Agosto terá ruas fervendo politicamente
A manifestação em defesa do voto impresso organizada por apoiadores de Jair Bolsonaro (sem partido) e uma série de protestos da oposição ao presidente —à esquerda e à direita— nas próximas semanas confirmam a retomada das ruas em uma fase de arrefecimento da pandemia.
Eletrizados pela live desta quinta-feira (29) em que Bolsonaro fez seu principal ataque ao sistema de votação brasileiro e repetiu com alarde teorias já desmentidas sobre as urnas eletrônicas, bolsonaristas reforçaram o chamado para atos nacionais no domingo (1º) em defesa da bandeira.
Também nesta sexta-feira (30), a Campanha Nacional Fora Bolsonaro —núcleo de movimentos sociais, partidos e centrais sindicais responsável por quatro mobilizações pelo impeachment em 57 dias, entre maio e o sábado passado (24)— anunciou novas datas de manifestações em agosto e setembro.
Após um refluxo na adesão às marchas capitaneadas por setores da esquerda, líderes decidiram em reunião nesta sexta pulverizar as atividades. O retorno às ruas será em 18 de agosto, data para a qual já estava agendada uma paralisação nacional de servidores públicos.
Uma nova convocação nos moldes das que vêm ocorrendo, com passeatas no Brasil e no exterior, foi programada para 7 de setembro e será preparada em conjunto com o Grito dos Excluídos, tradicional levante promovido no feriado da Independência por alas da Igreja Católica.
Segundo comunicado divulgado pela campanha, também estão previstos atos pontuais ao longo de agosto contra o governo e o presidente, aproveitando datas como o Dia do Estudante (11). O objetivo da estratégia, afirmam os articuladores, é ampliar o alcance das mobilizações.
Antes rachada sobre a realização de protestos de rua em plena pandemia de Covid-19, a esquerda decidiu em maio disputar espaço com grupos bolsonaristas, que mantiveram a realização de atos favoráveis ao governo (inclusive com a presença do presidente) mesmo no auge da crise sanitária.
A oposição, no entanto, colocou como meta se diferenciar com a recomendação expressa de uso de máscara para evitar a disseminação do vírus e pedidos de distanciamento social e uso de álcool em gel como forma de atenuar o risco de contágio. A orientação, de modo geral, foi seguida.
Embora o número de mortes pela doença no Brasil já passe de 554 mil e o país tenha completado 190 dias seguidos de média móvel de óbitos acima de 1.000, sinais de que o problema começa a ser controlado se tornam mais evidentes à medida que avança, ainda que lentamente, a vacinação.
Os atos deste domingo em defesa da adoção do voto impresso são convocados por movimentos conservadores que dão suporte a Bolsonaro e por parlamentares da base de apoio do governo, com o endosso dos filhos do presidente, entre eles o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Estão previstas manifestações nas principais capitais e em cidades grandes e médias de vários estados. Em São Paulo, a concentração será na avenida Paulista, às 14h. O protesto no Rio de Janeiro está marcado para as 10h, em Copacabana, e em Brasília será às 9h, no Museu da República.
Após três anos denunciando supostas fraudes nas eleições brasileiras, Bolsonaro realizou uma transmissão ao vivo nas redes sociais nesta quinta para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações, mas só exibiu teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas.
Apesar de terem sido tratadas com descrédito pela maior parte dos universos político e jurídico, as declarações do presidente serviram para insuflar a mobilização de seus simpatizantes mais fiéis, que ecoam suposições de manipulação e antecipam o roteiro de uma revolta caso ele perca as eleições.
Pré-candidato para 2022, Bolsonaro está em seu pior momento de popularidade —é reprovado por 51% dos brasileiros, o maior índice desde que assumiu o Planalto, segundo o Datafolha— e vê o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderando com vantagem as pesquisas de intenção de voto.
Em outra frente de pressão, setores à direita que estão na oposição ao atual titular do Executivo anunciaram para 12 de setembro uma manifestação nacional contra ele, puxada pelos movimentos MBL (Movimento Brasil Livre) e VPR (Vem Pra Rua) e por líderes de partidos como Novo e PSL.
A convocação, que acentuou a tendência de divisão das ruas, ocorreu após o fracasso em tentativas de convencer integrantes do MBL e do VPR, que tiveram papel relevante nas passeatas pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), a aderirem às mobilizações que já vinham sendo feitas pela esquerda.
Foi decisiva para o racha a avaliação de setores dos dois movimentos de que os protestos tinham se convertido em eventos de apoio à pré-candidatura de Lula e incluíam também bandeiras com as quais discordam, como o enfrentamento à agenda liberal do ministro Paulo Guedes (Economia).
Partidos como PT, PSOL e PC do B e organizações como MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e CUT (Central Única dos Trabalhadores) estão na linha de frente das marchas iniciadas em maio.
Os sinais de cansaço dos manifestantes, materializados na menor presença de público em parte dos atos no sábado passado, obrigaram os articuladores a rever o planejamento de datas e estratégias para tentar interromper o esvaziamento da mobilização.
Apesar da redução no número de participantes em algumas das cidades, porta-vozes comemoraram o recorde de 509 atos no total, que, segundo o balanço oficial, reuniram 600 mil pessoas.
A perda de tração foi atribuída a fatores como a estagnação da pauta do impeachment, com a declarada oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ao andamento de algum dos mais de cem pedidos de destituição do mandatário que foram protocolados na Casa.
Além disso, Bolsonaro reforçou sua base parlamentar com a escolha de Ciro Nogueira (PP-PI), um dos líderes do centrão, para a Casa Civil, reduzindo as chances de que um eventual processo de deposição tenha votos suficientes para ser aprovado.
Outra questão considerada foi o período de recesso da CPI da Covid no Senado, que esfriou o noticiário sobre a atuação do presidente na crise sanitária e as suspeitas de corrupção na aquisição de vacinas.
Em nota divulgada nesta sexta, a Campanha Nacional Fora Bolsonaro disse que os organizadores “fizeram avaliação positiva das manifestações” de sábado e que a luta “prossegue até que se alcance o fim desse governo criminoso que destrói a vida, a economia e a nação”.
“Voltaremos às ruas no dia 18 de agosto, juntamente com os servidores públicos de todo o país, para dialogar com a população e chamar atenção para responsabilidade de Bolsonaro pela destruição de serviços públicos, privatização de estatais essenciais e lucrativas e pelo desemprego, aumento geral dos preços e da fome.”
Para essa data está prevista, segundo o fórum das maiores centrais sindicais do país, uma greve geral de servidores contra a reforma administrativa defendida pelo governo federal.
A Campanha Fora Bolsonaro também prevê protestos pontuais contra Bolsonaro em 5, 11 e 28 de agosto. Sobre o 7 de setembro, o comunicado informa que a ideia é trabalhar pela convergência com o Grito do Excluídos, no intuito de construir “um grande dia de mobilização nacional e unitário”.
“Assumimos o compromisso ainda de diversificar as ações e formas de luta da campanha, buscando especial aproximação com os ativistas da cultura, com a religiosidade progressista e com a luta dos povos indígenas”, afirma a nota.
Folha de SP