Nova onda de covid apavora mercados
Foto: Michael Nagle – 19.mar.2020/Xinhua
A disparada de novos casos de coronavírus causados pela variante delta trouxe um dia de sangria para os mercados do Brasil e do mundo. O temor de que novos lockdowns sejam necessários e o risco de que a recuperação econômica demore a acontecer deixaram a maioria das Bolsas no vermelho e elevaram a busca pelo dólar.
O recuo nas ações, que veio depois de meses de ganhos constantes em mercados do mundo todo, também refletiu preocupações de que o crescimento econômico gerado pela reabertura de indústrias depois do fechamento no ano passado possa atingir o pico justamente quando a inflação aumenta na Europa e nos EUA.
“As valorizações e o sentimento alcançaram altas extremas de crescimento”, disse Ewout van Schaick, diretor de investimento em multiativos na NN Investment Partners. “Agora, é claro, o renascimento do vírus está causando incerteza sobre o progresso econômico nos próximos meses.”
O estado de Nova York registrou no sábado mais de 1 mil casos de Covid em um dia pela primeira vez desde meados de maio, enquanto as autoridades de países como Austrália e Vietnã lutavam contra o aumento das infecções. Singapura endureceu as restrições de distanciamento e os preparativos para os Jogos Olímpicos de Tóquio foram contidos por um surto de coronavírus.
A Inglaterra levantou a maioria das restrições ligadas ao coronavírus na segunda, enquanto mais de 500 mil pessoas, incluindo o primeiro-ministro Boris Johnson, foram instruídas a se isolarem depois de entrar em contato com pessoas infectadas.
“A crescente apreensão em torno do agravamento global contribuiu para a aposta em títulos do Tesouro que suspeitamos que tem amplo espaço para se estender”, disse Ian Lyngen, chefe de estratégia de índices dos EUA na BMO Capital Markets.
No Brasil, o Ibovespa, principal índice acionário do país, encerrou a sessão desta segunda-feira (19) em queda de 1,24%, aos 124.394 pontos, no menor patamar desde maio. O volume financeiro da sessão somou R$ 29,2 bilhões.
Entre as piores quedas do índice estavam as ações de Americanas e Lojas Americanas, que despencaram 8,94% e 8,78%, respectivamente, no primeiro pregão após a conclusão da combinação dos negócios entre a empresa de comércio eletrônico B2W e sua controladora Lojas Americanas.
Para o estrategista da Davos Investimentos, Mauro Morelli, apesar do mau humor nos mercados, o movimento ainda não pode ser visto como uma reversão da alta que as Bolsas vinham apresentando.
“Houve uma realização [de lucros] bastante forte. Os mercados estavam em máximas históricas e isso não deve ser considerado algo fora do normal. Além disso, apesar de existir uma crescente preocupação em relação ao aumento do número de casos por causa da variante delta, o assunto não é novo. Acredito que ainda não é uma reversão de tendência, mas sempre temos que ter um pouco mais de atenção”, afirmou.
Os papéis da Petrobras também fecharam em baixa. As ações ordinárias (com direito a voto) caíram 1,03%, enquanto as preferenciais (sem direito a voto), recuaram 1,57%.
O movimento veio na esteira do tombo do petróleo Brent, padrão internacional de petróleo, após a Opep+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados) ter fechado um acordo para o aumento da produção –o que reforçou o viés negativo nos mercados em meio a preocupações quanto a um excesso de oferta da commodity.
O acordo da Opep+ determinou um aumento de produção em 400 mil barris por dia a cada mês até 2022, embora os corretores tenham dito que essa quantidade foi amplamente prevista pelo mercado.
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos superaram diferenças sobre como calcular as metas de produção, concordando que os grandes produtores do grupo terão os chamados níveis de produção básicos revisados para cima, embora não seja provável que isso aumente a oferta de petróleo em curto prazo.
Alguns participantes do mercado acreditam que a Opep+ está sendo demasiado otimista sobre os equilíbrios de oferta e demanda, porém, com enorme incerteza sobre como será a recuperação da demanda após a pandemia.
Analistas da Facts Global Energy disseram que o grupo definiu “um caminho de produção muito otimista durante o próximo ano”.
O Brent teve queda de 6,75%, chegando a US$ 68,62 (R$ 356,67) o barril. A queda acentuada do Brent Crude atrapalhou apostas mais amplas sobre ganhos futuros.
O tom negativo também predominou nas Bolsas americanas e europeias. Em Wall Street, os índices Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq encerraram a sessão desta segunda-feira (19) em quedas de 2,09%, 1,59% e 1,06%, respectivamente.
As ações europeias, por sua vez, fecharam em queda de mais de 2% e tiveram sua pior sessão em nove meses. Estendendo as perdas da semana passada, o índice pan-europeu Stoxx 600 caiu 2,3%, com todos os setores no vermelho.
A maior queda entre os índices europeus foi registrada pela Bolsa de Milão, 3,34% no dia, aos 23.965 pontos. O índice PSI20, em Lisboa, registrou baixa de 2,70%, aos 4.894 pontos, enquanto o índice acionário alemão Dax caiu 2,62%, aos 15.133 pontos.
Em Londres, o índice Financial Times registrou queda de 2,34%, aos 6.844 pontos. Em Paris, o CAC-40 teve recuo de 2,54%, para 6.295 pontos, e em Madri o índice Ibex-35 teve baixa de 2,40%, aos 8.301 pontos.
O índice regional Stoxx Europe 600, que conta com empresas capitalizadas de 17 países da Europa, perdeu 2,3% em sua maior queda de preços em um dia em 2021.
Os preços das commodities também baixaram, e investidores procuraram o porto seguro dos títulos do governo. Isso ajudou a levar o rendimento do papel do Tesouro de dez anos a seu nível mais baixo em seis meses, prolongando uma mudança no sentimento do investidor enquanto temores de inflação disparada davam lugar a preocupações progressivas sobre a manutenção do crescimento nos EUA, agravadas pela disseminação da variante delta.
Os futuros do cobre para três meses, um termômetro do provável crescimento econômico, caíram 1,4%, para US$ 9.311 a tonelada.
“Do lado das commodities metálicas, o destaque foi para a queda do minério de ferro e do aço após o governo chinês reforçar que irá ficar de olho nas reservas das empresas para evitar novas altas nos preços”, afirmou o analista da Clear Corretora, Rafael Ribeiro.
O rendimento do título do Tesouro americano para dez anos —referência para ativos em todo o mundo— caiu 0,10 ponto percentual, para 1,19%, seu nível mais baixo desde meados de fevereiro. O rendimento do Bund alemão para 10 anos caiu para menos 0,39% e sobre o gilt britânico para dez anos, 0,56%, ambos pisos em cinco meses.
Os títulos do governo alemão vêm se recuperando há semanas conforme parte de ansiedade aguda sobre a inflação neste ano começou a diminuir. Mas os movimentos desta segunda marcam uma aceleração importante da queda em rendimentos e uma mudança de tom enquanto os ganhos em títulos chegam juntamente com uma liquidação de ações.
“Esta é a percepção do mercado de que estamos nos movendo de uma clara recuperação em forma de V para algo muito mais incerto”, disse Mohammed Kazmi, gerente de portfólio na Union Bancaire Privée. “A esperança era que as vacinas nos oferecessem o fim do jogo. Agora os investidores estão olhando para o Reino Unido e há um certo medo com relação a reabrir tão agressivamente quando os casos continuam tão altos.”
A libra esterlina caiu 0,7% contra o dólar, para US$ 1,3665 (R$ 7,10), seu menor nível desde o início de fevereiro. O índice do dólar, que mapeia o progresso da verde contra moedas importantes, subiu 0,2%.
Economistas esperam que a economia americana tenha crescido a um índice anual de 9% no segundo trimestre do ano, mas que se modere daí em diante. Novos dados deverão sair no final deste mês.
Os preços ao consumidor nos EUA aumentaram 5,4% em junho, ano a ano, depois de gargalos na cadeia de suprimentos relacionados à pandemia e trilhões de dólares em estímulo monetário e fiscal. A inflação também superou a meta do Banco da Inglaterra no mês passado.
O dólar, por sua vez, registrou alta na sessão desta segunda-feira (19), com a maioria dos investidores buscando proteção na moeda. A divisa encerrou o dia com ganhos de 2,61%, cotada em R$ 5,25, na maior valorização diária em dez meses.
O mercado de câmbio também ficou sob intensa pressão vinda do exterior, onde moedas e outros ativos de risco foram alvejados por temores econômicos decorrentes de novos saltos de casos de Covid-19 em alguns países.
“Embora continuemos esperando que o dólar passe a cair nos próximos meses, a incerteza de curto prazo em torno do crescimento global e das perspectivas da política monetária argumenta contra novas vendas por enquanto, em nossa opinião”, disseram estrategistas do Goldman Sachs em nota.
No mercado, comenta-se ainda que a forte alta local do dólar esteve relacionada à ideia de que o Banco Central pode acabar sendo menos agressivo nas altas de juros devido ao clima global mais arisco que pode arrefecer o crescimento econômico.
A próxima reunião de política monetária do Copom está marcada para 3 e 4 de agosto.
No pacote de moedas emergentes, o real ficou entre as divisas com piores retornos vista, perdendo apenas para a platina.
Na visão dos economistas, um agravamento da pandemia com a variante delta poderia colocar em risco o princípio de recuperação que o Brasil experimenta este ano.
No primeiro trimestre, o PIB (Produto Interno Bruto) avançou 1,2% e, embora essa retomada ainda não se faça sentir por boa parte da população (em um cenário de desemprego e inflação elevados), o avanço na vacinação contra a Covid-19 tinha elevado as expectativas para a atividade econômica.
Para José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), com as incertezas da pandemia, é como se a economia caminhasse arrastando uma bola de ferro, que dificulta a recuperação.
“Não consigo ver uma recuperação sem percalços da economia mundial e da brasileira em um horizonte próximo. Pelo visto, estamos vendo um ressurgimento de casos, que funciona como inibidor da economia, e em alguns momentos vamos tomar sustos”, diz.
Senna lembra que incerteza e insegurança são as fontes dos problemas atuais e fatores inibidores de investimentos e de gastos das famílias.
O economista Pedro Fernando Nery tem uma visão semelhante. Para ele, a variante representa um risco relevante para a recuperação, no momento em que as coisas pareciam melhorar.
“Já estamos com um desemprego elevado, e a população sofrendo com a falta de renda e o aumento dos preços. É uma situação dramática, que não observamos em 2020, por conta do auxílio emergencial mais robusto, mas ficamos sem auxílio em boa parte deste ano e ele voltou reduzido.”
Ele ressalta que a pobreza teve um aumento expressivo, pois o governo apostou no fim da pandemia e não se planejou para a segunda onda. “Então, corremos um novo risco com a nova variante, partindo de um patamar de miséria já muito elevado.”
”As novas variantes podem conter um pouco do crescimento mundial”, avalia a Rio Bravo. A consultoria lembra que o Brasil ter cerca de 15% de sua população completamente protegida é insuficiente para garantir a imunidade de rebanho que permitiria a reabertura completa.
“As novas variantes adicionam uma preocupação sobre o controle da pandemia nos próximos meses, com alguns estados registrando a transmissão da delta.” Segundo a consultoria, também pesam os gargalos nas cadeias de produção, que começam a afetar as projeções de crescimento econômico no mundo.
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