Militarismo invade TikTok e contamina jovens
Foto: Reprodução
ENTRE DANCINHAS de 15 segundos, receitas rápidas de cozinha e vídeos engraçadinhos, conteúdos que exaltam abordagens policiais, militares e armas de fogo têm encontrado campo fértil de engajamento no TikTok, rede social com grande adesão de crianças e adolescentes que faz de tudo para manter jovens grudados no celular o máximo possível.
Análise do Núcleo com metadados de 61,4 mil vídeos desde 2016 extraídos do TikTok mostrou que clipes sobre manuseio de armas, prática de tiro e ações policiais, frequentemente incentivando violência por parte de agentes do Estado, acumulam muito mais visualizações do que conteúdo político, por exemplo – embora não estejam totalmente descolados da política.
Nossa busca se concentrou em um conjunto de 17 hashtags muito utilizadas em vídeos sobre militares, policiais e entusiastas de armas, e as comparou com outras 24 hashtags muito utilizadas em vídeos sobre memes comuns (como dia dos pais e brincadeiras), esportes (basicamente futebol e Jogos Olímpicos de 2020) e política (contra ou a favor ao presidente Jair Bolsonaro).
A partir de uma categorização própria dessas hashtags, classificamos em cinco grandes áreas:
esportes
memes
polícia/militar
política
pró-armas
Embora vídeos de política tenham respondido pelo maior número de vídeos encontrados na busca, 45% do total, as peças militaristas (apenas 16% dos vídeos retornados na busca) registraram em geral quase o dobro de visualizações por vídeo (média e mediana).
O maior engajamento de usuários com vídeos militaristas e policialescos fica bastante evidente com o passar do tempo, de janeiro de 2020 até agosto de 2021.
No mesmo período, houve um notório aumento na visibilidade de militares no noticiário e na participação em cargos do governo federal, conduzidos em massa ao Executivo após a posse de Jair Bolsonaro como presidente, em 2019.
O TikTok começou a crescer consideravelmente no Brasil em 2020, ficando entre os primeiros lugares nas lojas de download de aplicativos móveis.
Isso mostra que a tendência de vídeos com assunto policial e militar ganhou visibilidade na rede social. Isso tudo é ainda mais consequente tendo em vista três coisas:
1. O uso da rede social por crianças e adolescentes
Nos EUA, 1 a cada quatro usuários do TikTok tem menos de 20 anos, segundo o Statista. Não há dados específicos sobre o Brasil, mas é seguro dizer que também é amplamente utilizado por essa faixa etária. Jovens podem estar mais suscetíveis e vulneráveis à radicalização via redes sociais.
2. Os esforços da rede social para crescer no Brasil
Não é segredo que o TikTok (e qualquer rede social, diga-se) quer manter seus usuários conectados o tempo todo, inclusive oferecendo bônus em dinheiro. Isso significa mais tempo de tela e mais vídeos vistos. Caso a preferência de um usuário caia no tópico militarista, é provável que ele seja “sugado” pelo algoritmo.
3. O algoritmo viciante, que repete conteúdo
Uma bela investigação do Wall Street Journal, a partir de contas falsas para testar a rede social, mostrou que o segredo do algoritmo é o monitoramento atento e constante do tempo de visualização dos vídeos. Esse algoritmo responde tão bem à atenção do usuário que algumas pessoas brincam que ele pode ler mentes. A investigação mostrou que é possível cair em um vórtice de conteúdo extremista difícil de escapar.
Procurado na quarta-feira, 11 de agosto, o TikTok respondeu a quatro questionamentos específicos do Núcleo apontando apenas para suas diretrizes de comunidade que “apresentam claramente o conteúdo e o comportamento que proibimos e removemos de nossa plataforma”.
Militarismo, exaltação de armas de fogo e de policiais também pode ser um gatilho para radicalização online. Se não chega a ser discurso de ódio, beira a banalização do uso da violência.
“Um engajamento maior nos conteúdos com violência, discursos de ódio e ações extremas sinaliza que a radicalização a partir das plataformas digitais está presente na sociedade. A busca e o engajamento nesses conteúdos revelam que essas pessoas não mais acreditam na solução de conflitos através da busca pelo consenso mas sim com ações extremas até o extremo com ação violenta. É a credulidade na ideia de que apenas a ação violenta será capaz de produzir soluções para suas demandas”, diz a pesquisadora Michele Prado, autora do livro “Tempestade Ideológica – Bolsonarismo: a Alt-Right e o Populismo Iliberal no Brasil”
“Um jovem encontra nestes conteúdos uma porta de entrada para um submundo de ódio, preconceito e violência. E a desradicalização e desengajamento não são simples de serem alcançados. Portanto, a prevenção contra a Radicalização ainda é o melhor caminho”, complementou.
É importante porque…
Conteúdo militar pode se confundir com a política nacional de apoio à extrema-direita
Jovens são particularmente mais expostos a conteúdo belicoso que pode incentivar violência, como trocar videogame por fuzil
Reforça caráter viciante de algoritmo da rede social
POLÍCIA BOA É POLÍCIA NO TIKTOK
Em abril, reportagem especial do Núcleo abordou os influenciadores policiais no Instagram. Decidi, então, tentar ver o que está rolando sobre isso no TikTok, que tem crescido vertiginosamente nos últimos anos no Brasil.
Ao longo (e foram longos mesmo) de três meses de apuração da reportagem, treinei meu algoritmo de tal forma que meu TikTok está praticamente inutilizado de tanto que o app me recomenda vídeos com conteúdo policial, militar e pró-armas – num nível que não pode ser sadio.
Veja você mesmo(a):
140 segundos de conteúdo militarista no TikTok. Eis o que virou minha timeline. pic.twitter.com/ptjdcwSGcI
— Sérgio Spagnuolo (@sergiospagnuolo) August 12, 2021
Em meio a esse conteúdo belicoso, muitos vídeos não apenas exaltam o militarismo e a política, como também incentivam violência de autoridades. Em um clipe, soldados do Exército Brasileiro cantam: “Para o 157 eu tenho um 7.62”, em alusão ao artigo 157 do Código Penal (roubo mediante uso de força ou ameaça grave) e ao calibre muito comum em fuzis.
Outro faz referência direta a brincar de tiro ao alvo com bandido, enquanto esse mostra uma abordagem na qual o policial atira pra cima e esse mostra o policial aplicando um golpe mata-leão em um homem que age de maneira ameaçadora.
Não testemunhei nada flagrantemente ilegal, em alguns vídeos a força policial até parece justificada. Mas muitos vídeos emulam programas de TV policialescos e ufanistas, banalizando a violência e convocando jovens, não só para alistamento militar e policial, como também para adquirir armas de fogo.
“TROQUE SEU PLAYSTATION POR UM FUZIL.”
– CANTO DE GUERRA MILITAR EM VÍDEOS NO TIKTOK
Há ainda muitos estímulos para que jovens adotem o estilo de vida militarista, trocando o videogame “PlayStation por um fuzil” para invadir o complexo de favelas do Alemão, no Rio de Janeiro, e fazer a arma “cantar (pa pum)”.
Como em outras redes sociais, há também vídeos com o corpo de Lázaro Barbosa, criminoso acusado de assassinar quatro pessoas, morto em junho pela polícia em Goiás após aterrorizar a região de Águas Lindas e balear policiais e um oficial da Força Aérea.
ONDE SE ENCAIXA O MILITARISMO NO TODO
Para se ter uma ideia da popularidade de conteúdos militaristas no Brasil, comparamos as hashtags em número bruto total de visualizações. Os dados abaixo são acumulados desde o começo do TikTok e foram obtidos iterando as hashtags neste link.
Fizemos buscas no TikTok por 41 hashtags a partir de uma ferramenta de código aberto. Essas buscas retornaram metadados de 61.367 vídeos.
Fizemos, então, uma classificação manual de cada uma dessas hashtags em grandes grupos: esportes, memes, polícia/militar, política e pró-armas. O código da análise, em R, está neste link. Os dados agregados estão aqui.
Os dados sobre total de visualizações globais foram levantados via TikTok no desktop pelo link: tiktok.com/tag/[ hashtag ]?lang=pt-BR.
Procuramos o TikTok com quatro perguntas principais, e também enviamos as hashtags pesquisadas para melhor apreciação, assim como uma amostra de vídeos.
O que o TikTok faz contra radicalização de discurso na rede?
Qual a política do TikTok sobre polarização política?
O TikTok tem políticas sobre conteúdo que mostram manuseio e uso de armas de fogo?
O TikTok tem políticas sobre conteúdo com violência policial?
A resposta da empresa, abaixo, na íntegra:
As Diretrizes da Comunidade do TikTok apresentam claramente o conteúdo e o comportamento que proibimos e removemos de nossa plataforma, incluindo a promoção de desinformação, armas de fogo, violência, discurso de ódio e outras violações que tentam impedir nossa capacidade de promover um local seguro e acolhedor para a criatividade e o entretenimento.
Para obter detalhes adicionais, visite nossas Diretrizes da Comunidade: TikTok
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CARTA AO LEITOR
O Blog da Cidadania é um dos mais antigos blogs políticos do país. Fundado em março de 2005, este espaço acolheu grandes lutas contra os grupos de mídia e chegou a ser alvo dos golpistas de 2016, ou do braço armado deles, o juiz Sergio Moro e a Operação Lava jato.
No alvorecer de 2017, o blogueiro Eduardo Guimarães foi alvo de operação da Polícia Federal não por ter cometido qualquer tipo de crime, mas por ter feito jornalismo publicando neste Blog matéria sobre a 24a fase da Operação Lava Jato, que focava no ex-presidente Lula.
O Blog da Cidadania representou contra grandes grupos de mídia na Justiça e no Ministério Público por práticas abusivas contra o consumidor, representou contra autoridades do judiciário e do Legislativo, como o ministro Gilmar Mendes, o juiz Sergio Moro e o ex-deputado Eduardo Cunha.
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