Partido nazista alemão visitou Bolsonaro para ganhar apoio
Foto: Reprodução/Instagram
Ao posar pra fotos ao lado da deputada alemã Beatrix von Storch, de partido investigado por propagar ideias neonazistas, o presidente Jair Bolsonaro expõe seu isolamento político internacional, de acordo com a cientista política Carolina Pavese, da ESPM. Sem poder se aproximar de outros líderes de Estado, que o rejeitam, sobra ao presidente tentar demonstrar que há endosso a suas pautas fora do Brasil com “poucas e patéticas” oportunidades, como o encontro com a alemã. Na visão da pesquisadora, para a deputada alemã a visita a Bolsonaro tenta legitimar o Alternativa para a Alemanha, seu partido.
Oficialmente, o que trouxe von Storch ao encontro dos bolsonaristas não foi dito de forma clara por ela nem por quem a recebeu. “Conservadores do mundo se unindo para defender valores cristãos e a família”, disse a deputada Bia Kicis (PSL-DF). “Unidos por ideais de defesa da família, proteção das fronteiras e cultura nacional”, complementou Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Na foto em que a própria deputada publicou, Storch escreveu que o presidente brasileiro tem “uma clara compreensão dos problemas da Europa e dos desafios políticos de nosso tempo”.
Para Carolina Pavese ao Estadão, a visita é mais uma questão de narrativa e simbolismo. “O AfD (Alternativa para a Alemanha, na sigla em alemão, partido de von Storch) não permite diálogo democrático, rejeita isso. Ela só vai ter diálogo com seus análogos”, afirma.
Von Storch coleciona polêmicas. Durante uma reunião de seu partido, num hotel de Kassel, em fevereiro de 2016, dois homens vestidos de palhaços se aproximaram da deputada cantando parabéns; num movimento rápido, um deles jogou o bolo em seu rosto (veja o vídeo abaixo). Ela reclamou do episódio dizendo que não se deve dialogar com quem interrompe reuniões daquela forma. O protesto foi reivindicado depois por um grupo chamado Peng, como noticiou a agência Deutsche Welle. Eles disseram que foi uma resposta à concordância de von Storch à ideia de que as forças de seguranças deveriam ser autorizadas até a atirar em mulheres com crianças que estivessem entrando ilegalmente na Alemanha. Em 2018, ela foi temporariamente banida do Twitter e passou a ser investigada por discurso de ódio após chamar muçulmanos de “horda de estupradores e bárbaros”.
“O AfD não se coloca explicitamente com partido neonazista e busca, muitas vezes em vão, desvincular-se dessa associação. Na prática, porém, isso tem sido cada vez mais difícil”, diz Carolina. Entidades como a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e o Museu do Holocausto reagiram à vinda de von Storch ao Brasil.
Leia a entrevista abaixo.
O perfil do AfD pode ser considerado neonazista?
A Alemanha tem uma política clara que não permite a participação de grupos declaradamente neonazistas na política institucionalizada. Assim, o AfD não se coloca explicitamente com partido neonazista e busca, muitas vezes em vão, desvincular-se dessa associação. Na prática, porém, isso tem sido cada vez mais difícil. Alguns membros do partido foram denunciados como membros de organizações neonazistas. Alguns foram expulsos numa estratégia do partido de tentar sinalizar que de fato não tem vínculo com organizações neonazistas. Partidos de extrema-direita precisam ser monitorados pelos serviços de inteligência da Alemanha. Há dois anos, o AfD foi colocado numa vigilância mais severa para poder monitorar ações do partido que vão na linha da violação ao Estado de Direito e da Constituição. Isso aconteceu justamente porque o partido endossa discursos que vão contra a república alemã.
A pauta anti-imigração é o que explica o perfil de ultradireita do AfD?
O AfD foi criado em 2013 a partir de uma mobilização de acadêmicos, com uma agenda crítica em especial à participação da Alemanha na zona do euro. Em 2015. o partido deu uma guinada à extrema-direita e capitalizou em cima da crise de migração se opondo à política de acolhimento de refugiados de Merkel. O partido, até então pouco conhecido, foi o terceiro mais votado nas eleições regionais de 2017. Agora aparece com o terceiro favorito para as próximas eleições de setembro de 2021, com as pesquisas apontando entre 10-12 % das intenções de votos para o partido, o que o deixaria com o mesmo resultado de 2017.
Qual seria o interesse do contato de von Storch com os bolsonaristas?
Beatrix será candidata nas eleições gerais de setembro de 2021 na Alemanha. Ela tem uma agenda que endossa toda a agenda do partido, uma agenda conservadora, nacionalista, anti-imigração, que se encontra limitada a transitar e a dialogar com políticos de outros países que tenham uma agenda que se identifique com a dela. O AfD não permite diálogo democrático, rejeita isso. Ela só vai ter diálogo com seus análogos. A visita ao Brasil tem o papel simbólico de legitimar a existência de seu próprio partido e de mostrar que há reconhecimento internacional, mesmo que limitado.
O que Bolsonaro sinaliza ao receber a parlamentar e aparecer a seu lado mesmo depois de duras críticas contra deputados que fizeram o mesmo?
O Brasil atravessa uma crise de reputação internacional sem precedentes. São poucos os chefes de Estado que gostariam de ser vistos como aliados do presidente brasileiro. Sobraram poucas oportunidades de diálogo. O que sobra de estratégia é se agarrar às poucas e patéticas oportunidades de estar com personalidades internacionais. Aí, sobram representantes de partidos que se identificam com a linha de governo bolsonarista. O encontro com Beatrix é também uma provocação à oposição, que mostra a agenda do presidente. Ele desafia a oposição a questioná-lo. Ele gosta de incitar esse debate e de chocar a oposição ao colocar-se ao lado de líderes de extrema-direita com agenda neonazista e que reforça princípios do bolsonarismo.
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