Pressionado, Bolsonaro cede e negociará patentes medicamentosas

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Foto: Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

Pela primeira vez desde o começo da pandemia, o Brasil sinaliza à OMC que está “pronto” para começar a negociar um acordo sobre vacinas que possa eventualmente incluir a suspensão de patentes. Mas insiste que, no debate, a questão central deve ser a operação para a transferência de tecnologia e que os interesses das empresas detentoras de patentes precisam ser considerados.

O gesto brasileiro na OMC, ainda assim, marca uma mudança na postura do país que, desde outubro de 2020, resistia a qualquer ideia de início de negociação.

Ao longo de meses, o Brasil foi um dos poucos países em desenvolvimento que se recusou a aderir à ideia de suspender patentes de vacinas, estratégias que poderia ampliar a produção de doses e que tinha o apoio de mais de 60 economias.

Agora, ainda que não declare seu apoio explícito ao fim das patentes, o Itamaraty optou por não criar obstáculo para o início de uma negociação. Por meses, os autores do projeto original – Índia e África do Sul – acusavam o Brasil de estar arrastando o processo para evitar o início de uma negociação de fato.

Num discurso, o embaixador do Brasil na OMC, Alexandre Parola, indicou que o país está “profundamente empenhado em fornecer soluções no âmbito da OMC para apoiar os esforços globais para acabar com a pandemia”.

“Não existe uma fórmula simples para enfrentar a vasta gama de desafios envolvidos no desenvolvimento, fabrico e distribuição de vacinas e terapêuticas em todo o mundo”, disse. “Como temos afirmado repetidamente, é necessária uma solução holística”, destacou.

Parola também atacou a disparidade na distribuição de vacinas. “É evidente que o mundo não está igualmente equipado para combater uma tal pandemia, e este desequilíbrio é algo que devemos abordar urgentemente”, disse.

“A produção de medicamentos e vacinas que salvam vidas está muito concentrada em certas partes do mundo. Esta pandemia provou que isto tem de mudar”, defendeu.

Destacando como tecnologias foram decisivas na pandemia, ele insistiu que elas precisam chegar a todos, “inclusive no mundo em desenvolvimento”.

“A disseminação deste conhecimento crucial iria certamente aumentar o nível de preparação do mundo para futuras ameaças”, disse.

Na visão do Itamaraty, as discussões na OMC ficaram muito concentradas na proteção da patente e “apenas marginalmente abordaram a transmissão de tecnologia e know-how, que poderá não fluir automaticamente para potenciais fabricantes de vacinas e terapêuticas uma vez que os direitos de patentes sejam licenciados ou renunciados”.

“Gostaríamos de ver discussões mais aprofundadas sobre a operacionalização desse importante aspecto prático que é fundamental para o sucesso de uma estratégia de suspensão de patentes”, propôs.

Ele ainda disse que o Brasil está *interessado em soluções que preservem a transparência e um nível suficiente de segurança jurídica para as partes interessadas, de modo a não perturbar os esforços de colaboração”.

“O Brasil apoiará qualquer solução que contribua para a construção de uma resposta mundial mais equitativa e eficiente para esta pandemia e para as futuras”, defendeu.

“O Brasil está pronto a iniciar negociações baseadas em texto relativamente a uma suspensão das disposições do TRIPS durante a pandemia”, confirmou. Segundo ele, o Brasil vai agir de forma “aberta e construtiva” com vista a “resultados tangíveis no mais curto espaço de tempo possível”.

O encontro nesta terça-feira em Genebra na OMC foi marcado pela apresentação da proposta da UE, que não prevê a suspensão de patentes durante três anos, como pedem as economias em desenvolvimento.

Para os europeus, o foco da resposta global deve ser um esforço em fechar acordos de licenciamento com empresas farmacêuticas. Apenas em última instância e sob condições rígidas, admitiria-se usar os instrumentos de propriedade intelectual já vigentes e quebrar patentes. Mesmo assim, neste caso, os donos originários das patentes, teriam de ser devidamente recompensados.

Ativistas e países mais pobres temem que a proposta represente uma defesa dos interesses das empresas farmacêuticas e que não acarrete na mudança profunda que se esperava na produção de vacinas.

Com a elevada concentração de imunizantes em apenas dez países do mundo e com China, EUA e Índia representando 60% de todas as doses administradas, a preocupação da OMS é de que a meta de vacinar 1 bilhão de pessoas contra a covid-19 nos países em desenvolvimento até o final de 2021 não será atingida.

Nos últimos meses e com esse risco já claro, Índia e África do Sul passaram a liderar um bloco de países emergentes que pedem na OMC a suspensão de patentes de vacinas. O objetivo era o de permitir que, durante a pandemia, o monopólio das grandes empresas fosse repensado e que laboratórios de todo o mundo pudessem fabricar versões genéricas dos produtos.

Assim, o abastecimento poderia ser facilitado, principalmente nos países mais pobres.

Surpreendendo o mundo, o governo de Joe Biden anunciou seu apoio ao projeto dos emergentes. Nos dias seguintes, China e Rússia também anunciaram que favoreceriam uma suspensão de patentes.

Apesar do apoio americano, a UE não cedeu. Na esperança de superar um impasse que já dura oito meses, as autoridades de Bruxelas sugerem um novo caminho, que envolve uma estratégia na qual o interesse de empresas farmacêuticas seja considerado.

Não há qualquer referência ao projeto de suspender as patentes por três anos, como querem mais de 60 países, para todos os produtos que possam servir para frear a pandemia.

Bruxelas, ainda assim, admite que, numa pandemia, “a exigência de negociar com o detentor dos direitos de patentes pode ser dispensada”. Mas isso implicaria que o dono da patente cedida a uma empresa de um país em desenvolvimento seja devidamente remunerada e a partir dos valores praticados no mercado onde os produtos genéricos seriam distribuídos.

Além disso, os europeus insistem que não há motivos para estabelecer novas regras e que os atuais acordos de patentes já são suficientes.

Antes de qualquer quebra de patente, governos devem negociar acordos de licenciamento voluntário com o setor privado.

Os europeus ainda apontam que a questão de patentes é apenas parte da estratégia e que um maior acesso de doses não ocorrerá pela quebra de direitos de propriedade intelectual.

Para a UE, o pacote deve envolver a facilitação do comércio e disciplinas para limitar as restrições à exportação. Na prática, o que os europeus insistem é que a estratégia deve ser focada, acima de tudo, na manutenção da abertura das cadeias de abastecimento.

“Os países produtores de vacinas deveriam exportar uma parte justa de sua produção interna”, defende a UE.

Outra vertente da proposta é “encorajar e incentivar fortemente os fabricantes e desenvolvedores de vacinas a expandir a produção e garantir o fornecimento adequado e acessível de vacinas a países de baixa e média renda durante a pandemia”.

Isso incluiria acordos de licenciamento, prevendo o compartilhamento de know-how, preços escalonados, fabricação sob contrato e novos investimentos em instalações de fabricação em países em desenvolvimento.

Sempre, porém, em acordo com a indústria.

“Possuir a propriedade intelectual de um produto não é o único fator que determina se uma determinada vacina pode ser produzida, muito menos se ela pode ser fabricada de forma rápida e segura”, defende a UE.

“Soluções voluntárias e cooperação público-privada são a forma mais eficaz de garantir o acesso equitativo global aos tratamentos e vacinas da COVID no menor tempo possível”, insiste o documento de Bruxelas.

Uol