covid, onde presta depoimento na condição de testemunha convidada.
Segundo a depoente, houve uma interpretação equivocada dos fatos. A ideia, de acordo com o depoimento da médica, sempre foi orientar o protocolo da prescrição desses recursos farmacológicos, e não impor, via decreto presidencial, a adoção da cloroquina e da hidroxicloroquina.
Os medicamentos não têm eficácia no tratamento, mas são defendidos por Nise e pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A versão contraria a do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, e a do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Não fiz nenhuma minuta, inclusive não conhecia esse papel. Essa é a reunião a que ele se refere, no dia 6 de abril de 2020, que ocorreu no Planalto com a presença do almirante Barra [Torres], do ex-ministro [Luiz Henrique] Mandetta.”
Nise Yamaguchi
Em depoimento à CPI, Barra Torres atribuiu a Nise o aconselhamento para que houvesse, durante a pandemia, uma mudança na bula da cloroquina/hidroxicloroquina.
De acordo com o chefe da Anvisa, uma minuta de decreto presidencial teria sido apresentada por Nise durante reunião no Palácio do Planalto, no ano passado.
Indagada a respeito dos fatos narrados por Barra Torres, Nise disse que nunca partiu dela uma indicação nesse sentido. Posteriormente, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), sugeriu que a CPI pode marcar uma audiência de acareação entre ela e o diretor da Anvisa.
A depoente negou ter feito parte de um “gabinete paralelo” de assessoramento ao governo federal durante a pandemia, disse desconhecer a existência dessa estrutura e afirmou que “nunca conversou” com o presidente sobre questões relativas a vacinas.
“Eu desconheço um gabinete paralelo e muito menos que eu integre”, declarou ela.
A relação [entre o Ministério da Saúde e especialistas] é bastante técnica e bastante amistosa há muitos anos com todos os setores. Isso, de forma alguma, caracteriza que eu estaria agindo fora do meu papel de consultora eventual do ministério ou do paciente com câncer ou paciente com covid dentro do Brasil. E, aqui, tanto na Câmara quanto no Senado, sempre participei com essa função.” Nise Yamaguchi
As afirmações foram contestadas por parlamentares da oposição e críticos ao governo Bolsonaro. Na visão do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), a “existência de um aconselhamento paralelo” já estaria “demonstrada” pelo conjunto de fatos narrados nos depoimentos obtidos pela comissão.
O depoimento da especialista, que comparece à CPI na condição de testemunha convidada, provocou bate-boca entre os membros da comissão. O presidente dos trabalhos, Omar Aziz (PSD-AM), se irritou com a depoente depois de declarações sobre a imunização em curso no país.
Para Aziz, Nise teria argumentado em favor de uma aleatoriedade do processo de vacinação — o que ele considera ser inaceitável.
“Com essa voz calma, ela é convincente. Quem fala baixo de uma forma bem calma, passa mais credibilidade. Na realidade, para quem está nos vendo, peço que desconsidere o que ela fala sobre a vacina. Ela não está certa. Eu não sou médico, mas desde sempre a gente sabe que vacina sempre preveniu.”
Ao criticá-la pelo conteúdo da fala, o parlamentar indicou que poderia, inclusive, recomendar o encerramento da audiência e aprovação de novo requerimento para que ela fosse convocada —ou seja, com presença obrigatória e obrigação de dizer a verdade. O pleito não havia sido levado adiante até 11h45.
“Sua voz calma de falar, convence as pessoas como se a senhora estivesse falando a verdade. (…) A senhora está omitindo aqui muita coisa. Eu sou presidente da comissão e estou alertando que a senhora será convocada novamente para cá, e não mais convidada”, completou Aziz.
A irritação do presidente da CPI ocorreu depois que Nise disse considerar que “vacina é prevenção, e o tratamento é tratamento”, “e que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. Para ela, “não deve haver uma única saída”. “E, como a vacina não trata o que já está infectada, então, a ideia é o tratamento precoce.”