Morre o vice de FHC em dois mandatos
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Morreu na madrugada neste sábado (12), aos 80 anos, em Brasília, Marco Maciel, vice-presidente da República durante os oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, e ex-senador.
A informação foi confirmada à Folha por familiares. Ele estava internado em um hospital da capital federal.
Políticos, como ACM Neto, João Doria (PSDB), e os ex-ministros Ciro Gomes (PDT-CE) e Mendonça Filho (DEM-PE), lamentaram a morte do político.
“O Democratas se despede, já com o coração saudoso, de um dos seus fundadores. Marco Maciel foi um dos mais importantes quadros do nosso partido. Com sua exemplar atuação na vida pública, escreveu uma história irretocável de dedicação ao nosso país”, disse ACM, presidente do DEM e ex-prefeito de Salvador.
“Homem decente e de espírito público, dignificou as melhores tradições pernambucanas na política brasileira”, afirmou Ciro.
Desde 2014, Maciel sofria do mal de Alzheimer. Segundo familiares, ele recuperou-se da Covid-19 após período de internação em março, mas retornou ao hospital em decorrência de uma infecção. Morreu de falência de múltiplos órgãos. Maciel deixa mulher e três filhos. O enterro está previsto para a tarde deste sábado, em Brasília.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também lamentou. Segundo ele, Maciel foi um “homem de espírito público, aberto ao diálogo, um democrata”.
“Triste com a morte do ex-vice-presidente da República, Marco Maciel. Aos familiares e amigos minha solidariedade neste momento de dor”, disse o governador de São Paulo, João Doria.
“Falar de Marco Maciel é falar de uma história de honradez, de trabalho em defesa do país e dos valores democráticos. Conciliador, foi um homem público que simboliza a seriedade, a honestidade, o trabalho, a integridade e a simplicidade”, disse Mendonça Filho.
Maciel fez parte da geração de políticos conservadores que se projetaram nacionalmente sob a ditadura militar.
Governista desde o golpe de 1964, o político filiado ao DEM só passaria à oposição em 2003, com a posse do presidente Lula. Nascido em 1940, no Recife, Maciel defendeu desde a juventude um ideário liberal que o colocava na contramão da política estudantil.
Em 1963, aluno de direito, presidiu a União dos Estudantes de Pernambuco, que lhe deu uma tribuna de onde criticava o governo do presidente João Goulart e do governador de seu estado natal, Miguel Arraes, ambos apoiados por forças de esquerda.Nesse ano, perdeu a disputa pela presidência da UNE (União Nacional dos Estudantes) para José Serra, dirigente da UEE (União Estadual dos Estudantes de São Paulo).
Depois do golpe, Serra deixaria o Brasil exilado e Maciel daria início a uma bem-sucedida carreira política.Antes de testar sua popularidade nas urnas, Maciel foi secretário-assistente do governador Paulo Guerra, nomeado pelo novo regime para substituir Arraes.
Com a experiência acumulada no executivo, elegeu-se deputado estadual em 1966, pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido que dava sustentação à ditadura.Na legislatura seguinte, Maciel já estava em Brasília, para exercer o mandato de deputado federal.
Reeleito em 1974, se tornaria, três anos depois, presidente da Câmara dos Deputados, posição em que viveria um episódio desabonador para sua biografia.
Em abril de 1977, pouco mais de um mês após a posse de Maciel no cargo, o presidente Ernesto Geisel fechou provisoriamente o Congresso com o objetivo de implementar reformas que vinham sendo barradas pela oposição consentida, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).O objetivo das medidas, que ficaram conhecidas como o “pacote de abril”, foi garantir a hegemonia da Arena e, assim, na perspectiva do governo, dar prosseguimento ao projeto de distensão política.
O Congresso ficou fechado por duas semanas e, nesse período, o Executivo legislou com a colaboração do presidente da Câmara. Em declaração posterior, Maciel diria em sua defesa que “poderia ter sido pior” se ele e o então presidente do Senado, Petrônio Portela, também da Arena, não tivessem negociado com os militares.
Em depoimento aos historiadores Maria Celina D’Araujo e Celso Castro para o livro “Ernesto Geisel”, o general cita Maciel como um dos que cooperaram com o governo. “Nós nos reunimos nos dias da Semana Semana Santa no Riacho Fundo, tivemos muitos debates e por fim fomos redigindo a lei.”
Em “A Ditadura Encurralada”, Elio Gaspari diz que, enquanto o Congresso estava com as atividades suspensas, Maciel “despachava no Gabinete Civil e cruzava suas salas carregando pastas de papelão de cujo interior transbordavam tiras de documentos com pedaços da legislação estripada na produção da nova ordem política e eleitoral”.
A recompensa pela fidelidade ao governo veio no ano seguinte, quando Geisel o nomeou governador de Pernambuco, posto que assumiu em 1978. Com o fim do bipartidarismo, em 1979, foi um dos articuladores do PDS (Partido Democrático Social), herdeiro da base arenista.
Nessa legenda elegeu-se senador no pleito de 1982 e, já a partir do ano seguinte, passou a articular sua pré-candidatura à sucessão do presidente João Baptista Figueiredo. Como o PDS tinha maioria absoluta no Colégio Eleitoral, acreditava-se que quem vencesse a disputa interna no partido seria presidente.
Depois da derrota da emenda constitucional que reintroduzia a eleição direta, no entanto, Paulo Maluf emergiu como candidato, rachando o partido, e Maciel aderiu ao grupo dissidente Frente Liberal, que ajudou a eleger Tancredo Neves, do PMDB, no Colégio Eleitoral.
No governo José Sarney, o vice que assumiu com a morte de Tancredo antes da posse, Maciel foi ministro da Educação e, em 1986, chefe do Gabinete Civil, de onde fez a ponte entre o governo e o Congresso.
Em 1987 voltou ao Senado e se dedicou a defender uma pauta conservadora na Assembleia Nacional Constituinte. Sem chance de se firmar como pré-candidato à Presidência em 1989, Maciel apoiou o correligionário Aureliano Chaves no primeiro turno e fez campanha para Fernando Collor no segundo.
No início de 1991, assumiu a liderança do governo Collor no Senado, posição onde ficaria até setembro do ano seguinte, quando já estava evidente que o presidente seria afastado devido ao processo de impeachment. Após um hiato de poucos dias na oposição, Maciel voltaria às hostes do governo, agora apoiando Itamar Franco, o vice que foi catapultado à chefia do Executivo depois do afastamento de Collor.
Em 1994, ao defender que seu partido não lançasse candidato na eleição presidencial, desempenhou papel importante na costura do acordo entre o PFL e o PSDB, que resultou na eleição do tucano FHC.
O acordo pressupunha que o PFL indicaria o nome do vice na chapa. Maciel, que seria uma opção natural, foi vetado pelo PSDB pelo temor de que seu forte vínculo com a ditadura fosse explorado na campanha. Maciel só foi admitido na chapa depois que o escolhido, o senador alagoano Guilherme Palmeira, foi envolvido em denúncias de favorecimento a uma empreiteira.
O passado governista de Maciel foi efetivamente usado pelo candidato Lula contra a chapa encabeçada por FHC, que acusou o golpe, escondendo Maciel nos programas do horário eleitoral gratuito na televisão.
No governo, a partir de 1995, Marco Maciel conferiu importância à vice-presidência, posto que usava, com eficiência, para fazer articulações políticas. Em 2002 voltou ao Senado, mas em 2010, já filiado ao DEM, não conseguiu se reeleger naquela que seria a sua primeira derrota eleitoral desde que perdeu a UNE para Serra.
Deixou a vida pública com um patrimônio declarado tão magro quanto sua figura longilínea (pouco mais de 60 quilos distribuídos em 1,87 m). Autor de obras sobre a política brasileira contemporânea, Maciel foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2003 para integrar o chamado “grupamento dos expoentes”, formado por personalidades que não se destacam necessariamente por seus escritos.