Empresa que fabrica “cloroquinas” pode ter que pagar multa de R$ 45 mi

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Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado

O MPF-RS (Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul) pede que uma empresa que pagou por um anúncio defendendo o chamado “tratamento precoce” contra a covid-19 seja condenada a pagar R$ 45 milhões por dano coletivo moral e à saúde.

O Grupo José Alves, dono da fabricante de ivermectina Vitamedic, financiou não só o anúncio como também o site da associação Médicos pela Vida, responsável pela propaganda.

A farmacêutica admitiu na CPI da Covid que pagou R$ 717 mil para publicar o informe nos jornais Folha de S.Paulo, Zero Hora, O Globo, Jornal do Commercio, Estado de Minas, Correio Braziliense, Correio (BA) e O Povo.

O MPF já havia processado a associação médica e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Sob a mesma alegação, a ação contra a associação Médicos pela Vida cobra indenização de R$ 10 milhões.

Chamado de “Manifesto pela Vida”, o informe publicitário defendia medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina para “prevenir complicações e diminuir óbitos” por covid.

Além de não salvar vidas, o uso dessas medicações pode ter provocado sequelas graves e até mortes, além de desestimular a população a adotar medidas realmente eficazes, como o uso de máscaras.

A Anvisa comunicou na terça-feira (17) à Repórter Brasil que decidiu reabrir uma investigação interna para apurar se a Vitamedic violou a legislação ao bancar a propaganda —que pode configurar publicidade enganosa e abusiva, gerando multa e obrigação da publicação de uma nova mensagem com informações corretas.

A decisão da Anvisa foi tomada seis meses depois da divulgação do anúncio e somente após a agência ser intimada pela Justiça Federal, na semana passada.

A agência sanitária já era ré na 5ª Vara Federal de Porto Alegre por possível omissão no caso, ao não investigar as possíveis irregularidades envolvendo a propaganda. Não é a primeira vez que a agência é considerada omissa em relação às divulgações sobre remédios comprovadamente ineficazes para covid.

O próprio presidente Jair Bolsonaro já havia violado a norma da Anvisa que veta a difusão de informações enganosas e sem respaldo científico, mas o órgão alegou que não abriu procedimento contra ele por não ter recebido denúncia sobre o caso.

O novo processo do MP sobre o anúncio do “tratamento precoce” amplia a denúncia contra o Grupo José Alves, que é dono da Vitamedic e também da Unialfa, uma faculdade que dá apoio ao site da Médicos pela Vida, segundo o MPF.

A promotoria descobriu junto ao servidor que hospeda o site que a página da associação está no nome da Unialfa e que os pagamentos foram realizados com um cartão de crédito da Unialfa.

Na primeira ação, acolhida pela Justiça, a promotoria também pediu que a Anvisa seja obrigada a usar seu poder de “polícia administrativa” para impedir e punir a propagação das informações falsas sobre o “tratamento precoce”. Pede também que a Médicos pela Vida, além de pagar a indenização, retire o manifesto de seu site, abstenha-se de fazer novas propagandas do chamado “kit covid” e publique uma retificação “esclarecendo os equívocos [do anúncio], como o fato de contemplar medicamentos não aprovados pela Anvisa para uso na covid-19 e ausentes de comprovação científica”.

A legislação brasileira proíbe usar veículos destinados ao grande público, a exemplo dos jornais, para fazer propaganda de medicamentos tarja preta ou vermelha, como hidroxicloroquina e ivermectina. A lei permite propaganda desses remédios apenas em publicações voltadas a profissionais de saúde.

Além disso, é vetado promover remédios usando informações falsas e sem respaldo científico, como é o caso do suposto “tratamento precoce”.

No anúncio publicado em fevereiro, são indicados links para estudos que sustentariam a recomendação de uso dessas medicações contra a covid. Tais pesquisas, contudo, são em sua maioria análises de menor rigor científico em comparação com os estudos considerados padrão-ouro —somente estes podem atestar cientificamente uma nova recomendação de uso de um remédio, o que não ocorreu com a ivermectina.

A própria Anvisa afirmou, em nota técnica, que é “inegável que a divulgação de manifestações desta natureza inevitavelmente contribui com o uso irracional de medicamentos”. Porém, a agência chegou a fechar a investigação em maio, após concluir que o caso não configurava propaganda de medicamentos, pois o anúncio não citava a marca específica dos produtos.

Para a procuradora da República Suzete Bragagnolo, foi um erro da Anvisa encerrar o processo administrativo naquele momento. “A ausência do nome do ‘produto’ e/ou de sua marca, ao invés de afastar a atuação da Anvisa, acaba por reforçá-la”, diz Bragagnolo, pois a legislação exige que essa informação esteja em propagandas de medicamentos vendidos sob prescrição médica.

Para o MPF, as normas sanitárias são claras em impor a competência da Anvisa no caso, “não importando os esforços interpretativos para justificar a escusa, sendo, portanto, forçosa a tomada de medidas pela agência e penalização dos responsáveis pela publicidade irregular”.

Na semana passada, o juiz Gabriel Von Gehlen intimou a Anvisa e deu prazo de 10 dias (até 22 de agosto) para que ela se manifeste sobre o patrocínio da Vitamedic, um “fato novo que pode influenciar no julgamento do processo”, segundo o magistrado.

Ele quer saber da Anvisa se “a admissão pública do fabricante de alguma forma altera os argumentos já por ela expendidos nos autos”.

Questionada pela Repórter Brasil, a Anvisa disse que avalia “de forma detalhada” as denúncias de propagandas irregulares e que são levados em consideração “todos os dados apresentados e o contexto” da suposta publicidade irregular. “No caso do informe ‘Manifesto pela Vida’, após o depoimento prestado à CPI no dia 11/08/2021, o dossiê de investigação foi reaberto”, disse a agência, por email.

O grupo Médicos pela Vida foi procurado, mas não respondeu. A Repórter Brasil entrou em contato com o advogado Luiz Antônio Faria de Sousa, do Grupo José Alves, indicado pela empresa para comentar o caso, mas o profissional desligou o telefone, sem explicações. “Dá para você fazer uma reportagem muito bacana com cientistas do mundo todo, mas a gente não vai comentar, tá bom? Até logo.”

A Vitamedic é uma das principais fabricantes de ivermectina do Brasil e uma das mais beneficiadas com a promoção do chamado kit covid.

Segundo planilhas enviadas à CPI, a empresa multiplicou suas vendas na pandemia. Em 2019, a marca comercializou 22,5 milhões de comprimidos de ivermectina, enquanto em 2020 o total chegou a 284,6 milhões (alta de 1.164%).

As vendas seguiram crescendo em 2021, quando a propaganda foi publicada nos jornais. De janeiro a maio, o total chegou a 143,4 milhões de unidades, ou média de 28,6 milhões de comprimidos vendidos mensalmente neste ano, ante 23,7 milhões no ano passado. A empresa fabrica ainda zinco e vitamina D, substâncias promovidas também no anúncio publicado em fevereiro.

Em depoimento à CPI, o diretor-executivo da Vitamedic, Jailton Batista, reconheceu o pagamento de R$ 717 mil pelas publicações, mas classificou a peça publicitária como um “documento médico e técnico” e disse que o conteúdo é de inteira responsabilidade do grupo de médicos.

“Esclareço que o manifesto não é exclusivo da Vitamedic, não é favor da ivermectina, é um estudo que trata de uma série de produtos”, defendeu-se.

Parte dos senadores, contudo, criticou a atitude. “Os senhores patrocinaram um manifesto para que fosse vendido o remédio que é comercializado pelos senhores, sem que nem sequer mesmo a empresa tivesse patrocinado um estudo científico sobre isso”, afirmou o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Uol

 

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