Senadora evangélica diz que Bolsonaro não combina com Jesus

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Foto: William Borgmann/Cidadania

A CPI da Pandemia trouxe protagonismo a mulheres senadoras, que mesmo sem serem indicadas por partidos para comporem a investigação, participam dos debates e questionando depoentes com maestria.

Evangélica, casada e mãe de duas filhas, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) foi uma das que apareceram na CPI com destaque, especialmente em tomadas de depoimentos. “Nosso lugar na CPI foi conquistado, não foi dado. A forma de inquirir, de perguntar… Em muitos aspectos a presença feminina fez diferença ali durante os depoimentos”, diz.

No último dia 11, por sua atuação, ela foi homenageada e, ao chegar na sala de comissões, havia uma placa de “presidente eventual. “Aquela plaquinha tem um enorme significado para mim e para todas as senadoras da bancada feminina. Acho que a CPI trouxe o brasileiro de volta à política. E esse novo engajamento veio para ficar”, conta.

 

Em conversa com Universa, a senadora contou sobre sua luta por mais espaço das mulheres no parlamento. Ela, inclusive, é autora de um projeto (ainda em análise) que pretende, nas eleições de renovação de dois terços do Senado, reservar metade das vagas para os homens, e metade para as mulheres (são eleitos dois por cada espaço). “Há um grito em movimento no ar, na busca de igualdade de representação política entre homens e mulheres. As nossas conquistas na CPI evidenciaram esse fato”, conta.

Atuante também no ambiente evangélico, Gama acredita que o apoio de boa parte desse público ao presidente Jair Bolsonaro se dissipou ou vai se dissipar até a eleição de 2022. “O amor de Jesus, incondicional, não convive com o ódio e a intolerância, base das principais ações que norteiam o governo Bolsonaro”, relata.

UNIVERSA – No último dia 11, a senhora foi homenageada com uma placa de “presidente eventual” da CPI da Pandemia. A quê a senhora atribui esse reconhecimento?

ELIZIANE GAMA – Aquela plaquinha tem um enorme significado para mim e para todas as senadoras da bancada feminina. Inicialmente, não fomos indicadas a participar da CPI, não tivemos voz assegurada; então, o nosso lugar foi conquistado, não foi dado, não veio por indicação partidária. O reconhecimento é o resultado de um trabalho bem feito, árduo, da nossa dedicação que em muitos momentos tensos da CPI fez total diferença. A forma de inquirir, de perguntar… em muitos aspectos a presença feminina fez diferença ali durante os depoimentos. É a prova de que as mulheres precisam ter espaço em todos os colegiados.

Apesar de não ter mulheres entre titulares, as mulheres roubaram a cena na CPI. O que faltou para que vocês fossem indicadas à comissão?

Por questões partidárias, não havia mulheres indicadas como titulares ou suplentes da comissão. São 11 titulares na CPI da pandemia. Em um universo de 81 senadores, nós mulheres somos apenas 13, ou seja, isso faz com que não participemos de muitos colegiados. Foi para garantir maior protagonismo e participação das mulheres que apresentei projeto já aprovado pela Casa, criando a liderança da bancada feminina. É um passo muito importante para assegurar a nossa representatividade, garantir espaços dentro desse processo decisório. As políticas afirmativas são essenciais antes e mesmo depois de eleitas. Chegar à Câmara ou ao Senado é um grande passo, mas dentro do parlamento, enfrentamos resistência. Por isso, propostas como a da liderança da bancada feminina são tão relevantes, para que nos assegurem assento nas comissões, relatorias e debates mais importantes.

Como é (se é que há) o revezamento da bancada feminina para participar da CPI? Vocês articulam horários/dias que vão participar?

Existe um clima de total sintonia entre nós senadoras na busca pela representatividade feminina no parlamento. As divergências ideológicas, programáticas não impediram que nos uníssemos para assegurar a voz feminina no Senado. Diariamente, por WhatsApp, em conjunto com nossa líder Simone Tebet, definimos as inscrições. É feita uma alternância entre as senadoras que vão falar como titular ou como suplentes.

Para a senhora, a CPI já produziu provas da omissão do governo na condução da pandemia?

A CPI já deixou claro os vários crimes praticados pelo governo e pelo presidente Bolsonaro na gestão da pandemia. Ou por omissão, ou por convicção ideológica. Houve crime de responsabilidade no atraso deliberado na compra das vacinas, crime contra a saúde pública. Todas as omissões do presidente entram em choque com o que preceitua a Constituição Federal, que é o direito à vida e à saúde. Ao defender a imunidade de rebanho, o governo retirou esse direito da população. Muitos morreram sem a chance de ter acesso à vacina. Ao longo das investigações, descobrimos que, ao contrário do que se pensava, todo esse atraso não foi por negacionismo apenas: estamos diante também de corrupção, da tentativa de superfaturamento de vacinas. No Ministério da Saúde, pessoas em cargos estratégicos negociavam com picaretas e empresas de fachada e deixaram de buscar laboratórios, como foi no caso da Pfizer. O atraso, a negligencia, o descaso do governo foram fundamentais para o resultado dessa tragédia e sem dúvida contribuíram para a morte de muitos brasileiros.

 

A senhora costuma pedir contribuições de pessoas nas redes sociais com perguntas a depoentes da CPI. O engajamento positivo do público tem sido uma surpresa?

O engajamento é fundamental e nos ajuda muito. Não dá para fazer política longe da população. Nesse aspecto, as redes sociais ajudam, fazem com que o brasileiro se sinta mais próximo dos debates, das decisões. É um novo player na democracia representativa. A CPI trouxe o brasileiro de volta à política. E esse novo engajamento veio pra ficar, temos de ouví-lo e aprender mais com ele. Estávamos num período de extrema letargia, instituições sendo atacadas, pandemia, ameaças contra a democracia. A CPI rearticulou forças, trouxe luz, revelou muito do que vem acontecendo no governo, abriu novos olhares e caminhos.

Um dos projetos da senhora cria o fundo de amparo a órfãos da covid. A senhora tem tido contato e recebido apelos de famílias que perderam entes? Quais as demandas principais?

A pandemia resultou numa imensa geração de crianças e jovens órfãos. São brasileiros que terão que enfrentar as consequências emocionais e financeiras dessas perdas. Não temos uma estimativa oficial dessas perdas, o que em si já é muito preocupante, uma vez que o governo até agora, no segundo ano de pandemia ainda não mapeou esses jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade. Números de um levantamento da revista “Lancet”, revelam que mais de 113 mil crianças e adolescentes no Brasil perderam o pai, a mãe, ou ambos, vitimados pela covid-19 entre março de 2020 e abril de 2021. Segundo essa pesquisa, o Brasil seria o segundo país do mundo com maior número de órfãos. Hoje com certeza, esse número é ainda maior. Foi dentro desse cenário que apresentei o projeto que cria o Fundo de Amparo às Crianças Órfãs da Covid (Facovid). A proposta destina aos menores de 18 anos de idade, que tiveram ao menos um dos pais ou responsáveis falecidos em decorrência da covid-19, e cuja família remanescente não tenha meios para prover a sua manutenção, acesso ao auxílio assistencial custeado pela Facovid. Uma das fontes de recursos desse fundo seria a arrecadação de loterias.

As consequências da pandemia foram devastadoras, e para muitos não se encerram no curto prazo. Teremos uma geração com traumas e dificuldades para toda uma vida. E esses números não são projeções de estatísticas distantes, estão perto de nós, quase todas as famílias foram atingidas pela dor.

A senhora tem se empenhado também na questão ambiental e apresentou um plano de trabalho com vistas a COP-26. Qual a expectativa que a senhora tem para o evento e a participação do Brasil?

Uma das áreas mais atingidas pelo governo Bolsonaro foi a ambiental. O governo promoveu um verdadeiro desmonte de todos os órgãos de fiscalização ambiental. Batemos recordes de desmatamento com a política de passar a boiada implementada pelo ex-ministro Ricardo Salles e pelo presidente Bolsonaro. Denúncias graves, inclusive de envolvimento de corrupção do ministro com madeireiros, algo inédito. Nesse sentido, a pressão internacional tem sido fundamental para que o governo freie seu ímpeto de destruição do meio ambiente. A COP-26 tem papel importante nisso. A saída de Trump do governo dos EUA e as pressões internacionais irão forçar o Brasil a um novo realinhamento. Não há como ficar de fora dos esforços para a descarbonização da economia com intuito de mitigar as mudanças climáticas. Já vimos o impacto de uma pandemia causada por um vírus, agora imagine o que poderá acontecer com o agravamento das condições ambientais.

A senhora é do Maranhão, um dos estados mais pobres do país. Como a senhora avalia que o atual momento de miséria recorde afetou os avanços contra a desigualdade em seu estado?

Obviamente, uma situação de emergência como a representada pela covid-19 demanda recursos e energias do poder público que impactam as políticas sociais. Ressalte-se que no Maranhão, no governo Dino, muito se avançou para diminuir o fosso social herdado de administrações passadas, e o combate à pandemia já se praticou portanto a partir de conquistas importantes. Ajudaram muito nesse combate emergencial a reorganização obtida antes do sistema educacional e os avanços na segurança pública, por exemplo. O Maranhão mostrou que há saídas para crises históricas, desde que também haja responsabilidade política.

Historicamente a senhora teve uma base evangélica forte como eleitor. Hoje, boa parte desse eleitorado é defensor do presidente Jair Bolsonaro. O que ocorreu para esse engajamento?

Disputei um cargo majoritário e, no meu caso, tive votos em todos os segmentos sociais do estado, embora considere muito importante os obtidos no meio evangélico. E isso me orgulha, e sou muito grata a esse apoio. O projeto bolsonarista se desenvolveu por narrativas e muita manipulação, inclusive de valores religiosos, conseguindo capturar momentaneamente forte apoio entre os evangélicos.

Entretanto creio que esse apoio se dissipará por várias razões e cito uma – o amor de Jesus, incondicional, não convive com o ódio e a intolerância, base das principais ações que norteiam o governo Bolsonaro.

Um dos projeto que a senhora apresentou pretende que, na renovação de dois terços do Senado, metade eleita seja homem, metade seja mulher. Uma medida assim conseguiria passar em dois parlamentos tão “masculinos”? Como vencer esse machismo?

A aprovação da proposta não será fácil, até mesmo porque além do machismo renitente do Congresso há um governo federal que aposta nesse tipo de subordinação, de conteúdo antidemocrático. Mas há um grito em movimento no ar, na busca de igualdade de representação política entre homens e mulheres. As nossas conquistas na CPI evidenciaram esse fato, e esse grito pode se materializar. Estamos otimistas em relação ao projeto.

Uol

 

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