Brasilianista diz que ameaças de Bolsonaro devem ser levadas a sério

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Foto: Marcos Corrêa/PR

O recrudescimento da retórica do presidente Jair Bolsonaro, ameaçando a realização das eleições em 2022, tem gerado uma ampla gama de reações. Dentre elas, há por parte de muitos a percepção de que tais ameaças seriam mero blefe, ou uma tentativa de distrair a atenção de um cenário político negativo para o presidente.

Tal reação é natural, dado que Bolsonaro tem longa trajetória de arroubos retóricos com aparentes propósitos diversionistas. No entanto, uma análise sóbria dos seus incentivos estratégicos recomenda levar tais ameaças a sério. Isso a despeito —ou melhor, precisamente por causa— do momento de relativa fraqueza política que ele atravessa.

O ponto de partida dessa análise é reconhecer que, ao contrário de outros presidentes ou políticos no Brasil pós-redemocratização, Bolsonaro considera duas alternativas para atingir seus objetivos: a opção institucional, via eleições, mas também a opção golpista. Sua escolha entre as duas depende de qual lhe ofereça melhores possibilidades.

É verdade que a opção golpista perde valor quando o presidente está enfraquecido. Mas com uma mão ruim no jogo, essa pode acabar sendo a melhor carta que ele tem à sua disposição. Temos de considerar seriamente a possibilidade de que Bolsonaro escolha pô-la sobre a mesa, o que causará enorme dano ao país ainda que ele perca a aposta.

Vejamos o porquê. O enfraquecimento político do presidente, refletido em sua popularidade minguante, reduz a probabilidade de sucesso da opção golpista. É evidente que um golpe bem-sucedido requer apoio de forças políticas, para além do suporte militar, e ambos ficam mais improváveis à medida que Bolsonaro fica mais impopular. É isso o que se tem em mente, creio, quando se interpretra as ameaças como blefe ou diversionismo: como pode a ameaça ser a sério, quando a chance de sucesso é pequena?

O pecado desse raciocínio é não levar em conta que o mesmo enfraquecimento também reduz a probabilidade de sucesso da opção institucional. Portanto, o seu efeito sobre a escolha estratégica depende de qual probabilidade cai mais rapidamente. É inteiramente plausível que seja a de sucesso eleitoral a mais afetada, particularmente tendo em vista a relativa robustez do bolsonarismo entre as forças de segurança, entre militares e policiais, vis-à-vis o seu apoio entre os eleitores em geral.

Disso resulta que as ameaças golpistas são para valer. Mas não significa necessariamente que a probabilidade de ruptura institucional esteja aumentando. Afinal de contas, tal probabilidade combina dois componentes: a chance de uma tentativa de golpe ocorrer, e a chance dela, em ocorrendo, ser bem-sucedida. A fraqueza política aumenta aquela, como vimos, mas reduz esta última.

Infelizmente, isso tampouco é motivo para tranquilidade. Primeiro, porque é possível que o aumento da probabilidade de golpe seja maior que a redução da probabilidade de sucesso de uma tentativa. Por isso, é difícil saber se a perspectiva de ruptura está se tornando mais ou menos concreta a curto prazo.

Mas o problema é mais sério. Mesmo concedendo a premissa incerta de que essa ruptura de fato esteja se tornando menos provável, o fato é que a saúde institucional brasileira não é uma variável binária, uma questão de se há ou não um golpe militar bem-sucedido. O cenário em que há uma insurreição fracassada já é extremamente nocivo para nossa combalida democracia.

Primeiro de tudo, há o custo direto da violência política. Particularmente num contexto onde uma insurreição poderia com significativo apoio armado, esse custo seria medido em vidas e comoção social. A chance de algo consideravelmente pior do que o ocorrido nos EUA no último 6 de janeiro, com a invasão do Capitólio por apoiadores do então presidente Trump, seria bastante significativa.

Some-se a isso o custo institucional, que seria de longo prazo. Uma tentativa dessa natureza, ainda que sem êxito, consolidaria a opção pela violência como uma carta a mais no baralho político. Seria de esperar que outros políticos no futuro viessem a lançar mão dela e, por mais hábeis, com maiores chances de êxito.

Com efeito, o próprio fato de Bolsonaro já ter trazido essa carta para o jogo, ainda que, por enquanto, no plano das ameaças, já faz com que a democracia tenha deixado de ser a única possibilidade em questão no cenário brasileiro. Mesmo que ela não se concretize, seu espectro já afeta as decisões políticas, e bani-lo demandará esforço concentrado por parte das instituições políticas e seus líderes.

Se tudo isso não bastasse, é preciso levar a sério as ameaças no mínimo para pôr em prática a sabedoria da poeta norte-americana Maya Angelou: quando alguém nos diz quem é, é melhor acreditarmos. Se tivéssemos feito isso em 2018, estaríamos hoje muito melhor do que estamos.

Folha  

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