Pandemia ajudou a criar “parlamentarismo branco” na Câmara

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A pandemia da Covid-19 e uma recente mudança no regimento interno permitiram ao atual comandante da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ampliar o parlamentarismo branco que vem sendo exercido por todos os presidentes da Casa de 2015 até hoje.

​O “reformão” eleitoral que ele lidera na Câmara a toque de caixa, e que se pretende o maior da história, e a extensa pauta econômica votada são exemplos de um poder que tem se materializado no ritmo acelerado de votações no plenário.

Com a necessidade de distanciamento social, a Câmara criou em março de 2020 o sistema de votação remota, que tem se mostrado um achado para quem detém a prerrogativa de definir a pauta de votações e conta com maioria sólida ao seu lado —e, por consequência, um pesadelo para a oposição, quase sempre solapada por projetos que faria de tudo para enterrar.

Nas votações normais, presenciais, é obrigatória a presença física dos deputados no plenário, que marcam presença e votam mediante identificação biométrica.

Com isso, não raro as minorias conseguiam derrubar o quórum das sessões e inviabilizar votações por meio de mecanismos de obstrução, como falas prolongadas e apresentação de uma variedade de requerimentos meramente protelatórios.

À medida em que sessões se prolongavam, deputados iam embora e o governo era obrigado a desistir da proposta ou negociar alterações que atendessem em parte à oposição.

No novo sistema, o deputado pode votar remotamente, de qualquer lugar. Não é necessária a presença física no plenário, nem mesmo em Brasília. Como mostrou a Folha, há brecha inclusive para burla, já que não há biometria, havendo a possibilidade de assessores ou terceiros votarem no lugar dos parlamentares.

Com isso, tem se conseguido presenças altíssimas, com uma constância nunca antes sonhada por quem gostaria de “tratorar as votações” —jargão que significa vitórias rápidas e sucessivas no plenário.

Aliado a isso, em maio Lira patrocinou a aprovação na Câmara de um projeto de resolução que reduziu substancialmente o poder das minorias de se valer do chamado “kit obstrução”, um leque de requerimentos e medida protelatórias que não raro faziam simples votações durarem dias.

O então autor do projeto, o deputado Eli Borges (Solidariedade-TO), resumiu à época a essência do kit.

“Quando nós temos, ainda um regimento com 16 requerimentos obstrutivos, 27 encaminhamentos em cada um destes requerimentos obstrutivos, vários debatedores contra e a favor, e, em média, 5 destaques ou mais em matérias importantes, nós temos a percepção de que, se adotado todo o procedimento obstrutivo, nós precisaríamos de 14 horas e 51 minutos para podermos aprovar uma matéria neste Parlamento.”

Com essa nova realidade, Lira tem conseguido imprimir um extenso ritmo de votações e sentiu-se à vontade para criar três comissões diferentes de debate de reforma eleitoral, duas delas já votadas —a do voto impresso, que foi derrotada, e a que pretende trazer de volta as coligações—, apesar da crítica de especialistas de que há diversos retrocessos e afobamento na discussão.

Está prevista para as próximas semanas a votação da proposta que quer revogar toda a legislação eleitoral e colocar em seu lugar um único código.
Na área econômica, Lira tem acelerado a votação de temas considerados prioritários pelo governo. Foi o caso do projeto que quebrou o monopólio dos Correios, cujo parecer preliminar foi protocolado um dia antes da votação, provocando críticas da oposição pelo tempo escasso de debate. Nesta quinta (12), tentou-se votar o projeto que muda o Imposto de Renda mesmo em meio a negociações do relator para ajustar o texto.
É certo que todo esse poder e esse ritmo de votações não seriam possíveis sem o arco de apoio reunido nos últimos anos por Lira, um deputado de terceiro mandato e que sempre preferiu os bastidores aos microfones.
E sem a mudança de perfil que os presidentes da Câmara passaram a ter desde a chegada de Eduardo Cunha (MDB-RJ) a esse posto, em 2015.
Até então, em geral o cargo funcionava como um apêndice do Palácio do Planalto. Não só aliado, mas com um forte caráter de subordinação.
Recriador do novo centrão —o antigo funcionou no final dos anos 80, durante o governo de José Sarney—, o grupo de partidos que reúne hoje cerca de 150 dos 513 deputados, Cunha imprimiu um ritmo forte e com um leque de projetos não relacionados aos interesses do Executivo. Após algumas “pautas-bomba”, ao final, foi protagonista da derrocada de Dilma Rousseff (PT).
Entre outras medidas, ele apertou o “botão amarelo” a que Lira se refere atualmente, sem nunca dizer a palavra “impeachment” —cabe exclusivamente ao presidente da Câmara decidir se dá ou não sequência a um pedido de impedimento do presidente da República.
Seu sucessor, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), assumiu em 2016 derrotando o centrão (ele compôs com o grupo depois e voltou a romper recentemente), mas também teve papel de protagonismo em relação a Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro.
Maia foi o responsável direto em não negar suporte político em um momento em que o mandato de Temer ficou mais ameaçado, na crise da JBS. Já sob Bolsonaro, barrou vários projetos de sua pauta de costumes e assumiu a liderança de temas como a reforma da Previdência e medidas de combate à pandemia.
De Cunha até agora, o Congresso aproveitou-se também dos presidentes fracos politicamente para ampliar consideravelmente as verbas do Orçamento que são manejadas pelos deputados.

Lira, que derrotou o grupo de Maia e assumiu a Câmara em fevereiro, tem em suas mãos o trunfo de coordenar nos bastidores —seu local preferido de atuação— a distribuição dessas verbas, o que lhe amplia o rol de fidelidade.

Alinhado ao Planalto, o que inclui espaço para que a agenda bolsonarista tenha fluxo, o atual manda-chuva do centrão tem todos os ventos favoráveis para continuar a ser peça fundamental, seja quem vença a disputa presidencial de 2022.

Folha de S. Paulo

 

 

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