Taleban controlará reservas minerais avaliadas em R$ 5,4 trilhões

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Foto: Benjamin Lowy/Getty Images

A queda veloz do Afeganistão para os combatentes talibãs duas décadas depois que os Estados Unidos invadiram o país desencadeou um processo político e uma crise humanitária. Também está fazendo com que os especialistas em segurança se perguntem: o que vai acontecer com a vasta riqueza mineral inexplorada do país?

O Afeganistão é uma das nações mais pobres do mundo. Mas, em 2010, autoridades militares e geólogos dos EUA revelaram que o país, que fica na encruzilhada da Ásia Central e do Sul da Ásia, tem depósitos minerais no valor de quase US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,38 trilhões) – o que poderia transformar dramaticamente as perspectivas econômicas do país.

As reservas de minerais como ferro, cobre e ouro estão espalhadas pelas províncias. Existem também minerais de terras raras e, talvez o mais importante, o que poderia ser um dos maiores depósitos de lítio do mundo. O lítio é um componente essencial, mas escasso, para baterias recarregáveis e outras tecnologias vitais para enfrentar a crise climática

“O Afeganistão é certamente uma das regiões mais ricas em metais preciosos tradicionais, mas também os metais [necessários] para a economia emergente do século 21”, afirmou Rod Schoonover, cientista e especialista em segurança que fundou o Ecological Futures Group.

Desafios de segurança, falta de infraestrutura e secas severas impediram a extração da maioria dos minerais valiosos no passado. É improvável que isso mude em breve sob o controle do Talibã. Ainda assim, há interesse de países como China, Paquistão e Índia, que podem tentar se engajar apesar do caos.

“É um grande ponto de interrogação”, disse o especialista.

Mesmo antes de o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciar que retiraria as tropas norte-americanas do Afeganistão no início deste ano, preparando o cenário para o retorno do controle do Talibã, as perspectivas econômicas do país eram sombrias.

Em 2020, cerca de 90% dos afegãos viviam abaixo da linha de pobreza determinado pelo governo de US$ 2 (cerca de R$ 10,76) por dia, de acordo com um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso dos Estados Unidos publicado em junho. Em seu perfil de país mais recente, o Banco Mundial disse que a economia continua “moldada pela fragilidade e dependência da ajuda”.

“O desenvolvimento e a diversificação do setor privado são limitados pela insegurança, instabilidade política, instituições fracas, infraestrutura inadequada, corrupção generalizada e um ambiente de negócios difícil”, afirmou o documento em março.

Muitos países com governos fracos sofrem com o que é conhecido como a “maldição dos recursos”, na qual os esforços para explorar riquezas naturais não trazem benefícios para a população local e para a economia doméstica. Mesmo assim, as revelações sobre as reservas minerais do Afeganistão, baseadas em pesquisas anteriores conduzidas pela União Soviética, são promissoras.

A demanda por metais como lítio e cobalto, bem como por elementos de terras raras como o neodímio, está aumentando à medida que os países tentam mudar para carros elétricos e outras tecnologias limpas para reduzir as emissões de carbono. A Agência Internacional de Energia (IEA) declarou em maio que os suprimentos globais de lítio, cobre, níquel, cobalto e elementos de terras raras precisavam aumentar drasticamente ou o mundo fracassaria em sua tentativa de enfrentar a crise climática. Três países (China, República Democrática do Congo e Austrália) respondem atualmente por 75% da produção global de lítio, cobalto e terras raras.

O carro elétrico médio requer seis vezes mais minerais do que um carro convencional, de acordo com a IEA. Lítio, níquel e cobalto são essenciais para as baterias. Redes de eletricidade também requerem grandes quantidades de cobre e alumínio, enquanto elementos de terras raras são usados nos ímãs necessários para fazer as turbinas eólicas funcionarem.

O governo dos EUA estimou que os depósitos de lítio no Afeganistão poderiam rivalizar com os da Bolívia, lar das maiores reservas conhecidas do mundo.

“Se o Afeganistão tiver alguns anos de calma, permitindo o desenvolvimento de seus recursos minerais, poderá se tornar um dos países mais ricos da região em uma década”, disse Said Mirzad, do US Geological Survey, à revista “Science” em 2010.

A calmaria nunca chegou, e a maior parte da riqueza mineral do Afeganistão permaneceu no solo, disse Mosin Khan, um membro sênior não residente do Conselho do Atlântico e ex-diretor do Oriente Médio e Ásia Central do Fundo Monetário Internacional.

Embora tenha havido alguma extração de ouro, cobre e ferro, a exploração de lítio e minerais de terras raras requer muito maior investimento e conhecimento técnico, além de tempo. A IEA estima que leva 16 anos, em média, desde a descoberta de um depósito para que uma mina comece a produzir.

No momento, os minerais geram apenas US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,38 bilhões) no Afeganistão por ano, de acordo com Khan. Ele estima que 30% a 40% foram desviados pela corrupção, bem como pelos senhores da guerra e pelo Talibã, que presidiu a pequenos projetos de mineração.

Ainda assim, Schoonover acha que há uma chance de o Talibã usar seu novo poder para desenvolver o setor de mineração.

“Dá para imaginar uma trajetória de que talvez haja alguma consolidação, e parte dessa mineração não precisará mais ser desregulada”, afirmou.

Mas, continuou Schoonover, “as possibilidades estão contra isso”, visto que o Talibã precisará dedicar sua atenção imediata a uma ampla gama de questões humanitárias e de segurança.

“O Talibã assumiu o poder, mas a transição do grupo insurgente para o governo nacional não será nada simples”, opinou Joseph Parkes, analista de segurança para a Ásia na empresa de inteligência de risco Verisk Maplecroft.

“A governança funcional do setor mineral nascente provavelmente ainda levará muitos anos”.

Khan observa que já era difícil conseguir investimento estrangeiro antes de o Talibã derrubar o governo civil do Afeganistão apoiado pelo Ocidente. Atrair capital privado será ainda pior agora, particularmente porque muitas empresas e investidores globais estão buscando em padrões ambientais, sociais e de governança (ESG) cada vez mais elevados.

“Quem vai investir no Afeganistão agora e que não estava disposto a investir antes?”, questionou Khan. “Os investidores privados não vão correr o risco”.

As restrições dos EUA também podem representar um desafio. O Talibã não foi oficialmente designado como Organização Terrorista Estrangeira pelos Estados Unidos. No entanto, o grupo foi colocado em uma lista do Departamento do Tesouro dos EUA de Terroristas Globais Especialmente Designados e em uma lista de Nacionais Especialmente Designados.

Projetos apoiados pelo Estado motivados em parte pela geopolítica podem ser uma história diferente. Líder mundial na mineração de terras raras, a China disse na segunda-feira (16) que “manteve contato e comunicação com o Talibã afegão”

“A China, o vizinho do lado, está embarcando em um programa de desenvolvimento de energia verde muito significativo”, disse Schoonover. “O lítio e as terras raras são até agora insubstituíveis por causa de sua densidade e propriedades físicas. Esses minerais influenciam seus planos de longo prazo”.

Se a China intervir, Schoonover disse que haveria preocupações sobre a sustentabilidade dos projetos de mineração, dado o histórico da China.

“Quando a mineração não é feita com cuidado, pode ser ecologicamente devastadora, o que prejudica certos segmentos da população sem muita voz”, explicou.

No entanto, o governo chinês pode ser cético em relação a parcerias em empreendimentos com o Talibã, dada a instabilidade contínua, e pode se concentrar em outras regiões. Khan destacou que a China já foi prejudicada antes ao tentar investir em um projeto de cobre que posteriormente foi paralisado.

“Acredito que eles priorizarão outras geografias emergentes ou fronteiriça muito antes do Afeganistão liderado pelo Talibã”, opinou Howard Klein, sócio da RK Equity, que assessora investidores em lítio.

Matt Egan e Charles Riley contribuíram com a reportagem.

CNN Brasil

 

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