Casa Civil deu a partida em compra de vacina superfaturada

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Foto: Wallace Martins/Futura Press

A história a seguir se divide em quatro atos e é considerada pela cúpula da CPI da Pandemia um caminho promissor para a investigação de suposto favorecimento por parte do governo à Precisa Medicamentos, empresa que intermediou a venda de 20 milhões de doses da vacina Covaxin ao Ministério da Saúde. Primeiro ato: em 23 de dezembro do ano passado, onze técnicos dos ministérios da Saúde, da Economia, das Relações Exteriores e da Casa Civil se reuniram para discutir se deveria ser fixada em lei a criação de um seguro para eventuais efeitos adversos provocados por vacinas contra o novo coronavírus. O seguro havia sido exigido pela Pfizer e pela Janssen, que não aceitavam ter de assumir possíveis indenizações a pacientes em caso de danos colaterais provocados pelos seus imunizantes. Após muito debate, os onze técnicos — entre eles, o então secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco — elaboraram a minuta de uma medida provisória (MP) que previa expressamente o seguro e, assim, tinha potencial para destravar as negociações com as duas farmacêuticas, acusadas pelo presidente Jair Bolsonaro de tentar impor cláusulas leoninas. Naquele dia, o Brasil já tinha ultrapassado 190 000 mortes em decorrência do vírus.

Segundo ato: em 3 de janeiro, um voo fretado decolou do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, rumo a Nova Délhi, na Índia. A bordo, entre outros passageiros, dois cônsules e o empresário Francisco Emerson Maximiano, dono da Precisa Medicamentos. Após uma escala em Doha, no Catar, o grupo desembarcou na capital indiana, para aquela que seria a primeira de duas reuniões em que Maximiano atuaria in loco para viabilizar o contrato de importação da Covaxin, que só seria formalizado em 25 de fevereiro. Terceiro ato: em 6 de janeiro, a MP foi publicada e — ao contrário do que ficara acordado entre os técnicos dos quatro ministérios que se reuniram em dezembro — o trecho que previa o seguro para indenizações contra danos adversos havia sumido sem maiores explicações. Uma surpresa ruim para a Pfizer e a Janssen, mas excelente para o dono da Precisa. No mesmo dia, Maximiano e sua comitiva, ainda na Índia, reuniram-se com o embaixador do Brasil no país, André Aranha Corrêa do Lago, e expuseram seus planos, registrados posteriormente em telegramas diplomáticos.

Max, como é conhecido o empresário, disse ao embaixador que atuava em prol da importação de doses da Covaxin e afirmou que cerca de 90% do mercado de vacinação privada no Brasil era abastecido por apenas três companhias: GSK, Sanofi e Pfizer. Acrescentou ainda que a sua missão à Índia e a parceria com o laboratório Bharat Biotech, o fabricante da Covaxin, ajudariam a “romper esse oligopólio”. No seu relato, ele omitiu que o caminho para seus negócios havia se tornado mais favorável com a exclusão do seguro na medida provisória e, portanto, com a retirada, mesmo que temporária, da Pfizer e da Janssen da lista de potenciais fornecedoras de vacinas para o mercado brasileiro. O quarto ato lhe deu razão. No dia seguinte, 7 de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro enviou uma carta, por mala diplomática, ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, demonstrando o interesse do Brasil na AstraZeneca e na Covaxin. Essa cronologia foi relatada em minúcias a um grupo seleto de senadores que integram a CPI da Pandemia por uma pessoa cuja identidade é mantida em sigilo. Desde o início de seus trabalhos, a comissão já recrutou cinco informantes, que buscam uma espécie de delação premiada informal — contarem seus segredos em troca de não serem importunados pela apuração parlamentar.

Dois dos informantes abasteceram a CPI com informações sobre as transações de Max, encaminharam detalhes da reunião sobre a cláusula do seguro que permitiria a venda de vacinas pela Pfizer e pela Janssen (venda que só foi possível meses depois graças a uma lei de iniciativa do Congresso) e apontaram a artilharia para personagens graúdos do Planalto. Ainda sem apresentar provas, os informantes insinuaram que as ordens para privilegiar a Covaxin em detrimento de outros imunizantes envolviam o então chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, atual ministro da Defesa, e seu sucessor no posto, o também general Luiz Eduardo Ramos, ambos da estrita confiança de Bolsonaro. Numa reunião informal entre integrantes da cúpula da CPI, cogitou-se a convocação dos dois ministros, mas a iniciativa foi rechaçada. O terreno, no entanto, está sendo pavimentado. “Os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia. Fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), referindo-se a coronéis que ocuparam cargos na Saúde.

A reação foi imediata. Em nota, Braga Netto e os comandantes das forças militares negaram irregularidades e disseram que a afirmação é “uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”. A refrega, ao que parece, está só começando. Um dos informantes da comissão contou que, na gestão de Eduardo Pazuello, questões estratégicas sobre vacinas eram debatidas diretamente entre Braga Netto e o grupo do então secretário-executivo Elcio Franco. As ordens, disse, eram repassadas como na hierarquia militar, do general para o coronel da reserva sem maiores questionamentos. O processo teria continuado sem percalços quando Ramos substituiu Braga Netto na Casa Civil. O informante não fala expressamente que tenha havido corrupção dos militares no caso da Covaxin, mas insinua que apaniguados de políticos no Ministério da Saúde, feudo de parlamentares do Centrão, tinham carta branca para tudo. Um desses apaniguados, Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, prestou depoimento na quarta-feira 7 à CPI. Ele recebeu ordem de prisão do presidente da comissão, Omar Aziz, por supostamente mentir ao contar sua versão sobre a acusação de que cobrou propina de um atravessador que dizia negociar em nome da AstraZeneca.

Antes disso, no entanto, Ferreira Dias atribuiu a Elcio Franco a coordenação de todo o processo de compra de vacinas, inclusive da Covaxin. Soou, assim, como música aos ouvidos dos adversários do governo. “O senhor Elcio Franco entra agora como foco das questões da CPI”, disse o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Os cinco informantes já forneceram documentos, cópias de contratos sigilosos e fotografias de personagens implicados em compras suspeitas de vacinas para a Covid. Três deles, funcionários terceirizados do Ministério da Saúde, temem ter a identidade exposta e sofrer represálias. Um quarto informante, funcionário de carreira, ainda não concordou em prestar informações publicamente, como fez Luis Ricardo Miranda, o servidor responsável pelo setor de importações do Ministério da Saúde que disse ter sido alvo de pressões indevidas para favorecer a compra da Covaxin. A CPI quer passar essa história a limpo. A partir da análise dos dados colhidos com a quebra de sigilos de Maximiniano e da Precisa, a comissão já está escrevendo o quinto ato da história. O objetivo é claro: no capítulo final, responsabilizar Bolsonaro ou, pelo menos, seus ministros mais próximos.

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