Presidente afastado do Ibama pede mudança na legislação

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Em defesa entregue nesta quarta-feira, 16, à Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ibama afirmou que não há irregularidades nas reuniões realizadas entre o presidente afastado do órgão, Eduardo Fortunato Bim,, e associações de madeireiros, para tratar de mudanças nas regras de exportação do material. O Ibama também fez uma longa argumentação técnica sobre o “despacho interpretativo” de Bim, que acaba com as autorizações de exportação para espécies comuns de madeira, sob o argumento de que já havia normas suficientes para permitir a fiscalização e trânsito do material e que as regras anteriores estavam defasadas.

O documento de 48 páginas, enviado pelo Ibama para prestar esclarecimentos sobre as acusações, não faz uma única citação ao nome do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que também é alvo do inquérito que apura suposto beneficiamento a madeireiros.

Ao se referir à sua decisão que dispensou as autorizações, a defesa de Bim declarou que o ato foi tomado em processo administrativo “inaugurado a partir do requerimento das associações” do setor, mas que sua decisão “é fruto de longo processo de aperfeiçoamento da regulação ambiental de exportação de madeira nativa, que vem sendo internamente discutido no Ibama desde 2015”.

“Quanto às reuniões com as entidades representantes do setor produtivo, tal rotina não deve ser criminalizada quando se trata de setores da autarquia ambiental que lidam com a fixação de parâmetros técnicos para tomada de decisão regulatória, sendo assim bastante comum ouvir as partes interessadas”, afirma a defesa.

O fim das autorizações de exportação é tema central da Operação Akuanduba, que foi autorizada no dia 19 de maio pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a pedido da Polícia Federal. A defesa do presidente do Ibama também foi enviada a Moraes.

As investigações da PF apontam para existência de um suposto “modus operandi” que passou a vigorar em exportações ilícitas de madeira, a partir de mudanças na legislação realizadas para facilitar a saída de material do Brasil, a pedido de madeireiros. Entre o fim de 2019 e início de 2020, o órgão ambiental havia recebido uma série de demandas de madeireiros para facilitar a exportação, mexendo nas regras de fiscalização. Na ocasião, empresas enfrentavam bloqueio de cargas, principalmente nos Estados Unidos, e procuraram a cúpula do Meio Ambiente para tentar resolver a situação.

A PF relata que a diretoria do Ibama se reuniu no dia 7 de fevereiro, em Brasília, com associações do setor, como a Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta) e a Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Pará (Aimex). As entidades reclamavam de apreensões de produtos florestais exportados sem a devida documentação pelas empresas Ebata Produtos Florestais Ltda e Tradelink Madeiras Ltda, para os Estados Unidos. Menos de um mês após o encontro, no dia 25 de fevereiro do ano passado, o presidente do Ibama editou o “despacho interpretativo”, que anulou a necessidade de autorização específica para exportação de madeira, ao suspender os efeitos de uma instrução normativa (15/2011) do próprio órgão.

Com a nova instrução do Ibama, os produtos florestais passaram a ser acompanhados apenas do chamado Documento de Origem Florestal (DOF), algo que, como alertou a própria área técnica do órgão ambiental, não era suficiente para garantir a fiscalização. O DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, para que a madeira seja levada até o porto, ou seja, é uma licença de transporte e armazenamento, enquanto a instrução até então vigente exigia uma autorização específica para exportação. Na prática, com a mudança, uma guia de transporte passou a valer no lugar de uma autorização do Ibama. Bim, no entanto, afirma que se trata de um documento moderno, complexo e que, uma vez integrado aos demais sistemas do Ibama, é plenamente capaz de cumprir sua função.

Segundo a defesa de Bim, a instrução de 2011, que foi suspensa por seu despacho, expunha “deficiências materiais da autarquia e a necessidade de evitar-se duplicidade de procedimentos sem ganho de controle ambiental”.

“Foi nesse sentido que foi sugerida naquela oportunidade a solução da questão pelo uso do DOF exportação enquanto licença de exportação para muitos dos casos”, declarou. “A IN Ibama n. 15/2011 padecia de toda a sorte de deficiências, normativas, técnicas, operacionais, sendo diagnóstico na autarquia a necessidade de nova normatização, cuja discussão encontrava-se em curso. Essa situação era proliferadora das mais diversas divergências práticas, as quais podem ser observadas entre Superintendências e mesmo entre setores como a fiscalização.”

Em sua defesa, o presidente do Ibama afirma que a PF “cometeu imprecisões ao apontar que inexistia amparo técnico anterior ao emprego do DOF-Exportação enquanto licença para exportação” e que atos anteriores da própria área técnica do Ibama já tinham apontado necessidades de aprimoramento nas regras. Hoje, o despacho interpretativo de Bim está suspenso, por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes.

No documento, o presidente do Ibama também nega ter afrouxado as regras. “Ao contrário do constante da representação da Polícia Federal, a alteração promovida pelo ato em foco não implicou, em nenhuma medida, redução ou limitação da ação fiscalizatória do Ibama.”

Em vez de prejuízo afirma que sua decisão trouxe os seguintes ganhos em termos de eficiência regulatória, como alocação eficiente de mão de obra, dispensando a lotação obrigatória de servidores do Ibama em entrepostos aduaneiros, redução do ônus regulatório para administração e administrado, por meio da digitalização do procedimento, e maior transparência do processo autorizativo e possibilidade de auditoria.

“O que se cristaliza mais uma vez não é a ausência de parecer técnico, mas a divergência de posicionamentos dentro da autarquia que foi solucionada pela autoridade máxima no regular exercício de suas competências regimentais e nos limites jurídicos”, declara sua defesa.

Problema seu. Na semana passada, o ministro Ricardo Salles procurou se afastar do principal foco das investigações da Operação Akuanduba. A estratégia do ministro foi declarar à Procuradoria-Geral da República que não tinha nenhum conhecimento prévio sobre o “despacho interpretativo” publicado por Bim. O ministro também negou ter realizado qualquer reunião com representantes do setor para tratar do assunto, apesar desta informação constar no inquérito policia.

As investigações da Operação Akuanduba, liderada pelo delegado de Polícia Federal, Franco Perazzoni, chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros, chegam a afirmar que Salles encontrou-se, no dia 6 de fevereiro, com representantes de associações das madeireiras, além de empresários, o presidente do Ibama e o diretor de Proteção Ambiental, Olivaldi Alves e parlamentares. Salles, porém, afirma que teve outro compromisso no dia e que o encontro acabou não comparecendo, embora este apareça em sua agenda oficial.

Mais do que isso, o ministro afirma que não teve nenhuma participação na decisão que levou à suspensão das autorizações de exportação por meio do despacho de Bim. “O Ministério do Meio Ambiente informa que o ministro Ricardo Salles não teve conhecimento prévio da decisão”, declarou, por meio de nota.

A reportagem conversou com pessoas próximas ao caso, dentro do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama. Todos são unânimes em dizer que uma decisão dessas jamais deixaria de passar pelo crivo do ministro, que monitora cada passo que é dado pelo Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), seja uma mudança normativa ou mesmo um simples posicionamento demandado pela imprensa.

Tenha ou não participado daquela reunião, especificamente, é sabido que o ministro já tinha conhecimento da demanda dos madeireiros, que desde o fim de 2019 estavam com dezenas de contêineres de madeira detidos nos Estados Unidos, justamente por carregarem material sem a autorização de exportação.

Estadão