Presidente da Câmara tenta mudar lei para se beneficiar

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Foto: Luis Macedo

Fiador de mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), já foi condenado em duas ações dessa modalidade na Justiça de Alagoas e pode se beneficiar de eventuais alterações nas regras de punição.

Os dois casos se referem à Operação Taturana, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal para apurar desvios na Assembleia Legislativa do estado, onde ele exerceu mandatos de 1999 a 2011. Um deles está praticamente parado em segunda instância há mais de cinco anos.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Lira até hoje ainda responde a processos de improbidade nos quais é acusado, entre outras suspeitas, de se apropriar de verba de gabinete do Legislativo e de pagamentos a funcionários.

Agora, como presidente da Câmara, ele é um dos articuladores de votação que afrouxa as normas dessa legislação, possibilidade criticada por integrantes do Ministério Público e ativistas anticorrupção. A proposta pode ser votada ainda nesta quarta (16).

Entre os pontos encaminhados pelo relator, Carlos Zarattini (PT-SP), estão a eliminação do tipo de improbidade “culposa” e trecho que estabelece que só o Ministério Público poderia encaminhar ações desse tipo —hoje a União, por exemplo, também pode cobrar ressarcimento de recursos dessa maneira.

Também muda as regras de punição com a perda da função pública, ponto especialmente sensível a Lira.

A proposta barra a perda do cargo em casos em que o acusado não ocupa mais o posto que motivou o processo, excetuando apenas casos “de caráter excepcional”. Um prefeito, por exemplo, não perderia o mandato em decorrência de uma ação da época em que foi secretário.

Lira foi processado e condenado à perda de função pública nos dois processos por acusações do período em que era deputado estadual. Desde 2011, ele é deputado federal.

A Lei de Improbidade Administrativa aborda situações em que o agente público provoca prejuízos aos cofres públicos, enriquece ilicitamente ou viola princípios da administração pública. Diferentemente do que ocorre na esfera penal, as penalidades não incluem a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos.

Se houver condenação colegiada (por um grupo de juízes), o réu pode ainda ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.

Especialistas dizem que eventual flexibilização na Lei de Improbidade beneficiaria, a partir da entrada em vigor, também quem tem ação em tramitação.

“A Lei de Improbidade trata de uma sanção. Se a sanção vai ficar mais branda, aplica-se imediatamente aos casos em trâmite”, diz o professor de direito Miguel Godoy, da Universidade Federal do Paraná.

O presidente da Câmara dos Deputados foi condenado em segunda instância por improbidade em 2016, mas conseguiu liminar de efeito suspensivo para concorrer na eleição de 2018, na qual foi eleito para seu terceiro mandato no Congresso.

Nessa condenação, os desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas consideraram que ele e outros deputados estaduais cometeram irregularidades na quitação, com dinheiro público da Assembleia, de empréstimos pessoais feitos no Banco Rural.

O caso, que permanece sob sigilo, está agora no STJ (Superior Tribunal de Justiça), instância equivalente ao terceiro grau.

A sentença da primeira instância afirmava que R$ 182,8 mil, em valores não atualizados, de verba de gabinete foram usados pelo parlamentar para pagar empréstimos junto ao banco e dizia que a perda de todos os cargos públicos seria “medida salutar”.

Uma segunda condenação por improbidade derivada da Operação Taturana está emperrada no Judiciário local desde 2016.

Sentença da primeira instância, em 2012, considerou que Lira e outros ex-colegas de Assembleia compraram com dinheiro da Casa uma caminhonete Mitsubishi para o então deputado João Beltrão, que morreu há dois anos.

O hoje presidente da Câmara era integrante da Mesa Diretora do Legislativo estadual no período em que ocorreram os desvios investigados na operação da PF.

Nessa ação, os réus argumentaram que não houve, nas atitudes tomadas, “dolo” —uma das figuras jurídicas que serão debatidas na alteração da Lei de Improbidade.

Em 2019, o Ministério Público de Alagoas cobrou a análise do caso na segunda instância citando que já haviam se passado dez anos desde a propositura da ação e mencionou os princípios “da economia processual e da duração razoável do processo”.

A Folha procurou o TJ de Alagoas e perguntou sobre as perspectivas para julgamento da ação, mas não houve resposta porque o caso também está sob sigilo.

Na esfera penal, Lira também ainda é acusado de crimes pelo escândalo na Assembleia. Em dezembro passado, um juiz de primeira instância de Alagoas rejeitou ação criminal aberta em 2018, afirmando que as provas foram colhidas por ordem da Justiça Federal sem que ela tivesse atribuição de determinar buscas no caso.

Mas um recurso da Promotoria contra o arquivamento ainda será apreciado pela segunda instância. As suspeitas tratavam de peculato e lavagem de dinheiro.

O deputado também foi alvo de três ações de improbidade na Justiça Federal no Paraná, em desdobramentos da Operação Lava Jato. Os processos cobravam a devolução de dinheiro desviado de esquema na Petrobras que envolvia o seu partido, o PP.

O hoje presidente da Câmara ficou com bens bloqueados a partir de 2016 por ordem judicial de primeira instância. Neste ano, porém, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu suspender esses processos. A defesa argumentou que, na esfera penal, as mesmas acusações contra o deputado já foram rejeitadas.

Procurado pela reportagem, Arthur Lira tentou se desvincular da elaboração das propostas de mudanças na Lei de Improbidade.

“O projeto de lei tramita desde 2018 na Câmara de Deputados e foi idealizado inicialmente por um grupo de juristas presidido por um ministro do STJ. São propostas técnicas e amplamente discutidas.”

Ele disse também: “Reduzir o trabalho coletivo de modernização da lei na suposta defesa de interesses pessoais é desconhecer o projeto e sua relevância. O que se pretende é racionalizar a ação de improbidade, evitar exageros e arbitrariedades”.

À Justiça a defesa dele tem rebatido as acusações decorrentes da Operação Taturana. Os advogados também afirmaram que houve irregularidades no trâmite das ações, como a violação ao princípio do juiz natural.

O QUE PODE MUDAR NA LEI DE IMPROBIDADE
Descrição dos atos de improbidade:
Como está hoje:
O texto da lei é muito genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação

O que pode mudar:
O projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência interpretativa da lei

Forma culposa de improbidade:
Como está hoje:
A lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição

O que pode mudar:
Proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei

Acordo judicial:
Como está hoje:
Lei proíbe expressamente a realização de acordo judicial

O que pode mudar:
O texto do projeto de lei estabelece a possibilidade de um tipo de conciliação entre as partes, tecnicamente chamado de acordo de não persecução cível

Titular da ação:
Como está hoje:
O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça

O que pode mudar:
O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta em trâmite na Câmara dos Deputados

Folha de S. Paulo