O “braço-direito” de Dilma que pulou no colo de Bolsonaro
Foto: Joel Silva/Folhapress
Nos bastidores do governo Dilma Rousseff (PT), Anderson Braga Dorneles, 41, era conhecido como a pessoa que cuidava do iPhone e do iPad da então presidente da República, que recebia emails e ligações direcionados à petista e que era chamado de “menino” pela chefe.
Em março deste ano, o ex-assessor e braço direito de Dilma, que trabalhou por quase 20 anos com ela e foi citado na delação da Odebrecht, assumiu a presidência do Avante, no Rio Grande do Sul —partido que, no plano nacional, tem flertado com o bolsonarismo.
Anderson diz que é pré-candidato a deputado federal e que quer ajudar a legenda a superar a cláusula de barreira nas eleições de 2022.
Novo nome do PT do B (Partido Trabalhista do Brasil), criado em 2017 e liderado pelo deputado federal mineiro Luis Tibé, o Avante tem oito cadeiras na Câmara dos Deputados. É um dos partidos do chamado centrão —bloco parlamentar que se aproximou do presidente Jair Bolsonaro.
No ano passado, Bolsonaro nomeou uma deputada da legenda, a também mineira Greyce Elias, para uma das vagas de vice-liderança do governo na Câmara.
Anderson ingressou no Avante pela proximidade com Tibé. Meses depois de deixar o governo Dilma, em 2016, ele ajudou o deputado na disputa para a Prefeitura de Belo Horizonte. Uma foto dos dois no intervalo de um debate na TV, lembra ele, virou notícia mostrando o ex-assessor próximo a Dilma ao lado de um “algoz” dela, um deputado que votou a favor do impeachment da ex-presidente.
Tibé diz que não se arrepende do voto e vê seu partido como de centro. “Olhamos se a matéria é boa ou ruim, independente de quem seja o autor”, respondeu ele ao ser questionado se vê a legenda mais a favor ou na oposição ao governo.
Para o próximo ano, ele diz que é provável uma candidatura própria à Presidência com o deputado André Janones, outro parlamentar de Minas Gerais, que ascendeu no cenário nacional com a greve dos caminhoneiros de 2018 e passou Bolsonaro em engajamento no Facebook ao defender o auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia da Covid em 2020.
Além de Janones, crítico de Bolsonaro, Anderson aponta que a legenda abriga também nomes como o deputado federal Pastor Sargento Isidório (BA), próximo ao senador petista Jaques Wagner e presidente estadual na Bahia, e Marisa Lobo, presidente do partido no Paraná, bolsonarista.
“Não adianta ter uma identidade e não sobreviver à cláusula de barreira. Então, nosso principal objetivo hoje é fazer o número suficiente para passar o coeficiente nacional da cláusula de barreira. É nisso que a gente está focado. A polarização prejudica o nosso projeto”, analisa ele.
Em 2020, o Avante conquistou uma capital, Manaus, 50 prefeituras em Minas e registrou um caso curioso em Pernambuco, na cidade de Quixaba, onde elegeu o prefeito e todos os nove vereadores. Anderson diz que a previsão de pior cenário é dobrar as atuais cadeiras na Câmara no ano que vem.
Ele mesmo quer disputar uma vaga como deputado federal e diz que já está com metade da chapa montada, incluindo o nome de um jogador do Internacional, da geração que ganhou o Mundial em 2006. “Um segredo a sete chaves”, diz.
Anderson conta que conheceu Dilma aos 15 anos, quando trabalhava como office boy na FEE (Fundação de Economia e Estatística) e tinha a confiança dela para o pagamento de contas.
Quando Dilma assumiu a Secretaria Estadual de Energia, Minas e Comunicações do governo Olívio Dutra (PT), convidou o jovem para trabalhar com ela. Nos anos seguintes, ele a acompanhou no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil do governo Lula (PT), saiu para trabalhar na campanha pela primeira eleição dela em 2010 e seguiu como seu assessor até fevereiro de 2016.
Anderson foi quem recebeu a ligação do médico Roberto Kalil Filho confirmando que Dilma tinha um câncer, enquanto ela participava de um evento na Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), em 2009, e conta que chorou acompanhando as votações pelo impeachment, quando os dois já haviam se distanciado.
Na ocasião da saída dele do governo, um observador interno do Planalto disse à Folha que não havia ninguém tão perto do poder quanto Anderson, nem quem sofresse tanto quanto ele no governo.
“É impossível conviver com uma pessoa por 19 anos e não brigar. Você não tem uma mãe e uma avó brava às vezes, você fica bravo ou entende que o jeito dela é assim? Entende e a vida continua”, diz ele. “Hoje a gente fala muito pouco, os caminhos se distanciaram um pouco em política, é mais a relação pessoal mesmo.”
A Folha procurou a ex-presidente para comentar sobre sua relação com o ex-assessor, mas a resposta da assessoria de Dilma foi “sem comentários”.
Reportagens publicadas na época apontaram o rumor de que Anderson teria participação em um bar instalado no estádio Beira-Rio, que teve obras da Andrade Gutierrez, como uma das causas de sua saída. Ele nega e diz que foi a vontade de construir a própria trajetória e descolar um pouco de Dilma que o levou a sair.
“Ele nunca foi sócio, isso apareceu em matérias jornalísticas, mas nunca houve menção disso em delações premiadas ou processo judicial relativo a isso”, diz a advogada de Anderson, Danyelle Galvão.
O nome dele também foi citado por delatores da Odebrecht, entre eles o ex-presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, e Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de relações institucionais, que fazia a ponte entre a empreiteira e o Legislativo.
No depoimento, Marcelo afirma que o assessor de Dilma nunca havia pedido nada a ele, a não ser lugares em camarote no Carnaval do Rio de Janeiro e de Salvador, até falar sobre ajuda a um amigo.
A empreiteira, segundo os depoimentos, teria encaminhado então R$ 350 mil a Anderson, por dois intermediários, em parcelas de R$ 50 mil. Ele seria a pessoa ligada ao codinome “Las Vegas”, nas tabelas da empresa. Marcelo diz que fez os pagamentos por receio de que Anderson deixasse de repassar mensagens suas à presidente.
“Tenho a consciência muito tranquila que nunca fiz favor para a Odebrecht. Primeiro, se alguém pegou esse dinheiro tem que dar explicação e, segundo, se me entregou, tem que provar que me entregou”, diz Anderson.
No ano passado, uma decisão judicial da 9ª Vara Federal, em Brasília, determinou o bloqueio de até R$ 2,2 milhões das contas dele, em ação de improbidade administrativa. A medida também valia para os dois homens apontados pelos delatores como intermediários que supostamente recebiam os pagamentos em nome do então auxiliar, Fábio Veras e Douglas Rodrigues.
A advogada de Anderson diz que ele nunca foi formalmente citado na ação e que não tinha esse montante em conta, apenas o que recebe de salário. Desde fevereiro de 2019, Anderson trabalha na liderança do Avante na Câmara dos Deputados.
Com o cargo de presidente estadual da legenda no Rio Grande do Sul, ele resolveu voltar a Porto Alegre e irá aliar o projeto do partido para 2022 a um emprego na iniciativa privada, nas relações institucionais de uma fintech. Tibé diz que ter Anderson na presidência do partido no RS foi um caminho natural.