Bolsonaro tem plano de solapar a democracia
Foto: Reprodução
Os ataques à liberdade de imprensa são parte de uma estratégia mais ampla do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores para minar a democracia brasileira e manter o atual grupo político no poder.
Este foi o diagnóstico a que chegaram os participantes do debate online “Erosão da Liberdade de Expressão no Brasil”, realizado nesta quinta-feira (8) como um evento paralelo da sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Participaram da discussão o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, o presidente da Comissão Arns, José Carlos Dias, o escritor Paulo Coelho, o youtuber Felipe Neto, o advogado Pierpaolo Bottini e a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha.
A mediação foi da jornalista Laura Greenhalgh, diretora-executiva da Comissão Arns, que organizou o evento em parceria com a OAB.
De acordo com os debatedores, há um ataque organizado contra a imprensa sem precedentes desde o final da ditadura militar, com aval explícito do presidente da República.
“Quando o presidente ataca a imprensa, cria um movimento perverso contra jornalistas”, afirmou Bottini.
Segundo ele, Bolsonaro não planeja dar um golpe tradicional, mas sim promover um processo mais sutil de cerco à imprensa, com intimidação física, retórica e financeira contra jornalistas.
“Precisamos ser intransigentes ao defender a liberdade de expressão, revolucionários ao defender a lei e a Constituição”, afirmou ele, para quem o Supremo Tribunal Federal tem sido um aliado importante nesse processo.
Para Campos Mello, os apoiadores de Bolsonaro sentem que têm “luz verde para atacar jornalistas”. “A retórica agressiva do presidente tem levado violência às ruas”, afirmou ela, que citou diversos episódios de agressão física e verbal contra jornalistas, sobretudo mulheres.
A jornalista publicou reportagens na Folha denunciando o disparo ilegal de mensagens por apoiadores de Bolsonaro na campanha de 2018, e sofreu diversas ameaças por isso.
Para Santa Cruz, “a liberdade de usar palavras e expressões, um direito fundamental conquistado duramente”, está sob ataque no Brasil atual.
Ele previu que nos próximos meses a situação deverá se tornar ainda mais tensa, à medida em que a popularidade de Bolsonaro cai e a eleição presidencial se aproxima.
“Quando um rato tem medo, ele é mais agressivo. Precisamos estar atentos, porque os próximos meses serão decisivos para as instituições brasileiras”, afirmou o presidente da OAB.
Dias, da Comissão Arns, alertou que a liberdade de imprensa é a “grande arma para lutarmos nesse momento tão doloroso que estamos vivendo”.
Segundo ele, que presidiu a Comissão Justiça e Paz e foi ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), há um risco real de vermos o retorno de um clima de intimidação como o que existia durante a ditadura.
“Precisamos usar nossas vozes para que aquilo não se repita. Mais do que nunca, temos um dever com a democracia, uma obrigação com nossos filhos, nossos netos e nossos pais”, declarou.
Os debatedores foram unânimes em ressaltar que uma das estratégias para restringir a liberdade de imprensa é a busca por deslegitimar o papel de jornalistas, frequentemente com uso de redes sociais como ferramentas.
Para Felipe Neto, há uma “inversão de narrativas”.
“Temos uma situação muito alarmante. Bolsonaro e seus apoiadores gostam de inverter a narrativa e dizer que são eles os perseguidos e os grandes defensores da liberdade de imprensa. E as pessoas que não estudam isso a fundo acham que eles são os verdadeiros heróis”, afirmou o influenciador digital.
Ele alertou para o risco de uma proposta em gestação na Secretaria Especial da Cultura para tentar proibir plataformas de comunicação de excluir conteúdo que propague o ódio e a desinformação.
Neto disse que tem 33 anos, a “idade da Constituição”, e que sempre ouviu relatos sobre a censura e a perseguição do regime militar à imprensa. “Não vivi a ditadura militar no Brasil, nasci no mesmo ano da Constituição de 1988.
“Cresci ouvindo coisas sobre a ditadura de uma forma muito alarmante, e sempre tive medo de que isso pudesse se repetir”, afirmou.
Já o escritor Paulo Coelho alertou para o que considera o risco de que a vitimização por parte da imprensa cause paralisia na luta contra atos do atual governo.
“Não podemos aceitar o papel de vítimas, senão daremos a eles [bolsonaristas] o poder de serem nossos mestres, nossos executores”, afirmou o romancista.
Coelho pediu que jornalistas, comunicadores e artistas reajam à ofensiva contra a liberdade de expressão sem medo. “Não somos pessoas em extinção, como Bolsonaro disse. Estamos aqui e vamos resistir”, afirmou.
Ele deu como exemplo a atitude de Felipe Neto de ter distribuído 10 mil livros com temática LGBT em 2019, em resposta a uma tentativa do então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), de censurar uma história em quadrinhos em que havia a ilustração de dois homens se beijando.
“Eu tive inveja de você, Felipe, eu gostaria de ter tido aquela ideia”, disse Coelho.
Outra constatação do debate foi o fato de que o presidente muitas vezes extrapola seus poderes, por maiores que sejam. “Às vezes parece que Bolsonaro acha que foi eleito para ser um tirano, não para ser um presidente”, afirmou Greenhalgh.
Campos Mello concordou. “Não é porque ele foi eleito que pode atacar um jornalista, deslegitimar seu trabalho”, afirmou a repórter, que se mostrou pessimista sobre alguma mudança de curso na atitude do presidente e de seus apoiadores. “Não tenho ilusão de que isso vá parar, é a natureza desse governo”, declarou.
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