STF vê Braga Netto como novo Pazuello

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Foto: MARCOS CORREA / PR

A politização dos quartéis, misturada à campanha presidencial antecipada, serviu para acender o sinal amarelo no Supremo Tribunal Federal (STF). A preocupação ganhou novos contornos por causa da falta de interlocução do ministro da Defesa, Braga Netto, com integrantes da Corte. Na avaliação de magistrados, Braga Netto virou “um novo Pazuello” e já demonstrou ter assumido perfil político para fazer tudo o que o presidente Jair Bolsonaro quer. Custe o que custar.

Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde investigado pela CPI da Covid e às voltas com um processo disciplinar no Exército, ficou conhecido pela total subordinação ao chefe. “É simples assim: um manda e outro obedece”, resumiu o general, em outubro do ano passado. À época, esta foi a justificativa de Pazuello para cancelar acordo com o governo de São Paulo, comandado pelo adversário João Doria, para compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac.

Braga Netto, na visão dos juízes, vai pelo mesmo caminho. Desde que Bolsonaro demitiu, há três meses, o então ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes militares, provocando uma crise na caserna, a relação do Supremo com as Forças Armadas passou ao estágio da mera formalidade burocrática.

Com expressivas manifestações de rua contra Bolsonaro, juízes temem novo ataque às instituições como revide, com ameaças de insubordinação de soldados, cabos e sargentos do Exército. Em conversas reservadas, ministros do Supremo observam que a violência e o abuso praticados por policiais militares, como se viu nos últimos dias em Pernambuco, Goiás e no interior de São Paulo, também parecem fazer parte de um movimento da militância armada em defesa da reeleição de Bolsonaro.

É exatamente aí que os caminhos de Braga Netto e Pazuello se cruzam. Bolsonaro pressiona o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, a não punir Pazuello, que no último dia 23 participou de um ato político, no Rio, apesar de ser general da ativa. Incentivado pelo presidente, que quer vê-lo candidato a governador ou até mesmo a deputado federal, em 2022, Pazuello discursou animadamente em cima de um palanque de trio elétrico.

Braga Netto nada falou sobre a transgressão disciplinar, ao contrário do vice-presidente Hamilton Mourão, que defendeu uma repreensão a Pazuello. À frente da operação apelidada ironicamente por aliados do Palácio do Planalto como “Fica na sua, meu Exército”, Bolsonaro ainda nomeou o ex-ministro da Saúde, nesta semana, para a chefia da Secretaria de Estudos Estratégicos da Presidência. Foi um prêmio dado a Pazuello, que blindou o presidente no primeiro depoimento à CPI da Covid e agora será blindado pelo governo. O recado de Bolsonaro para o Exército foi um só: “Quem manda sou eu”.

Do outro lado da Praça dos Três Poderes, porém, ministros do Supremo concordam com Mourão quando ele diz que, se nada for feito contra Pazuello, haverá o incentivo à “anarquia nos quartéis”. A um ano e quatro meses das eleições de 2022, existe o temor de que um barril de pólvora esteja prestes a explodir. Motivo: se um general pode desobedecer às ordens, levar apenas uma advertência verbal, como agora se cogita, e ainda ser anistiado pelo presidente, por que praças não podem ocupar as ruas em defesa de Bolsonaro? E por que não engrossar assembleias sindicais?

Em um ano pré-eleitoral, com o clima de polarização política que tomou conta do País, principalmente após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar à cena, e um governo acuado por um vírus ceifando vidas, a falta de controle da tropa tem potencial para significar novos motins e rebeliões. E, para magistrados, Braga Netto – no figurino de escudeiro número um de Bolsonaro – não segura manifestações assim.

Por ordem do presidente, aliás, o ministro da Defesa faz o que seu antecessor Fernando Azevedo e Silva e os três comandantes das Forças demitidos se recusaram a fazer na arena política e, se precisar, enfrenta o Supremo.

A Corte é vista pelo Planalto como “centro de ativismo político” para derrubar Bolsonaro. É por ali que passam investigações que vão desde inquéritos abertos para apurar o financiamento de fake news e atos antidemocráticos até brigas do presidente com governadores, tendo como alvo medidas de isolamento social na pandemia.

Dos 11 ministros do STF, Bolsonaro só nomeou até hoje Kassio Nunes Marques, mas no mês que vem contará com mais um aliado. Marco Aurélio Mello marcou a aposentadoria para 5 de julho e o presidente vai indicar para sua cadeira um nome “terrivelmente evangélico”. Tudo indica que será o atual titular da Advocacia-Geral da União, André Mendonça.

Na terça-feira, 1.°, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso deu uma sentença que reflete o desgaste nas relações entre a Corte e o governo. “Intime-se o ministro da Defesa para ciência desta decisão”, escreveu Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Relator de uma ação que pede a proteção da vida, da saúde e da segurança de índios Yanomami e Munduruku, ameaçados por violentos ataques de invasores, o magistrado demonstrou contrariedade com o argumento de que as Forças Armadas não têm verba para a operação. “Registro com desalento o fato de que as Forças Armadas brasileiras não tenham recursos para apoiar uma operação determinada pelo Poder Judiciário para impedir o massacre de populações indígenas”, observou o juiz.

Em 1992, quando o capitão da reserva Jair Bolsonaro estava proibido de entrar em unidades do Exército – já que no fim dos anos 1980 quase havia sido expulso da corporação por indisciplina ­–, seus colegas o ajudaram a organizar um protesto. Então deputado federal, Bolsonaro sentou no capô de seu Chevette azul e bloqueou a entrada para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Rio. Queria participar da formatura da turma de cadetes, que estava prestes a começar. Chamava o então comandante do Exército, Eraldo Tinoco, de “banana”. Só saiu de lá depois dos apelos do “Major Ramos” e, mesmo assim, em cima do capô do Chevette.

Hoje general, Luiz Eduardo Ramos foi transferido para a Casa Civil, antes comandada por Braga Netto, na dança das cadeiras de março. Amigo de Bolsonaro há mais de 40 anos, Ramos não tem, no entanto, a mesma preocupação de ministros do Supremo. Tomara que ele esteja certo.

Estadão