Microbiologista descarta abandono de máscara sem grande vacinação

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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A microbiologista Natalia Pasternak afirmou hoje que o uso de máscara é essencial se o número de casos de covid-19 e mortes em decorrência da doença está em alta. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu um parecer para desobrigar o uso de máscara por vacinados ou pessoas que contraíram a covid-19 e se recuperaram, contrariando as recomendações de autoridades sanitárias do mundo todo.

“A recomendação do uso de máscaras é essencial enquanto a gente continua observando um número de casos e de óbitos diários que é preocupante. É essa a curva que nós temos que olhar”, afirmou Pasternak em depoimento na CPI da Covid.

Segundo a especialista, a população só deverá deixar as medidas preventivas, como o uso de máscara e o respeito ao distanciamento social, quando uma grande porção da população estiver vacinada e a curva de casos e mortes apontar que agir assim é seguro.

Esse momento [de abandonar as medidas preventivas] ainda não chegou. E, quando você tem o chefe da nação fingindo que esse momento chegou, isso confunde a população. Nós não precisamos de uma população confusa. Nós precisamos de uma população esclarecida.”
Natalia Pasternak

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, ontem mesmo, disse ser preciso que a vacinação avance para que o plano da desobrigação de máscaras para parcela da população seja colocado em prática. Ele não deixou claro em que pé está o parecer.

Parlamentares de oposição viram a declaração de Bolsonaro como cortina de fumaça e nova defesa da “imunidade de rebanho”.

O Brasil alcançou ontem a marca de 23,5 milhões de vacinados com duas doses da vacina contra a covid-19, o equivalente a 11,11% da população nacional. Os dados são do consórcio de veículos de imprensa do qual o UOL faz parte, com base nas informações fornecidas pelas secretarias estaduais de saúde.

Entre ontem e hoje, a primeira dose da vacina foi aplicada em 944.016 pessoas, elevando para 52.790.945 o total de imunizados nesta etapa inicial —o que representa 24,93% da população do país.

Pasternak ainda ressaltou que é preciso olhar os efeitos da vacinação na sociedade, não apenas o percentual de vacinados. “São os números da covid que vão nos dizer qual o momento em que a gente pode começar a relaxar as medidas preventivas. Nenhuma vacina é 100%. A eficácia dessas vacinas vai variar de acordo com a taxa de transmissão comunitária também”.

Ela tem pós-doutorado em microbiologia pela USP (Universidade de São Paulo) e é presidente do Instituto Questão de Ciência, voltado à defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas.

A cientista falou à Comissão Parlamentar de Inquérito hoje como convidado ao lado do médico sanitarista Claudio Maierovitch.

Maierovitch é médico sanitarista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Ele já foi presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e já atuou como diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Durante os questionamentos de senadores, a dupla explicou cientificamente a ineficácia da cloroquina, que foi comparada à “pílula do câncer”, apontaram “negacionismo” de autoridades e disseram considerar que o ritmo da vacinação contra a covid-19 no país é lento.

O tema mais comum aos dois depoentes foi o polêmico debate sobre o incentivo do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina, remédios que não servem para a covid-19, de acordo com as evidências científicas até o momento.

Além dos medicamentos feitos com cloroquina, o governo já investiu em pesquisas quanto ao uso de nitazoxanida —substância que também se revelou ineficaz e foi abandonada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Outros fármacos como ivermectina e azitromicina também fazem parte do chamado “kit covid”.

“Esses medicamentos não servem para covid-19 de acordo com as evidências científicas coletadas até agora”, declarou Natalia Pasternak.

No caso da cloroquina, infelizmente, ela nunca teve plausibilidade biológica para funcionar. O caminho pela qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona em vitro, em tubo de ensaio porque nas células do trato respiratório o caminho é outro.”
Natalia Pasternak, microbiologista

Maierovitch lembrou que já houve no Brasil clamor popular para o uso de uma substância sem eficácia comprovada para o combate ao câncer. Um projeto de lei, do então deputado federal Jair Bolsonaro (ele esteve no Congresso por quase 30 anos antes de se eleger presidente), foi aprovado para obrigar o governo a fornecer a fosfoetanolamina sintética, ou pílula do câncer.

“Vivemos no Brasil há poucos anos uma memória triste. Foi crescendo um clamor difuso na sociedade nessa fase que vivemos com grande circulação de informações e fake news, inclusive nas redes sociais, e acabou sendo aprovado um projeto de lei do então deputado Jair Bolsonaro”, afirmou ele.

“A fosfoetanolamina para câncer não era sequer um medicamento, era uma substância produzida em laboratório da USP São Carlos. Depois, se provou não ser um medicamento e a lei foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que achou que não cabia lei para medicamento sem comprovação científica de sua utilidade”, completou o ex-chefe da Anvisa.

Natalia concluiu seu raciocínio quanto à ineficácia da cloroquina e afirmou que insistir na ideia de que o medicamento estaria em condições de ser usado como política pública de enfrentamento à covid-19 é um “negacionismo”.

Isso é negacionismo, senhores. Isso não é falta de informação. Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira e, no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada, orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde.” Natalia Pasternak, microbiologista

“E essa mentira mata, porque ela leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência. Isso não é só para a cloroquina. A cloroquina aqui é apenas um exemplo. Isso serve para o uso de máscaras, isso serve para o distanciamento social, isso serve para a compra de vacinas que não foi feita em tempo para proteger a nossa população. Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata.”

Uol