Distritão foi “bode na sala” para manter tudo como está
Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Uma das principais alterações saneadoras nas regras eleitorais, o fim das coligações impactaria pela primeira vez uma eleição nacional no ano que vem, mas o Congresso voltou atrás no que aprovou em 2017 e não quer deixar mais isso ocorrer. Numa reforma eleitoral tocada às pressas, com balões de ensaio como a votação em até cinco candidatos a presidente e o fim do segundo turno, o “distritão” foi o bode na sala introduzido por partidos ameaçados de ficar sem recursos para conseguir a volta das coligações.
O “distritão” foi enterrado na noite desta quarta-feira pela Câmara presidida pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), num acordo costurado por líderes de bancada, para em troca retomar as coligações – espécie de tábua de salvação de partidos.
A “velha coligação”, como lembraram os parlamentares em plenário, é a união temporária e casuística das legendas para disputar vagas na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Ela se encerra tão logo as urnas são contabilizadas no primeiro turno. Como registra a crônica político-policial brasileira, também foi usada para corrupção, caixa dois e compra de apoio em campanhas, como revelou a Operação Lava Jato.
Mantendo a coligação em eleições proporcionais, os partidos que não conseguiram atingir a cláusula de barreira em 2018 – ou passaram raspando por ela – poderão novamente se juntar para somar forças (e votos recebidos), de forma a atingi-la. Assim, vão tentar manter acesso ao Fundo Partidário e um naco no tempo de propaganda obrigatória gratuita em rádio e televisão. O valor em dinheiro é de R$ 1 bilhão aproximadamente, haja ou não eleição, além de benefícios no Parlamento.
Na Câmara, os que não atingem o desempenho mínimo previsto – o sarrafo sobe a cada eleição até 2030 – ficam também sem estrutura para instalar a liderança partidária com sala, verba e cargos.
Em 2018, a solução para quem não recebeu 1,5% dos votos válidos foi buscar fusões e incorporações. Na prática, o efeito da cláusula de desempenho é a redução na quantidade de caciques no rateio do bilhão e também da pulverização partidária com o passar dos anos.
Siglas como PRP, PHS e PPL sumiram do mapa em 2019 e outras iriam pelo mesmo caminho. Em 2022, a cláusula sobe e será de 2% dos votos válidos. Na mira da linha de corte há vários partidos, sem muita distinção ideológica, como Novo, PCdoB, PV, Cidadania, Rede, DC, Patriota, PRTB, PSOL, PROS, entre outros.
A ameaça do binômio cláusula de barreira mais fim das coligações é suprapartidária. O alerta mais forte veio no ano passado. E assustou. Com base nos resultados das eleições municipais de 2020, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) fez projeções e constatou que 15 partidos poderiam ficar pelo caminho, dos 33 que disputaram o pleito. Na Câmara dos Deputados, poderia haver uma redução de 24 para 18 legendas com representação parlamentar.
O modelo do distritão, adotado por poucos países, como o Afeganistão, transforma a votação para deputados em uma eleição majoritária – a exemplo daquelas para prefeito, governador e presidente – e acabaria privilegiando os nomes mais conhecidos, com recall, ou celebridades, atletas e líderes religiosos. Pelo modelo, são eleitos apenas os mais bem votados de cada Estado, desprezando-se os votos dos demais. Não há mais cálculo de quociente eleitoral, nem voto em legenda, o que tenderia a reforçar as individualidades e transformar, nas palavras de experientes caciques, “cada deputado no partido de si mesmo”.
A atual legislatura da Câmara tem oito presidentes nacionais de legendas exercendo mandato: a relatora da reforma, Renata Abreu (SP), do Podemos; o presidente da comissão especial, Luis Tibé (MG), do Avante; Paulinho da Força (SP), do Solidariedade; Marcos Pereira (SP), do Republicanos; Luciano Bivar (PE), do PSL; Baleia Rossi (SP), do MDB; Gleisi Hoffmann (PR), do PT; e André Fufuca (MA), do Progressistas. Só Gleisi dependeu apenas dos próprios votos para se eleger em 2018. Todos os demais entraram com o desempenho de seus partidos e coligações. Era pouco provável que deixassem passar algo capaz de enfraquecer as legendas, como o distritão. Para isso, ajudaram a dar sobrevida a outros.
Dirigentes de partidos médios e grandes já consolidados e que conseguiram sobreviver sem sobressaltos a 2018 queriam enterrar o distritão e, principalmente, impedir a volta das coligações. Assim, além da redução do espectro partidário às agremiações mais representativas, haveria menos cabeças para repartir o bolo. São exemplos Gilberto Kassab, presidente do PSD, e Carlos Lupi, do PDT. Alguns até faziam vista grossa ao distritão, desde que não houvesse o retorno das coligações. Para outros, o distritão era o mal maior.
A maioria preferiu não flertar com o desconhecido. Afinal, já sabem como é o jogo com a volta das coligações – muitas vezes despidas de pudores ideológicos e envoltas em operações suspeitas. Os exemplos de traição ampla durante análise do “voto impresso” (flagrante no DEM, MDB, PSDB e PSD) poderiam ser mais estimulados com o distritão, quando a notoriedade do candidato em si passa a importar mais do que o partido e suas bandeiras programáticas.
A Câmara de Lira quebrou o mecanismo duplo para acabar com a fragmentação e promover uma depuração partidária: a combinação da cláusula de barreira, vigente desde 2018, com o fim das coligações, que começaria a valer em 2022, no caso das eleições gerais. Elas foram introduzidas pela Emenda Constitucional 97, promulgada só quatro anos atrás. Agora, resta saber se o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vai se convencer da urgência em mutilá-la. Ele já avisou que era contra.
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