Aras pode sofrer forte oposição no Ministério Público
Foto: Pedro França/Agência Senado
A recondução de Augusto Aras ao comando do Ministério Público Federal injetou dose de pessimismo em setores da instituição.
Não havia dúvida quanto à aprovação de seu nome pelo Senado, mas o placar amplamente favorável a ele (foram 55 votos a 10), após uma sabatina que não lhe impôs dificuldades, foi encarado como sinalização de que a toada no MPF seguirá a mesma nos próximos meses.
Pelo menos até as urnas de 2022, não se espera do procurador-geral da República nenhuma mudança de rumo. A tendência do chefe do MPF é continuar alinhado aos interesses do Palácio do Planalto e do presidente Jair Bolsonaro.
Esse cenário é encarado com desânimo por quem é responsável por áreas do MPF encarregadas de lidar com assuntos sensíveis ao bolsonarismo, tais como meio ambiente e direitos humanos.
Integrantes da Procuradoria ouvidos pela Folha se ressentem da falta de respaldo da atual cúpula da PGR (Procuradoria-Geral da República) para tocar apurações nessas áreas e acreditam que a situação tende a se agravar à medida que as eleições se aproximem.
Um trecho da sabatina de Aras na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado é apontado como exemplo dessa alegada falta de apoio.
Em sua intervenção, o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS) reclamou da atuação de procuradores da República sobre questões fundiárias envolvendo indígenas.
“Hoje tem centenas, tem dezenas de processos, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, de procuradores entrando com ação contra os produtores rurais, com multas milionárias, porque romperam o campo nativo”, afirmou Heinze sobre interpretações mais rigorosas da Procuradoria sobre a legislação.
O procurador-geral deu razão a Heinze, um dos principais aliados de Bolsonaro no Senado. “Mas Vossa Excelência tem muita razão quando se queixa que muitos colegas dão interpretações que refogem ao autor da lei”, disse Aras.
“Eu tenho me debatido muito no âmbito dos meus colegas que tratam da matéria indígena para que todos possam ler o capítulo dedicado aos indígenas como está aqui na Constituição, mas sei que há uma natural tendência ideológica de alguns de escreverem a sua própria Constituição”, afirmou.
E prosseguiu: “É para isso que existem os órgãos correcionais, é para isso que existem os tribunais para retificar as condutas ilegais. É para isso que existem homens como Vossa Excelência, que conhecem a matéria com profundidade, para denunciar os eventuais excessos e desvios”.
Ao defender sua recondução por mais dois anos na PGR, Aras se comprometeu “a fortalecer o Ministério Público no caminho delineado pela lei maior, harmonizando unidade e independência funcional” de seus integrantes.
Na visão de procuradores que atuam na Justiça Federal nos estados, essas declarações emitem sinais contrários e demonstram a falta de respaldo institucional por parte do chefe da PGR.
Historicamente, procuradores e procuradores regionais da República que atuam na primeira e na segunda instância da Justiça Federal são o foco de maior oposição interna à cúpula do MPF.
Entre os subprocuradores-gerais da República, topo da carreira do qual Aras também faz parte, a relação sempre foi de maior proximidade. No entanto, o atual chefe do MPF conseguiu um feito: despertar um antagonismo mais forte entre seus pares próximos.
Nas semanas que antecederam a sabatina, em meio às declarações golpistas de Bolsonaro, ficou bem evidenciado um número crescente de subprocuradores em oposição a ele.
Um grupo em torno de 30 subprocuradores-gerais da República tem cobrado publicamente ações de Aras sobre os ataques que o presidente vem deferindo contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e as suspeitas que lança, sem provas, sobre a confiabilidade do sistema eleitoral.
No mês passado, cinco integrantes do Conselho Superior do MPF já haviam pedido a Aras que investigue Bolsonaro pelo crime de abuso de poder. O Conselho Superior é a instância máxima de decisões administrativas no âmbito do MPF. Tem dez integrantes e é presidido pelo PGR.
Em recente nota pública, 29 subprocuradores-gerais escreveram que “incumbe prioritariamente ao Ministério Público a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo, seja mediante apuração e acusação penal, seja por manifestações que lhe são reclamadas pelo Poder Judiciário”.
O grupo afirmou ainda que “na defesa do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, de seus integrantes e de suas decisões deve agir enfaticamente o Procurador-Geral da República”.
Como a Folha mostrou, a postura de Aras despertou o debate nos bastidores do Supremo, do MPF e do Congresso sobre maneiras de esvaziar os superpoderes do PGR.
A discussão gira em torno do fato de o ocupante do cargo ser a única autoridade que pode tomar decisões individuais que não são passíveis de recurso.
Ao contrário do que ocorre na base do Ministério Público, não há previsão legal expressa sobre a revisão de manifestações do procurador-geral quando ele opina, por exemplo, pelo arquivamento de uma denúncia contra alguma autoridade com prerrogativa de foro no STF.
Nas instâncias inferiores, os pareceres de procuradores são submetidos à homologação das câmaras de coordenação e revisão compostas por subprocuradores-gerais.
Uma questão surge com a recondução de Aras: se, uma vez livre do poder da caneta de Bolsonaro de reconduzi-lo ao cargo, ele mudará de postura. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera as pesquisas eleitorais para 2022 neste momento, e Aras foi próximo dos petistas em um passado não tão distante.
Na Procuradoria, a avaliação é que Aras não o fará, por enquanto. Ele ainda sonha em ser ministro do STF e torce pela reeleição de Bolsonaro. O chefe do Executivo, inclusive, já falou da possibilidade de indicar o procurador-geral para uma vaga na corte.
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